Refugiados Ambientais IV

Secas e desertos no Brasil: velhos dilemas e novos desafios

Migrações relacionadas à seca são realidade histórica do semi-árido brasileiro. E a desertificação de terras pode, em breve, tornar-se mais um gatilho para a expulsão do homem da região
Por André Campos
 29/12/2006

 
Desertos avançam no Nordeste do território
brasileiro (Foto:Arquivo IICA)
 
Nos semi-áridos nordestino, mineiro e capixaba, vivem aproximadamente 30 milhões de pessoas, ou cerca de 15% da população nacional. São números que fazem do conjunto dessas áreas a região seca mais populosa do mundo. A população brasileira afetada pela aridez sertaneja, no entanto, extrapola em muito os limites geográficos da área.

Do Sudeste à Amazônia, é possível encontrar outros milhões de brasileiros que, de alguma forma, têm sua história de vida marcada pelas estiagens do sertão. Somente na Grande São Paulo, segundo o Ministério da Integração Nacional, um terço da população é composta por nordestinos ou descendentes de retirantes do Nordeste. E a seca é, sem dúvida, um dos principais fatores na complexa equação dessa diáspora.

O regime hídrico do semi-árido é traiçoeiro à ocupação humana. A irregularidade das chuvas é um obstáculo constante ao desenvolvimento das atividades agropecuárias, e a lacuna de sistemas eficientes para o armazenamento da água – que estão quase sempre concentrados nas mãos de poucos – intensifica ainda mais os efeitos sociais dessa realidade. Para piorar, ciclos de fortes estiagens costumam atingir a região em intervalos que vão de poucos anos a até mesmo décadas. Eles colaboram para desarticular de vez as já frágeis condições de vida de pequenos produtores e outros grupos mais pobres, tornando-se, muitas vezes, o gatilho que faltava para o abandono da região.  

A ultima grande estiagem do gênero ocorreu entre 1998 e 1999. Na ocasião, a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) realizou uma pesquisa envolvendo 15 municípios de cinco estados afetados. Os resultados mostram uma queda de 72% na produção de feijão, milho, arroz, algodão e mandioca de antes para durante a seca. Isso considerando que, na sua maioria, a produção era para consumo próprio. Uma situação que Renato Duarte, o autor da pesquisa, define como um “tipo singular de desemprego massivo”.

Se as causas e conseqüências da seca no semi-árido são bastante claras, o mesmo não é possível dizer das melhores formas para lidar com essa realidade. Desde o século XIX – quando o imperador Dom Pedro II chegou a importar camelos da África para o transporte de água às regiões mais atingidas –, propostas de diversos tipos são anunciadas, discutidas, engavetadas, retomadas e, por fim, engavetadas novamente. O mais recente capítulo dessa novela é a transposição do rio São Francisco, mais ambiciosa obra de infra-estrutura encampada pelo primeiro mandato do governo Lula. Seu objetivo é levar as águas do rio, através de um sistema de canais, para rios intermitentes do semi-árido nordestino.

No entanto, são várias as entidades e especialistas contrários ao projeto. Entre os principais argumentos, afirmam que o regime hídrico do São Francisco, que hoje é fortemente afetado pela poluição e pelo assoreamento, acabaria prejudicado pela perda de água. Além disso, muitos defendem a existência de alternativas mais baratas e eficientes para lidar com a seca, como o investimento em cisternas, por exemplo. Ressaltam ainda que a transposição beneficiaria principalmente grandes projetos econômicos, em detrimento da população carente.

Desertos feitos pelo homem

 
Para Gertjan Beekman, mudanças climáticas
podem agravar ainda mais desertificação no país
(Foto: Arquivo IICA) 
Enquanto são discutidas saídas para a seca, um outro problema, a desertificação de terras, ganha força no semi-árido brasileiro e pode converter-se, em breve, num obstáculo ainda mais severo para a fixação do homem na região. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA), 18% dos solos locais já são afetados pelo problema de forma grave ou muito grave. Além disso, as áreas suscetíveis abrangem nada menos do que 1201 dos cerca de 5,5 mil municípios brasileiros. Em situações extremas, a desertificação pode levar à perda total de fertilidade das terras. Neste estágio, mesmo com chuva à vontade, nada mais brota nesses locais.

“O manejo inadequado de solos, através de práticas agropecuárias e de mineração inadequadas, é um dos principais fatores para o avanço de desertos no Brasil”, afirma Gertjan Beekman, coordenador do Programa de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca na América do Sul, iniciativa capitaneada pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA). “É, portanto, necessário buscar alternativas para uma exploração sustentável das terras, através da agroecologia.”

Beekman explica que o aquecimento global, provocado pela emissão de gases do efeito estufa na atmosfera, pode agravar ainda mais esse quadro. "Com o aumento da temperatura, aumenta o risco associado a fatores que intensificam a aridez nas regiões, como a evapotranspiração – perda de água pela evaporação do solo e transpiração das plantas."

A desertificação é um fenômeno discutido desde década de 1930, quando uma enorme superfície de cinco estados do sudoeste norte-americano foi afetada pelo problema. Tudo começou após a Primeira Guerra Mundial: na ocasião, a introdução de novas técnicas agrícolas e a crescente demanda por alimentos na Europa levaram a um aumento absurdo de produtividade nas terras da região. Em poucos anos, o esgotamento do solo tornou-se uma realidade aguda, que atingiu proporções catastróficas com a chegada de um período de seca severa. A terra seca virou poeira, e foi carregada por fortes ventos em tempestades de areia que soterraram cidades e aldeias inteiras. Somente para o estado da Califórnia, calcula-se terem migrado, em dez anos, entre 300 e 400 mil pessoas vindas dos estados afetados.

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