Exemplo cívico

Ação em fazenda de prefeito maranhense liberta 20 da escravidão

A fazenda de Francisco Lima, prefeito de Davinópolis (MA), onde eram explorados os trabalhadores, está localizada dentro da Reserva Biológica de Gurupi - área de preservação ambiental - e era voltada à extração ilegal de madeira
Por André Campos
 17/11/2006

Trabalhadores estavam alojados em curral na Fazenda Monte Cristo (Foto: DRT-MA/Divulgação)

Açailândia – “O gerente da fazenda sempre dizia que o pagamento ia sair no dia 10. Mas o dia 10 nunca chegava.” Essa foi a rotina de Antônio Carlos*, 38 anos, durante os últimos cinco meses. O salário de R$ 450,00 combinado com o empregador só veio uma vez, logo nos primeiros 30 dias de trabalho. Após isso, só promessas.

Água de má qualidade e falta de equipamentos de segurança eram outros problemas enfrentados. “Se quisesse, tinha que comprar do patrão”, conta Antônio Carlos, que já trabalhou em lavoura, serraria, carvoaria e construção civil. Dessa vez foi contratado para extrair madeira em uma área da Amazônia Legal. E apesar da fazenda onde estava ficar no mesmo município de sua casa, só conseguia (tamanho era o isolamento da área) sair para ver a mulher e os dois filhos a cada 15 dias.

Levado ao município de Açailândia por fiscais do trabalho após a libertação, ele só aguarda o término das negociações entre o proprietário da fazenda com as autoridades competentes para o pagamento daquilo que lhe é devido. Diz que vai retirar novamente sua carteira de trabalho, que havia perdido, e voltar para procurar um novo emprego naquela mesma região onde acabou de ser libertado. “Pobre, se pára de trabalhar, morre de fome”, conta outro trabalhador dessa mesma propriedade, também a espera do pagamento.

Motosserras apreendidas na fazenda do prefeito de Davinópolis (MA), localizada dentro de área de proteção ambiental (Foto: DRT-MA/Divulgação)

Antônio Carlos foi um dos 20 trabalhadores em situação análoga à de escravidão libertados nesta quarta-feira (16) no município de Bom Jardim (MA), durante ação realizada pela Delegacia Regional do Trabalho. A propriedade em questão pertence ao prefeito de Divinópolis, no mesmo estado. É o radialista Francisco Lima (PL), mais conhecido como “Chico do Rádio”. Condições de alimentação e moradia precárias foram algumas das irregularidades encontradas no local.

Outra irregularidade é o fato de a fazenda estar localizada dentro da Reserva Biológica do Gurupi (MA), área de preservação ambiental reconhecida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O grupo de fiscalização do DRT-MA apreendeu na propriedade dez motosserras e espingardas. Foram encontrados também macacos e tatus mortos.

 Outros casos
Esta foi apenas uma das três libertações realizadas pelo DRT-MA desde quinta-feira (9) da semana passada. As outras ocorreram na fazenda Monte Cristo, no município de São Pedro D’água Branca, envolvendo 17 trabalhadores, e na fazenda Coragem –  município de Carutapera – onde nove trabalhadores foram libertados. Ambas eram voltadas à criação de gado.

Segundo Carlos Henrique de Oliveira, coordenador da fiscalização, todas as propriedades tinham em comum o fato de estarem a grandes distâncias da cidade mais próxima – no mínimo 130 km – além de apresentarem condições precárias de alimentação e alojamento. Na fazenda Monte Cristo havia, inclusive, pessoas morando dentro de um curral. “Todas também tinham cantinas que vendiam produtos aos trabalhadores, sendo que, em alguns casos, já era possível notar o início de processos de endividamendo”, conta. Esse sistema é comum em fazendas que exploram mão-de-obra escrava. Os trabalhadores compram sempre na propriedade – devido à distância geográfica ou a pressão dos patrões – que faz o preço que quer. “Até folha de caderno para fazer cigarro era vendido.” Os trabalhadores são em sua maioria maranhenses, aliciados em municípios vizinhos às fazendas. Grande parte deles não possui nenhum tipo de documentação.

Caso algum dos proprietários se negue a arcar com os custos das rescisões contratuais, o Ministério Público do Trabalho poderá entra com uma ação civil na Justiça do Trabalho e exigir esse pagamento.

*O nome foi alterado para garantir a segurança do trabalhador.

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM