Artigo

O meio ambiente do país pede socorro

Das enchentes em São Paulo às agressões ao rio São Francisco, o impacto da ação humana vem colocando em risco o potencial ambiental brasileiro
Por João Suassuna*
 18/12/2006

O povo brasileiro não costuma tratar adequadamente o seu ambiente natural. O resultado disso é que o caos, costumeiramente, prevalece. Essas assertivas são divulgadas constantemente na mídia de um modo geral e, por se tornarem rotineiras, têm assustado todo o país. Dentre uma infinidade de acontecimentos lamentáveis na área ambiental, podemos citar alguns como merecedores de destaque.

As recentes enchentes ocorridas na cidade de São Paulo, por exemplo, decorrentes em sua maior parte da obstrução das galerias pluviais pelo lixo jogado nas ruas pela população, têm resultado em recorrentes transtornos naquele município, transformando a nossa maior metrópole em um gigantesco lago. Querer livrar-se do lixo de forma inadequada jogando-o simplesmente na rua é conseqüência direta da falta de preparo da população nas questões referentes à preservação de seu ambiente natural, razão pela qual a sociedade paulistana não consegue encontrar outra saída, senão aquela de ficar sempre se lamentando. O problema do lixo nas vias públicas, bem como de outras ações predatórias ao ambiente, tem dado ao brasileiro a triste fama de ser um dos povos que mais menosprezam o seu patrimônio natural.

O caso dos desmatamentos ocorridos no bioma da caatinga, no oeste pernambucano (bacia do Brígida, afluente do rio São Francisco), com o propósito de calcinar a gipsita para transformação daquele mineral em gesso, é outro acontecimento que tem tirado o sono dos ambientalistas. Realizados sem os cuidados devidos e, principalmente, desconsiderando a legislação ambiental vigente, essas ações vieram por exterminar, de vez, a frágil vegetação daquela região do sertão pernambucano, colocando os municípios de Araripina, Trindade, Ipubi, Ouricurí e Bodocó como fortes candidatos à formação de novos núcleos de desertificação, fenômeno que já ocorre no município de Cabrobó, no mesmo estado.

O lançamento de esgotos nos rios sem o tratamento devido é outra questão séria e que também reflete o despreparo da população, assunto este que, infelizmente, não se restringe apenas à população residente nas bacias hidrográficas dos rios, mas também à classe política do país.

Residimos em Casa Forte, em bairro de classe média do Recife, que vive, no momento, visível expansão imobiliária. Contam-se dezenas de edificações construídas ou em fase de construção e que já estão trazendo problemas ao sistema de esgotamento sanitário do bairro. Estas questões são fáceis de entender, porquanto a cidade do Recife tem uma malha de esgotos sanitários construída em meados do século XVII, portanto na época em que os holandeses dominavam a região. Antigos e obsoletos, os esgotos de Casa Forte não podem mais receber a carga adicional oriunda de tais edificações, o que tem resultado em mais comprometimento do Capibaribe, rio sabidamente bastante sacrificado pela poluição. 

Sobre estas questões, a bacia do rio São Francisco também merece referência, tendo em vista o seu contingente populacional, de cerca de 14 milhões de pessoas, costumar despejar seus esgotos "in natura" (domésticos e industriais) em seu leito, o que tem resultado numa péssima qualidade das suas águas. A cidade ribeirinha de Petrolina, no oeste pernambucano, que possui um dos mais importantes pólos de irrigação do nordeste, tem as águas do Velho Chico impróprias para o banho, devido à existência, nelas, de elevados índices de coliformes fecais. Igual problema ocorre na bacia do rio Moxotó (afluente do São Francisco) no município de Ibimirim, também no estado de Pernambuco, onde o açude Poço da Cruz, o maior do estado, com capacidade de 500 milhões de metros cúbicos, está com suas águas imprestáveis para o consumo humano, por apresentarem forte odor de esgotos recebidos dos municípios a montante da represa. O curioso de tudo isso é que as águas do rio São Francisco, previstas para serem bombeadas através do eixo leste do projeto de transposição, irão abastecer aquela represa, para, em seguida, irem em direção aos municípios de Gravatá e Campina Grande, localizados nos agrestes de Pernambuco e Paraíba, para o abastecimento de suas populações. O fato grave é que as ações do projeto irão fazer com que as águas do rio São Francisco, que já apresentam certas restrições para o consumo humano, sejam misturadas às águas de uma represa, cuja qualidade é duvidosa para o consumo, devido à presença de forte carga poluidora. Diante desses fatos e caso se concretize o projeto, torna-se fácil imaginar os problemas de saúde pública que irão surgir naquelas regiões, principalmente com doenças veiculadas pela água.

