Meio ambiente

Planejamento energético será mantido apesar de críticas

Presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) defende projeto de expansão da geração de energia e desmente que o plano estaria excessivamente concentrado em três megaprojetos. Organizações sociais criticam descaso com impactos socioambientais e falta de investimentos em energias alternativas
Mauricio Thuswohl
 27/09/2006

Apertado entre as críticas feitas pelo movimento socioambientalista ao Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica (PDEE) e as previsões – algumas motivadas por interesses eleitorais – de que o Brasil corre o risco de sofrer um novo apagão até 2010, o governo federal parece mesmo disposto a fazer o que for preciso para garantir a expansão da oferta de energia elétrica nos próximos anos. Mesmo com o megaprojeto do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte paralisado por vários questionamentos judiciais, o governo prepara outro leilão de energia nova para o dia 10 de outubro (onde quatro novos projetos serão oferecidos) e espera obter até o início do ano que vem as licenças definitivas para a construção das usinas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, e Tijuco Alto, na divisa de São Paulo com o Paraná. Além disso, o BNDES anunciou na terça-feira (26) a decisão de reduzir os custos dos financiamentos para o setor energético.

O leque de críticas que as organizações socioambientalistas fazem ao PDEE é amplo. Elas começaram ainda durante o processo de elaboração do plano, considerado pouco democrático, e se estenderam ao seu conteúdo. O alvo maior dos questionamentos é a opção preferencial pela energia gerada por hidrelétricas e termelétricas – em detrimento da busca pela eficiência energética e adoção de matrizes energéticas renováveis – e a concentração em três megaprojetos (Belo Monte, Madeira e a usina nuclear de Angra 3) que causarão grande impacto social e ambiental e têm uma chance razoável de dar errado. Os críticos também afirmam que o PDEE foi elaborado exclusivamente para beneficiar as indústrias do setor eletro-intensivo, como as empresas produtoras de celulose e alumínio, que são grandes consumidoras (e desperdiçadoras) de energia.

O processo de elaboração do PDEE foi comandado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Seu presidente, Maurício Tolmasquim, defende o plano e refuta a maior parte das críticas recebidas. Ele afirma que “o abastecimento está garantido até 2010” e discorda da insinuação de que a expansão prevista pelo governo dependa excessivamente de Belo Monte, Madeira e Angra: “Não são somente esses três projetos que estão previstos no PDEE. Temos também pequenos projetos, temos usinas menores”, diz. Existe no plano decenal uma lista com 23 projetos de menor porte que, juntos, gerariam 5,3 mil MW. A maioria está paralisada por problemas legais ou de licenciamento ambiental e as ONGs acusam o governo de não se preocupar em levar os pequenos projetos adiante e pensar somente nos grandes empreendimentos: “A lista de projetos previstas no PDEE é enorme. Existem usinas de vários tamanhos e todas estão igualmente previstas no plano e têm o mesmo tratamento”, rebate o presidente da EPE.

Ao analisar o impacto que os megaprojetos hidrelétricos causarão ao meio ambiente e às populações locais, Tolmasquim afirma que “qualquer projeto hidrelétrico tem impactos e prevê formas de compensação ambiental e social”. De acordo com dados fornecidos pela estatal Eletronorte, subordinada ao Ministério das Minas e Energia (MME), somente o projeto de Belo Monte terá impacto direto sobre cerca de 3,5 mil famílias nos municípios de Altamira e Vitória do Xingu, no Pará, além de implicar no deslocamento de dez comunidades indígenas da região. O presidente da EPE não arrisca dizer se vale a pena todo esse impacto socioambiental: “Não se pode nem estudar ou analisar Belo Monte, pois o projeto está parado na Justiça”, disse.

Na análise que fez sobre o PDEE, o Grupo de Trabalho sobre Energia do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS) afirma que o “beneficiário mais óbvio” do plano é o setor das empresas eletro-intensivas, “como as indústrias de alumínio primário, ferro e celulose”, que vêm se expandindo no Brasil: “É claro que não há alternativas energéticas às grandes hidrelétricas se o país se entrega como fornecedor de matéria prima para consumidores na Europa, Japão e Estados Unidos. O interesse da China, da Rússia e de outros países nas indústrias de alumínio é decorrente da possibilidade de beneficiarem-se do custo irrisório da energia publicamente subsidiada na Amazônia às custas dos impactos ambientais, culturais e sociais, fruto de uma política sendo entregue sem debate publico”, diz o documento. Tolmasquim discorda da afirmação de que o PDEE busca beneficiar a um setor especificamente: “A expansão da energia elétrica prevista no PDEE irá beneficiar o Brasil, a indústria brasileira em geral e os consumidores que estão no Brasil”.

