Desenvolvimento

Soja na Amazônia em vias de virar tabu para europeus

Greenpeace e importadoras de soja na Europa fecham acordo que visa pressionar produtores da Amazônia a cumprir legislação ambiental. Receio de perder mercado levou empresas a aceitar parcialmente as demandas. Ambientalistas querem mais
Verena Glass
 26/07/2006

Durante as últimas semanas e como prosseguimento da série de manifestações contra o desmatamento que realizou em Santarém, coração da sojicultura na Amazônia, e do lançamento internacional de um estudo sobre a relação direta entre o crescimento da devastação e a produção do grão na região, a ONG ambientalista Greenpeace esteve ativa na Europa em uma série de negociações com os maiores importadores de soja do continente, como as redes supermercadistas inglesas Waitrose, Marks and Spencer e Asda, a alemã Tegut e a espanhola El Corte Inglês, além das empresas Belgian Alpro, McDonalds, Unilever, Ritter-Sport, e das brasileiras Nutrimental e Vitao Nutrihouse.

O resultado desta rodada de conversas – e de um incômodo crescente por parte das empresas com a possibilidade de estarem financiando o desmatamento da maior floresta tropical do mundo (e também, segundo Paulo Adário, coordenador do Greenpeace Amazônia, de ter ativistas da ONG acorrentados às suas mesas) – foi o fechamento de um acordo de nove pontos que deveria ser apresentado aos produtores e exportadores de soja amazônica.

Segundo a proposta do Greenpeace, endossada pelos europeus, Amazônia seria aquele bioma definido pelo IBGE, e todos os produtores de soja nesta área deveriam se sujeitar às demandas dos compradores: para começar, “nenhum novo desmatamento para soja ou outro produto agropecuário será aceito depois de 31 de dezembro de 2005”, política que deveria ser mantida “até que um plano participativo de uso do solo, incluindo todos os atores relevantes, tenha sido acordado. As empresas devem adotar essa moratória já para a safra 2007/2008”.

Os ambientalistas também estipularam três categorias de produtores para facilitar a identificação por parte dos importadores de grãos: os que estiverem em dia com a legislação ambiental e fundiária – preservação de 80% da cobertura natural na propriedade e documentação válida das terras – estariam na lista verde. Na segunda categoria, a lista amarela, estariam os produtores que desrespeitam o Código Florestal de alguma forma e tem terras irregulares, e que se comprometessem a legalizar sua situação em 10 anos assinando um termo de ajuste de conduta.

Dentro de dois anos, no entanto, as empresas exportadoras deveriam aceitar como fornecedores apenas os agricultores capazes de provar a legalidade de seus títulos de propriedade. “Aquelas fazendas que não cumpram tais exigências constarão de uma lista vermelha, e as empresas não devem comprar dessas fazendas depois do período de graça de dois anos”.

Outras demandas dão conta de que todas as empresas “devem assinar e cumprir estritamente o Pacto Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. Esse compromisso constará dos contratos de compra com fazendeiros, com vigência imediata. Dentro de dois anos, as empresas devem estabelecer sistemas de rastreabilidade de suas cadeias produtivas, incluindo validação e monitoramento realizados por terceiros a fim de garantir controles para a compra de soja”.

Tudo isso, explica Paulo Adário, seria discutido e regulamentado em uma comissão composta pelas empresas exportadoras, empresas consumidoras e ONGs ambientalistas, além de representantes dos governos federal e estaduais, para que se implementasse um acordo final num prazo de dois anos.

As pressionadas
Resultado desse esforço, depois de novas reuniões com o Greenpeace no Brasil e recebido o recado dos compradores europeus, as empresas multinacionais Cargill, ADM, Bunge, Dreyfus e o grupo brasileiro Amaggi, donas do comércio de soja brasileiro, resolveram dar uma resposta que acalmasse os ânimos.

Em nota divulgada segunda-feira (24), a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) e suas respectivas associadas afirmaram que estariam dispostas a “implantar um programa de governança, que objetiva não comercializar a soja da safra que será plantada a partir de outubro de 2006, oriunda de áreas que forem desflorestadas dentro do Bioma Amazônico, após a data do presente comunicado”.

Na contramão do que pede o Greenpeace – um acordo por tempo indefinido, até que os problemas de ordem socioambiental sejam solucionados -, as empresas limitam o tempo para dois anos e usam uma terminologia vaga, como “encorajar e sensibilizar os sojicultores a atenderem o disposto no Código Florestal Brasileiro”.

“Como assim, ‘encorajar’ produtores ilegais a respeitar a lei? Isto é inaceitável, as leis estão ai para serem cumpridas”, reage Adário. Segundo ele, também o prazo de dois anos proposto pelas empresas é sem efeito, já que a cadeia produtiva, começando pelo preparo da área, leva por volta de três, explica o coordenador do Greenpeace.

De acordo com ele, a reação dos ambientalistas ao comunicado das empresas foi bastante reticente. Mas o que elas não teriam entendido, diz Adário, é que o acordo do Greenpeace com as consumidoras européias não é negociável, no sentido de que a destruição da Amazônia pela soja está começando a se tornar um tabu no exterior.

Observadores
Autor do livro “O grão que cresceu demais”, sobre a soja no Brasil, o economista Sérgio Schlesinger, consultor do Projeto Brasil Sustentável e Democrático e da ONG Fase, considera o resultado da campanha do Greenpeace uma vitória moral, já que, há pouco tempo, ninguém falava de soja na Amazônia.

“Mas é apenas um passo, que abre caminho para lutas maiores. Enquanto for permitido por lei plantar soja na Amazônia, enquanto os Ministérios da Agricultura e da Industria e Comércio apostarem no grão para alavancar a economia do país, os problemas vão persistir”, afirma Schlesinger.

Segundo o economista, na prática e sobre as comunidades locais o acordo terá pouco impacto, mas nessa questão específica os movimentos sociais ainda não teriam conseguido enfrentar a questão de forma mais efetiva. “Negociar com as empresas é uma mentalidade das grandes ONGs, talvez os movimentos, por sua natureza, teriam sido mais radicais. Mas acredito que a decisão do Greenpeace foi acertada e é preciso aproveitar a visibilidade que ele está dando à questão”.

Membro da Frente em Defesa da Amazônia e coordenador da Rádio Rural de Santarém, Para, o padre Edilberto Sena, recentemente ameaçado de morte por sua participação na campanha contra a soja no município, concorda com Schlesinger que o acordo foi um passo importante do ponto de vista da publicidade do problema, mas repete as ponderações do próprio Greenpeace: dois anos de moratória oferecidos pelas empresas é irrisório.

“As empresas exportadoras só aceitaram o acordo pressionadas, mas acredito que ele vai funcionar para diminuir o desmatamento. Mas confesso que estou um pouco preocupado com a minha segura
nça. Hoje (terça, 25) os sojeiros de Santarém já se reuniram”, conta Edilberto, dizendo temer reações violentas como as que o ameaçaram de morte há menos de um mês. Ele explica que atualmente 80% dos cultivos de soja no município são ilegais do ponto de vista do código Florestal e da titularidade das terras, o que colocaria a maioria dos produtores na lista vermelha do Greenpeace.

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