CINEMA

“Anjos do Sol” retrata exploração sexual de crianças no Brasil

Produção nacional conta a história de Maria, que aos 12 anos se torna prostituta em um garimpo. "Anjos do Sol" expõe nas telas do cinema o mercado da exploração sexual que atinge 100 mil crianças e adolescentes no país
Por Beatriz Camargo
 19/08/2006

Em uma pequena cidade no interior nordestino, uma menina de 12 anos é vendida pelos pais e forçada a trabalhar como prostituta. Esse é o ponto de partida de "Anjos do Sol", primeiro longa-metragem do cineasta brasileiro Rudi Lagemman, que estreou nesta sexta-feira (18) em circuito nacional. O filme leva para as telas do cinema um tema pouco discutido no Brasil: a exploração sexual de crianças e adolescentes.

 
Notícias de jornal inspiraram o diretor a criar os personagens. Foto: Divulgação

Mais de 100 mil meninas são vítimas de exploração sexual no país, apontam os dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Já a Organização das Nações Unidas calcula que tráfico de seres humanos para exploração sexual movimenta cerca de 9 bilhões de dólares no mundo, e só perde em rentabilidade para o mercado ilegal de drogas e armas.

O diretor e roteirista Lagemman conta que optou por fazer um roteiro de ficção, e não um documentário, porque queria "dar uma cara" às vítimas desse crime. "Eu não queria fazer um filme cruel e duro porque a realidade é cruel, mas também para não afugentar as pessoas. Queria fazer uma história 'atraente' para as pessoas terem acesso às informações".

Maria, a personagem principal de "Anjos do Sol", é uma compilação das histórias de vida de muitas outras garotas já retratadas em reportagens de jornais e revistas. Lagemman pesquisou o tema por nove anos até chegar ao roteiro final. "Vi uma notícia no interior de Pernambuco de uma menina que tinha o apelido de R$ 0,50, que era o preço que ela cobrava por programa. Pensei: 'o que seria contar a história dessa menina?'". A investigação também ajudou o diretor a ampliar sua visão sobre o assunto: "Eu pensava, como a maioria dos brasileiros, que a exploração sexual se concentrava no litoral e estava ligada apenas ao turismo sexual".

Travessia
Depois de ser vendida pelos pais no Sertão da Bahia, Maria é levada para uma fazenda e, em seguida, para trabalhar como prostituta em um garimpo na Amazônia. Mais tarde, a menina foge para o Rio de Janeiro pegando carona com caminhoneiros. O caminho trilhado por Maria é um entre as 141 rotas nacionais e internacionais existentes, de acordo com a Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil realizada em 2002.

Ao longo da trama, Lagemman expõe algumas das práticas que envolvem a exploração sexual infanto-juvenil, como o leilão de meninas virgens, e os personagens que lucram com esse mercado: aliciadores (que compram as meninas de suas famílias), donos de boates, cafetões, coronéis e políticos.

Também retrata a situação das prostitutas que vivem em regime de servidão: garotas que teoricamente recebem pelos programas, mas têm descontado o valor das roupas, comida, alojamento e remédios que consomem. Além disso, sofrem violências físicas e ameaças psicológicas para não deixarem o local.

Preconceito
Para enfrentar a questão, o diretor defende o fortalecimento das organizações que trabalham com as jovens exploradas e o aumento da repressão a esses crimes. Ele acredita, no entanto, que também são necessárias medidas educacionais e mudanças culturais que alterem o comportamento da população. "Tem o preconceito da sociedade brasileira, um machismo em relação às garotas, e o preconceito racial, já que elas são em sua maioria negras. Além disso, tem a questão educacional, de como o adulto deve tratar a criança".

Os caminhos apontados por Lagemman coincidem com o diagnóstico traçado pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Exploração Sexual, encerrada em julho de 2004. Os parlamentares propuseram um conjunto de mudanças no Código Penal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Lei de Crimes Hediondos, com o objetivo de proteger as vítimas e aumentar a gravidade do crime. O Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, criado em 2000, também sugere ações para mobilizar a sociedade e garantir atendimento às vítimas e suas famílias.

Segundo o diretor de "Anjos do Sol", organizações não-governamentais (ONGs) brasileiras já estão utilizando o filme para ampliar a discussão sobre o tema. "O que é interessante é que o filme foi baseado na realidade, trazido para a ficção e agora volta a intervir na realidade", avalia.

Ficha Técnica:
Anjos do Sol. Brasil, 2006. Melhor filme pelo júri popular o Festival Internacional de Miami 2006 – 92 min.
Diretor: Rudi Lagemman
Elenco: Antonio Calloni, Chico Diaz, Darlene Glória, Otávio Augusto, Vera Holtz, Fernanda Carvalho, Bianca Comparato, Caco Monteiro e Mary Sheila.

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