A energia elétrica no brasil é outra questão que merece destaque neste artigo. A potência elétrica instalada no país chegou a cerca de 87 mil mw em 2003, valor que necessita ser ampliado anualmente em cerca de 4 a 5 mil mw, para a satisfação do seu desenvolvimento. Ocorre que estamos longe de atingir tais volumes adicionais de energia. Segundo informações obtidas na internet e prestadas pelo Ibama, no intervalo de três anos – entre 2003 e 2006 – a instituição concedeu licenciamento ambiental para 21 hidrelétricas, perfazendo um total adicional, na potência elétrica instalada, de 5.437 mw, ou seja, valor quase três vezes menor do que aquele necessário para a satisfação do crescimento do país, de 15.000 mw em três anos. Mesmo assim, dos 5.437 mw, 2.476 mw são de empreendimentos que têm licença prévia e não saíram do papel, talvez por falta de financiamentos. A continuar esse cenário, é provável a existência de problemas de geração elétrica no país ainda na gestão Lula.

Vale a pena um comentário adicional sobre as hidrelétricas previstas para serem construídas na bacia amazônica. Por tratar-se de uma região de planície, geralmente as represas ali construídas são rasas e de grande superfície inundada. Nesse sentido, o problema gerado é de supressão de vasta área com rica biodiversidade pelo lago formado pela represa. Será que um país que não costuma tratar seu ambiente natural de forma adequada tem condições de avaliar o custo/benefício da implantação desses empreendimentos naquela localidade? É um caso para se refletir.  

Diante desses problemas, não é por outra razão que o governo federal vem se empenhando na construção de novas unidades geradoras no país (hidrelétricas e termelétricas), para satisfazer tanto a demanda reprimida na geração, como para garantir o seu crescimento.
Fala-se inclusive na construção de unidades termonucleares no nordeste brasileiro, sendo, algumas delas, na bacia do rio São Francisco.

Não somos contrários às usinas nucleares para fins de geração de energia. Somos contrários, sim, à localização dessas usinas em regiões que costumam tratar mal o seu ambiente natural. A nossa preocupação maior recai no destino que será dado ao lixo atômico gerado nessas usinas. Achamos, por exemplo, que o caso do plutônio que compõe o lixo atômico é emblemático. Esse elemento radiativo (PU-239 físsil) é resultante da reação nuclear do urânio no interior do reator, e tem período de meia vida estimado em cerca de 24 mil anos (meia-vida é o tempo necessário para que a atividade de um elemento radiativo seja reduzida à metade). Portanto, a pergunta que tem que ser feita é a seguinte: uma vez construídas essas usinas no nordeste, que destino será dado ao lixo atômico ali gerado? Não bastassem todas as mazelas da forte degradação ambiental existente na bacia do rio São Francisco, ainda por cima poderemos vir a ter, no futuro, um rio com problemas semelhantes àqueles ocorridos com o césio 137 em Goiânia, onde a radiação desse elemento exposto no lixo resultou na morte de algumas pessoas.

Desta feita, adiantamos aos senhores leitores que, uma vez implantadas tais usinas na região nordeste, iniciaremos, de imediato, campanha nacional para que o lixo atômico ali gerado não seja estocado na bacia do rio Taperoá, na Paraíba, região pela qual temos enorme carinho, por tratar-se do berço de toda nossa família.

Diante desse relato, ficamos preocupados e até indignados com as recentes declarações do presidente Lula, quando qualificou os ambientalistas, os povos indígenas, os quilombolas, o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União como entraves ao desenvolvimento do país. Coerente com essa lógica e diante de demora no licenciamento ambiental para a implantação de grandes obras no país, o governo federal pretende enviar projeto de lei à câmara federal mudando os critérios de definição sobre a competência do órgão responsável para realizar o licenciamento ambiental. No nosso ponto de vista, isso sinaliza um retrocesso na legislação vigente e na garantia de direitos conquistados pela sociedade brasileira.

Cremos que, nesse caso, o foco de análise do presidente mostrou-se, de certa forma, equivocado. Normalmente, as mudanças nas questões ambientais não costumam ocorrer de forma rápida. Não se pode esperar, por exemplo, que elas aconteçam no intervalo de um mandato presidencial. O presidente deveria se preocupar mais com a implementação de ações estruturadoras e de longo prazo, cujos efeitos costumam aparecer através de gerações. Nesse sentido, sua excelência deveria interferir diretamente na educação do povo brasileiro, fazendo constar no currículo escolar dos cursos de primeiro e segundo graus, matérias relacionadas às questões ambientais, de uma maneira diferente daquela existente na atualidade. A população jovem do país precisa ter acesso a tais mecanismos, para saber refletir melhor sobre as conseqüências dos desmatamentos ilegais; dos lançamentos indevidos de esgotos no leito de um curso d´água; da utilização das águas de um rio de múltiplos usos, que apresente sinais de debilidade hídrica; da geração de energia cuja matriz energética é calcada, prioritariamente, em hidrelétricas; dos efeitos da radiação nos organismos vivos e de tantas outras questões que costumam ocorrer no nosso cotidiano. Cremos que é sempre através do diálogo que iremos dar seqüência a tudo aquilo que foi conquistado pela sociedade.

João Suassuna é engenheiro agrônomo, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e um dos maiores especialistas na questão hídrica nordestina.

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