De novo

Fazendeiro que ganhou R$ 2 milhões por usar escravos volta a atacar

Fazenda Castanhais, onde 43 trabalhadores foram libertados em setembro, é controlada por Luís Pires, flagrado outras duas vezes utilizando mão-de-obra escrava. Como "prêmio", já recebeu indenização milionária por uma de suas propriedades
Por Iberê Thenório
 11/10/2006

Depois de cruzar títulos de propriedade e procurações, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) confirmaram que a fazenda Castanhais, onde 43 pessoas que trabalhavam em situação análoga à escravidão foram libertadas no final de setembro, é controlada por Luís Pereira Martins, conhecido na região como "Luís Pires". Essa é a terceira vez que o fazendeiro é flagrado utilizando esse tipo de mão-de-obra. Ao todo, 381 já foram libertados de suas terras.

Trabalhando há três meses na construção de cercas para o gado, as pessoas que ganharam a liberdade em 20 de setembro na fazenda Castanhais, em Cumaru do Norte (PA), dormiam em barracos de lona plástica e não tinham carteira de trabalho assinada. Assim que foram contratados, já contraíram dívidas com o "gato" (contratador de mão-de-obra a serviço do fazendeiro), que lhes forneceu vales para comprar comida, botas e chapéu em um supermercado da região. O valor seria descontado quando recebessem o salário, que estava atrasado. Para driblar a fiscalização, trabalhadores chegaram a ser tirados de avião da propriedade.

Na ação de fiscalização, o gerente da fazenda, Sebastião Lourenço, que se declarou responsável pelos trabalhadores, desembolsou R$ 116 mil com rescisões trabalhistas. Mais tarde, descobriu-se que as terras pertenciam à Agropecuária Castanhais, cujo sócio majoritário é Pedro Pereira Martins, irmão de Luís Pires – que possuía uma procuração com amplos poderes para atuar em nome da Castanhais.

Prêmio de R$ 2 mi
O nome de Luís Pires – e do grupo Umuarama, que controla suas fazendas – ganhou projeção nacional em 1997, quando a fazenda Flor da Mata, em São Félix do Xingu (PA), foi desapropriada pelo governo federal. Naquele ano, 220 pessoas haviam sido libertadas da escravidão na propriedade.

O argumento jurídico utilizado para a desapropriação foi a improdutividade da Flor da Mata, mas o trabalho escravo também foi citado no processo. O fato, porém, favoreceu o fazendeiro, que havia comprado as terras em 1995 por R$ 100 mil, recebendo R$ 2,5 milhões de indenização.

Quando se ameaçou retirar as terras de Luís Pires, grande parte da bancada do Tocantins no Congresso Nacional saiu em seu socorro. Entre os parlamentares estavam João Ribeiro, na época deputado federal pelo PTB e hoje senador pelo PL, e Carlos Patrocínio, na época senador pelo PFL. Tempos depois, os dois políticos seriam também flagrados utilizando mão-de-obra escrava, e hoje seus nomes constam na "lista suja" da escravidão – cadastro divulgado pelo MTE onde estão listadas pessoas ou propriedades que comprovadamente cometeram esse crime.

Na época, um dos argumentos utilizado por Luís Pires dizia que o serviço em sua fazenda era tercerizado e, portanto, o responsável pelos trabalhadores seria o proprietário da empresa "Desmatadora Sul do Pará", Geraldo José Ribeiro, contratado para realizar serviços em suas terras. Geraldo também iria aparecer tempos depois na "lista suja", pois em sua fazenda Boa Esperança, em São Félix do Xingu (PA), seriam libertados quatro trabalhadores.

A ação de fiscalização na fazenda Flor da Mata aconteceu em setembro de 1997. Entre os 220 libertados havia 30 adolescentes menores de 18 anos e 15 mulheres. Foram apreendidas 15 armas de fogo, sendo três de uso exclusivo da Polícia Federal, e 30 motosserras. Um ano antes, Luís Pires já havia sido flagrado cometendo o mesmo crime na fazenda Santa Fé, em Parauapebas (PA), quando o grupo móvel libertou 118 pessoas – que também foi relacionada na "lista suja".

O relato feito em 1997 ao Conselho Tutelar de Tucumã por um jovem de 17 anos que trabalhou nas terras de Luís Pires ilustra a violência a que eram submetidos os trabalhadores na Flor da Mata: "Uma cena perigosa de um companheiro (…) com idade de mais ou menos dez anos que andava mais eu. Em uma sexta-feira ele tomou uma botina emprestada para ir ao trabalho, pois não queria comprar uma pelo preço de vinte reais, tinha receio de ficar devendo e depois não poder mais ir embora, depois disseram que ele tinha roubado a botina, então o gato Fogoió levou ele para o mesmo barracão abandonado que ficamos quando chegamos na fazenda Flor da Mata, e bateram nele de facão, depois pegaram uma arma de calibre 38, apontaram para ele e mandaram ele correr sem olhar para trás, e ele correu, entrou na mata e eu não vi mais."

Apesar de sua insistência em utilizar trabalho escravo, Luís Pires nunca chegou a ser preso pelos crimes.

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