POUCA EFICIÊNCIA
O FBOMS reclama também que o PDEE mostra pouco apreço pela busca da eficiência energética e do uso racional de energia. Segundo levantamento feito pelas ONGs, o sucateamento das usinas e as falhas nas linhas de transmissão e distribuição provocam um desperdício de 17% da energia gerada no país. Outros 10% de energia desperdiçada seriam evitados se o governo investisse na repotenciação das usinas que estão há muitos anos em uso. Estas, segundo a análise do GT Energia, “poderiam aproveitar melhor o sistema de reservatórios de bacias hidrográficas em coordenação com a operação de termelétricas”. Para Maurício Tolmasquim, essa perda, no entanto, é superdimensionada pelos críticos: “A perda com transmissão e distribuição no Brasil é muito pequena se comparada aos níveis mundiais. Além disso, essa perda de 17% citada é comercial e não física”, diz.

O governo também é criticado por não dar muita importância à adoção de novas matrizes de energia renovável no país. As energias renováveis, segundo a análise produzida pelo FBOMS, “são relegadas ao último plano no PDEE, enquanto deveriam ser encaradas como a grande solução para a questão energética”. O Brasil, segundo os socioambientalistas, já é capaz de produzir em quantidade energia solar térmica, solar fotovoltaica, eólica ou biomassa, entre outras, e só não o faz por falta de vontade política do governo: “O Brasil segue desconsiderando essa tendência internacional apesar de possuir potencial para suprir totalmente a demanda nacional atual e também para fornecer eletricidade a locais remotos que não a possuem ou que utilizam outras fontes como a geração a diesel ou a gás”.

O documento afirma que, ao desprezar as fontes renováveis, o país acaba deixando de economizar energia: “Essas fontes poderiam também resolver problemas atuais do setor, como o pico de consumo nas regiões Sul e Sudeste causado por chuveiros elétricos e que po
de ser reduzido por energia solar térmica, beneficiando a todos, inclusive às concessionárias. Assim a demanda poderia ser mais balanceada e o fator de carga elevado”. O presidente da EPE, por sua vez, considera que o Brasil “está muito bem” em termos de energias renováveis: “Cerca de 45% da energia produzida no Brasil vem de suas matrizes renováveis. A média mundial é de 14% e, se levarmos em conta apenas os países da OCDE, é de apenas 6%. O Brasil tem um dos melhores índices do mundo. Em termos de energias renováveis, o mundo tem muito a aprender com o Brasil”, diz.

BNDES ajuda
Além de buscar superar os entraves jurídicos que paralisam alguns projetos, o governo pretende dar outros incentivos à implementação do PDEE. O diretor de Infra-Estrutura do BNDES, Wagner Bittencourt, anunciou na terça-feira (26) que o banco decidiu reduzir os custos dos financiamentos para o setor de energia. O objetivo da medida, segundo Bittencourt, é estimular a chegada de investimentos privados aos projetos de expansão da geração e da distribuição de energia elétrica em todo o país: “Projetos importantíssimos serão implementados a partir dos próximos meses. Por isso, achamos oportuno fazer uma mudança operacional para dar maior competitividade ao setor e possibilitar, num segundo momento, a redução do preço da tarifa cobrada ao consumidor”.

De acordo com os dados apresentados pelo BNDES, a partir de agora os empréstimos para o setor de energia passarão a ser corrigidos integralmente pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que hoje é de 7,5% ao ano. Até então, somente 80% do valor do empréstimo era corrigido pela TJLP, e o restante pela variação do IPCA. Segundo o banco, essa mudança vai reduzir os custos dos empréstimos em cerca de 1,5% ao ano. Outros benefícios para incentivar o PDEE podem ser anunciados ainda este ano pelo governo. O objetivo é garantir a expansão dos 41 mil MW que, segundo a EPE, são necessários para afastar de vez o risco de apagão. Para tanto, está previsto para até 2015 um investimento de R$ 74 bilhões de reais.

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