Acusados de trabalho escravo financiaram 16 políticos

 11/01/2007
Empresas autuadas doaram R$ 550 mil nas últimas eleições. Entre os beneficiários, dois governadores, cinco deputados federais e três senadores

Tarciso Nascimento

Empresas autuadas pelo Ministério do Trabalho por manter trabalhadores em condições análogas à de escravo ou como co-responsáveis por esse tipo de exploração contribuíram com R$ 550 mil para a campanha de 16 políticos nas últimas eleições. Encabeçam a lista dos beneficiados dois governadores, cinco deputados federais e três senadores. Também receberam doações outros cinco candidatos que fracassaram nas urnas.

É considerada condição análoga à escravidão a situação em que o empregador não paga o salário do trabalhador e ainda retém a carteira de trabalho do empregado. Desde 1995, 21.538 pessoas foram resgatadas nessas condições em todo o país. Só no ano passado, 3.266 brasileiros mantidos em trabalho escravo foram libertados, segundo o Ministério do Trabalho.

Campanhas beneficiadas

Receberam recursos das empresas autuadas a campanha do governador de Sergipe, Marcelo Deda (PT), da governadora do Pará, Ana Júlia Carepa (PT), e dos deputados federais reeleitos Eunício de Oliveira (PMDB-CE), Olavo Calheiros (PMDB-AL) e Abelardo Lupion (PFL-PR) e dos novatos Giovanni Queiroz (PDT-PA) e Dagoberto Nogueira Filho (PDT-MS). Também foram financiados o senador reeleito José Sarney (PMDB-AP) e os senadores José Maranhão (PMDB-PB) e Garibaldi Alves (PMDB-RN), que disputaram sem sucesso a eleição para governador. Os dois, no entanto, ainda têm mais quatro anos de mandato.

O levantamento realizado pelo Congresso em Foco cruzou informações do Ministério do Trabalho com as prestações de contas dos candidatos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Juntas, a Siderúrgica do Maranhão (Simasa); a Siderúrgica Gusa Nordeste; a Agropecuária Mirandópolis; a Pinesso Agropecuarista e a Jorge Mutran Exportações e Importações doaram R$ 262 mil aos parlamentares eleitos. Já a Viena Siderúrgica S/A contribuiu com R$ 50 mil para dois candidatos que não se elegeram (veja a relação).

“Lista suja”

Essas seis empresas estão na “lista suja” do trabalho escravo, atualizada a cada semestre pelo Ministério do Trabalho. Mesmo não tendo valor jurídico, a relação pode impedir o acesso dos empregadores a créditos de bancos públicos e de algumas instituições privadas. Além disso, um grupo de mais de 80 empresários se nega a adquirir mercadorias das fazendas relacionadas, de acordo com informações do ministério.

A retirada definitiva dos nomes pode ocorrer se, no prazo de dois anos, os problemas encontrados pela fiscalização forem sanados. Embora não estejam na “lista suja” a Companhia Siderúrgica do Pará (Cosipar) e a Sidenorte Siderúrgica, que também já foram autuadas pelo ministério como co-responsáveis pelo uso de mão-de-obra escrava em carvoarias, também destinaram recursos para as campanhas eleitorais.

O Congresso em Foco procurou as oito empresas citadas, mas nenhuma delas retornou os contatos feitos pela reportagem.

Na lista também estão incluídos nomes de políticos, como o do senador João Ribeiro (PL-TO) – que doou R$ 18,75 mil, no ano passado, para eleger a filha Luana Ribeiro (PL-TO) deputada estadual – e o do deputado estadual eleito Francisco Dantas (PMDB-MA), o Fufuca, que destinou R$ 79,8 mil para a própria campanha (leia mais).

Pará na liderança

O Pará é o estado em que foi encontrado o maior número de trabalhadores em condição análoga de escravo no ano passado. Ao todo, 1.062 pessoas foram libertadas em terras paraenses em 2006, segundo o Ministério do Trabalho.

A campanha da governadora Ana Júlia Carepa foi a que recebeu a maior doação das empresas autuadas pelo governo federal. A Cosipar contribuiu com R$ 112,5 mil para a candidatura da ex-senadora. A petista também recebeu R$ 30 mil da Sidenorte Siderúrgica. Procurada pela reportagem, a assessoria da governadora não retornou o contato.

Em maio de 2005, o grupo especial de fiscalização móvel do Ministério do Trabalho retirou 214 trabalhadores de uma carvoaria de propriedade da JR Carvão Vegetal, fornecedora exclusiva de carvão da Cosipar. Os trabalhadores – entre eles, oito menores de 17 anos e seis mulheres – foram encontrados trabalhando e alojados em condições degradantes. A Cosipar é uma das signatárias de um termo de ajustamento para não adquirir carvão produzido por mão-de-obra escrava.

