Migração

Mulheres são mais vulneráveis à exploração sexual e ao trabalho forçado

Relatório das Nações Unidas destaca crescimento da migração feminina e mostra que mulheres e meninas são principais vítimas do tráfico de pessoas e do trabalho forçado doméstico
Por Beatriz Camargo
 12/09/2006
Em Borena, na África, mulher etíope carrega lenha, ajudada um de seus filhos (Foto:Indrias Getachew/ UNICEF)

A migração mundial de pessoas está se tornando cada vez mais feminina. O relatório sobre a "Situação da População Mundial" de 2006, elaborado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA, sigla em inglês), aponta que mulheres ou meninas já são metade da população migrante em todo o mundo. O índice cresceu se comparado ao de 1960, quando elas representavam pouco mais de 45% da população migrante. Com o título "Uma passagem para a esperança: mulheres e migração internacional", o documento analisa o universo das mulheres migrantes e os fatores que as tornam mais vulneráveis à exploração sexual e ao trabalho forçado doméstico.

Como a maioria dos migrantes não está oficialmente registrada pelos países de destino, é difícil saber ao certo quantos eles são, mas o relatório estima que existam entre 30 e 40 milhões de pessoas nessa situação no mundo. Essa população é responsável por grandes remessas de dinheiro enviadas aos seus países de origem. Estima-se que esse valor tenha atingido cerca de US$ 232 bilhões em 2005.

Entre os migrantes que mandam dinheiro para a família, as mulheres costumam enviar uma proporção maior de seus ganhos, em relação aos homens. Um estudo das Nações Unidas mostrou que mulheres de Bangladesh trabalhando no Oriente Médio enviaram para casa, em média, 72% de seus ganhos. E mais da metade desse dinheiro foi usado para cobrir despesas com saúde e educação, o que mostra a importância dessa contribuição.

A ONU avalia que a crescente demanda por mão-de-obra e a desigualdade entre os países mais ricos e os mais pobres levam ao deslocamento desses trabalhadores em busca de melhores condições de vida. "Se os aspirantes à migração não puderem migrar legalmente, igualmente o farão", ressalta o documento, lançado no dia 6 de setembro. Para as Nações Unidas, esse é o resultado da "assimetria da globalização": produtos podem entrar e sair livremente dos países, enquanto as pessoas têm que enfrentar inúmeras barreiras impostas pelos governos.

Uma vez no país estrangeiro, os migrantes tendem a aceitar empregos de baixa remuneração, muitas vezes sem serem registrados e sem benefícios trabalhistas. Se são ilegais, aumenta a probabilidade de serem explorados, obrigados a trabalhar muitas horas por dia ou viver em lugares sem condições mínimas de higiene ou conforto. Quando se trata de mulheres migrantes, ainda há a chance de sofrer abusos sexuais ou físicos.

Das cerca de 12 milhões de pessoas que realizam trabalhos forçados, 56% dos explorados economicamente por meio de coação física ou psicológica são mulheres ou meninas, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Tráfico de pessoas
Entre 600 e 800 mil homens e mulheres são vítimas do tráfico internacional de pessoas a cada ano, aponta o Departamento de Estado norte-americano. A maioria será alvo de exploração sexual comercial – e desse universo 80% das vítimas são mulheres e meninas. Estima-se, por exemplo, que cerca de 70 mil brasileiras, grande parte delas aliciadas pelo tráfico de pessoas, trabalhem como profissionais do sexo em outros países.

As políticas de migração cada vez mais restritivas diminuem as possibilidades de entrar legalmente nos países, o que acaba por facilitar que os migrantes sejam aliciados por esses traficantes. Em geral, as vítimas estão em busca de uma vida melhor e são atraídas por promessas enganosas de trabalho. Contudo, a ONU ressalta que, mesmo não sendo um migrante legal no país estrangeiro, os direitos básicos devem ser garantidos a essa pessoa.

No Brasil, as crianças também são vítimas do tráfico de pessoas, para fins do comércio de sexo e drogas ou para o trabalho forçado doméstico. Entretanto, o país é citado no relatório também por sua atuação no combate a esse crime. As Nações Unidas elogiam a campanha nacional que produziu vinhetas de rádio e cartazes com alertas para as mulheres sobre o perigo de serem vítimas do tráfico de pessoas. Os cartazes foram afixados nos principais aeroportos, saída comum das mulheres que são levadas para o exterior.

Exploração doméstica
A maioria das trabalhadoras do serviço doméstico são migrantes que deixaram seu país ou cidade de origem por conta própria, à procura de oportunidades de emprego. Segundo o documento, na América Latina, as trabalhadoras domésticas representam até 60% dos migrantes internos e internacionais. Muitas vão para países da Europa e para a América do Norte.

Mas o fato de terem migrado por opção não impede que se tornem vítimas de exploração ou maus-tratos: a entidade tem informações desse tipo de abuso em vários países. Muitas das empregadas domésticas trabalham em condições intoleráveis, são maltratadas física e psicologicamente e quase mantidas em cativeiro.

Mais do que em outras profissões, o trabalho doméstico está sujeito aos excessos por parte dos empregadores porque se realiza na esfera privada, o que dificulta a fiscalização e o surgimento de denúncias.

Ainda segundo o relatório da ONU, há relatos de empregadores que impedem que as trabalhadoras domésticas consultem um médico se estiverem doentes. Outras são forçadas a fazer o teste de HIV e, quando os resultados são positivos, são demitidas. Infelizmente, o aumento da demanda por serviços domésticos sinaliza que os abusos devem seguir crescendo, acompanhando os números da migração internacional.

Em Cingapura, no sul do continente asiático, por exemplo, as políticas de migração proíbem o casamento entre trabalhadoras domésticas estrangeiras e cidadãos do país. Além disso, elas são obrigadas a realizar exames de HIV e de gravidez a cada seis meses – quando outros trabalhadores estrangeiros devem fazê-los a cada dois anos. Com freqüência, as empregadas domésticas descobertas grávidas são despedidas e deportadas.

Mais igualdade

Para diminuir os efeitos causados pela crescente migração, o relatório propõe que sejam feitos acordos bilaterais entre os países de origem e os de destino desses migrantes que incluam, por exemplo, modelos de contrataç&atilde
;o com as horas de trabalho e de descanso a serem obedecidas, e que garantam a remuneração e a indenização por lesões no trabalho, bem como o respeito a todos os direitos trabalhistas do país de destino.

O relatório conclui que uma migração mais ordenada só será possível com a redução da desigualdade mundial. Ações que visem à diminuição da pobreza e promoção do desenvolvimento, bem como a igualdade de gênero, por exemplo, são contribuições nesse sentido. O documento ressalta ainda que esforços para combater a xenofobia, a violência, a exploração e o tráfico de pessoas devem ser expandidos e as políticas para tratar essas questões reformuladas.

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM