Trabalho escravo

Para juristas, processos já devem ser enviados à Justiça Federal

Presidentes da Associação dos Juízes Federais do Brasil e da Associação Nacional dos Procuradores da República afirmam que recurso votado pelo Supremo Tribunal Federal define jurisprudência sobre quem deve julgar o crime de trabalho escravo. Posição contraria informações divulgadas pelo próprio STF
Por André Campos
 01/12/2006

Já devem ser enviados para a Justiça Federal os processos relacionados a crimes de trabalho escravo no Brasil. Esse é o entendimento de Walter Nunes, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), e de Nicolao Dino, presidente Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). O site Repórter Brasil ouviu os dois juristas um dia após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter dado provimento ao Recurso Extraordinário nº 398041. Segundo ambos, a decisão abre uma tendência inequívoca para que os casos de escravidão no Brasil sejam julgados em esfera federal.

Por 6 votos a 3, o Supremo decidiu nesta quinta-feira (30) ser da competência da Justiça Federal o julgamento de um crime de trabalho análogo ao escravo denunciado em 1992, em propriedade localizada no Estado do Pará. O réu chegou a ser condenado a quatro anos de reclusão, mas, na apelação, o Tribunal Regional Federal declarou incompetência absoluta da Justiça Federal para tratar do caso. Dessa forma, foi anulado todo o processo a partir da denúncia.

Trata-se de um impasse semelhante ao enfrentado pela maior parte das denuncias pelo artigo 149 do Código Penal, que prevê esse crime. A indecisão em relação à competência tem sido usada por advogados de defesa para evitar que seus clientes sejam sequer julgados. Dino espera que, a partir da decisão do STF, não haja mais margem de manobra para situações do gênero. “Os casos que têm sido relatados pelos grupos móveis de fiscalização guardam grande similaridade com o julgado no recurso extraordinário”, defende o presidente da ANPR. “Devem, portanto, seguir a orientação estabelecida pelo Supremo nesse julgamento.”

Para o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), José Nilton Pandelot, a decisão do Supremo deve ser comemorada. “Temos de dar ao julgamento a importância que ele tem, que é a de gerar efeitos em um caso concreto, mas sinalizar uma tendência do STF”, afirma.

Walter Nunes, presidente da Ajufe, ressalta que a definição em favor da Justiça Federal vai ao encontro do compromisso assumido pelo país no sentido de erradicar o trabalho escravo. “Para a comunidade internacional, essa posição não se mostra efetiva caso não se defina pelo julgamento dos crimes em esfera federal”, afirma. “Afinal, um determinado estado da federação pode não estabelecer o combate à escravidão como prioridade.”

Polêmica
A Assessoria de Imprensa do STF informou nesta sexta-feira (1) que a aprovação do Recurso Extraordinário não teria firmado uma orientação geral para julgamentos sobre trabalho escravo. Isso se deveria ao fato da composição da Corte ter mudado durante o julgamento – que teve início em 2005 – e de não estarem presentes à votação todos os ministros do Supremo.

Contudo, os juristas consultados pela reportagem afirmam o contrário. De acordo com Dino, esse argumento “não faz sentido”. Ele ressalta que grande parte dos julgamentos do STF duram anos, passando por diferentes composições no plenário. “Se fosse dessa forma, quase não haveria decisão do STF que criasse jurisprudência.”

O presidente da Ajufe não descarta a possibilidade de uma mudança no posicionamento do Supremo, mas não acredita que isso deva acontecer. “Seria um desgaste imenso para o órgão”, acredita. Para ele, torna-se muito difícil agora que qualquer juiz federal se declare incompetente para julgar um crime de trabalho escravo. “O STF é a última palavra, principalmente em matéria de competência e ainda mais se tratando de situação criminal”, diz.

Nunes lembra que os prazos para prescrição de crimes relativos à escravidão no Brasil continuam em andamento – fato que aumentaria ainda mais a responsabilidade dos juízes em acatar a orientação estabelecida pelo STF. De acordo com a lei brasileira, o cálculo para a prescrição de um crime considera o tempo decorrido entre a denúncia do Ministério Público e a sentença do juiz. A demora para o julgamento dos processos tem colaborado para que muitos crimes prescrevam.

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