Já a Sidenorte Siderúrgica foi acusada, junto com a Cosipar, de receber carvão de três carvoarias do município de Goianésia do Pará (PA) interditadas pelos fiscais do ministério. As três carvoarias mantinham 28 trabalhadores em condições degradantes de trabalho. 

Siderúrgica

O senador Garibaldi Alves também recebeu uma das mais polpudas doações dessas empresas. A Simasa doou R$ 60 mil à candidatura derrotada de Garibaldi ao governo do Rio Grande do Norte. A siderúrgica, do grupo Queiroz Galvão, é proprietária de duas fazendas (uma no Pará e outra em Tocantins), onde foram encontradas 57 pessoas trabalhando em condições degradantes. Procurado pela reportagem, o gabinete do senador também não se manifestou sobre o assunto. 

A Siderúrgica Gusa Nordeste, que teve na sua unidade de Açailândia (MA) 18 trabalhadores libertados, doou R$ 50 mil à campanha do senador José Sarney.  A Simasa, que também é signatária da carta-compromisso pelo fim do trabalho escravo na produção de carvão vegetal, investiu R$ 50 mil na candidatura do governador de Sergipe, Marcelo Déda. A reportagem não conseguiu localizar o governador.  

A siderúrgica também contribuiu com R$ 35 mil na candidatura do senador José Maranhão, que tentou, sem sucesso, se eleger governador do estado.

A Simasa também apoiou as candidaturas vitoriosas de Olavo Calheiros, irmão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e a do ex-ministro da Comunicação Eunício de Oliveira, com R$ 25 mil para cada.

O coordenador da campanha de Eunício, César Pinheiro, afirmou ao Congresso em Foco que o parlamentar desconhecia a ligação da empresa com o trabalho escravo. “Não temos ligação nenhuma com essa empresa (Simasa). Eles apenas ofereceram e nós aceitamos. Não tínhamos controle de que ela estava envolvida com trabalho escravo”, afirmou.

PEC abortada

Um dos lídere
s da bancada ruralista na Câmara, o deputado Abelardo Lupion recebeu R$ 2 mil da Jorge Mutran Exportações e Importações. A empresa foi autuada três vezes pelo grupo móvel do Ministério do Trabalho. Nas três operações, foram libertados ao todo 101 trabalhadores da Fazenda e Castanhal Cabeceiras, em Marabá (PA). 

Abelardo Lupion foi um dos principais opositores à votação da proposta de emenda constitucional que determina a expropriação das terras onde for constatada exploração de trabalhadores em condições análogas à de escravidão. A chamada PEC do Trabalho Escravo já foi aprovada na Câmara em primeiro turno, em agosto de 2004. Desde então, no entanto, enfrenta a resistência da bancada ruralista, que tem conseguido adiar indefinidamente a sua votação em segundo turno.

Novato diz que não sabia

Eleitos para o primeiro mandato na Câmara, os pedetistas Giovanni Queiroz e Dagoberto Nogueira Filho também receberam financiamento de empresas autuadas pelo Ministério do Trabalho. A campanha de Queiroz recebeu R$ 10 mil de José Cristino, proprietário da Agropecuária Mirandópolis, flagrada mantendo 33 trabalhadores em condições degradantes. 

Já a Pinesso Agropecuarista doou R$ 5 mil para Dagoberto. Por meio de sua assessoria de imprensa, o deputado disse que, se soubesse da ligação da Pinesso com trabalho escravo, não teria recebido a doação. “Ele não sabia que essa empresa praticava isso. Ele ficou muito chateado”. Advogado e administrador de empresas, Dagoberto foi proporcionalmente o mais votado entre os deputados eleitos pelo PDT em todo o país, com 97.803 votos. Em junho de 2004, foram resgatados 52 trabalhadores mantidos na fazenda Mutum (MT), de propriedade da Pinesso.

Eleição perdida

Mas nem todos os que foram financiados com empresas autuadas por trabalho escravo tiveram a mesma sorte. Os candidatos a deputado federal Francisco Luiz Escórcio (PMDB-MA), Eduardo Bernis (PFL-MG) e Marcos Sant’anna (PPS-MG) também foram contemplados com recursos dessas empresas, mas não conseguiram se eleger. 

O presidente da Associação Comercial de Minas Gerais, Eduardo Bernis, recebeu R$ 25 mil da Viena Siderúrgica do Maranhão S/A, proprietária de três fazendas (uma no Pará e duas no Maranhão) onde foram encontrados 133 trabalhadores em condições análogas à de escravo. A empresa doou a mesma quantia para o ex-vice-prefeito de Belo Horizonte Marcos Sant’anna.

Já Escórcio, que chegou a ocupar uma cadeira no Senado e na Câmara nas duas últimas legislaturas, sempre na condição de suplente, recebeu R$ 50 mil da Siderúrgica Gusa Nordeste S.A. A empresa foi autuada por ter 18 trabalhadores em regime semelhante à escravidão, no estabelecimento de Pequiá, em Açailândia (MA).

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