Especial Unaí VII

“Quero ser julgado logo”, sustenta Antério Mânica

Prefeito de Unaí denunciado pelo assassinato de quatro funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego falou a Repórter Brasil sobre seu processo e afirmou que, até hoje, a força-tarefa que investigou o crime não o indiciou
Texto e foto por Mauricio Monteiro Filho
 31/01/2007
 
 "Sou inocente", insiste prefeito de Unaí

Unaí – Um dia depois dos atos que lembraram os três anos da emboscada aos quatro auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, o prefeito de Unaí, Antério Mânica (PSDB) recebeu a Repórter Brasil em seu gabinete. Tão enfaticamente quanto os manifestantes que caminharam pelas ruas da cidade na véspera, ele insistiu que fosse realizado o julgamento de seu processo. Assim como negou categoricamente qualquer envolvimento nos crimes. Sem demonstrar qualquer preocupação com os outros acusados, entre os quais seu irmão, Norberto Mânica, o prefeito criticou a atuação do Ministério Público e da imprensa.

Reclamou de um suposto sensacionalismo por parte da cobertura da mídia. E afirmou que Unaí é "onde mais se cumpre a legislação trabalhista do Brasil" e que "de cada mil empresas rurais, não tem mais do que uma que tem o padrão" de suas fazendas.

Leia, abaixo, a primeira parte da entrevista:

Repórter Brasil – Hoje, 29 de janeiro, completam três anos e um dia da fatídica morte dos auditores fiscais do trabalho. Como o senhor avalia o impacto da tragédia sobre a cidade de Unaí?
Antério Mânica
– Unaí tem uma história de evolução, principalmente no campo da agricultura e agropecuária. Foi um trabalho de muitos anos que, infelizmente, com a barbárie de três anos atrás, levou Unaí para o Brasil e para o mundo como uma cidade de pistoleiros. Na verdade, foi um prejuízo enorme para a cidade. Mas foi um caso isolado.

Enquanto estava na prisão, foi eleito com mais de 72% dos votos. Como avalia sua relação com o povo de Unaí?
O pessoal me conhece. São 29 anos feitos em Unaí, uma vida inteira. Eu não tenho inimigos, só adversários políticos.

O senhor falou sobre a "expansão agropecuária", o que quer dizer que a vida no campo é bastante ativa, dinâmica. Isso, ao mesmo tempo em que envolve alta tecnologia, envolve trabalhadores – foi até para fiscalizar a situação trabalhista que os quatro fiscais estavam aqui. Como o definiria esse quadro em Unaí, em termos de respeito aos direitos dos trabalhadores? Como eles participam do lucro que o agronegócio traz ao município?
Com certeza, eu acredito que aqui é onde mais se cumpre a legislação trabalhista do Brasil. Foi o segundo município do Brasil a ter condomínio rural. A fiscalização é bastante assídua. Agora, tem exceção? Tem. Mas o número de trabalhadores sem carteira assinada é mínimo, muito abaixo da média nacional, com certeza. Agora, toda vez que vem uma fiscalização, encontra alguma coisa. Mas se você vir as propriedades rurais, principalmente as empresas agrárias, vai ver que é seguida a legislação.

Um dos fiscais, Nelson, tinha feito seguidas fiscalizações em suas fazendas, com um montante grande de multas aplicadas por conta disso. O senhor acha que havia uma fiscalização orientada para persegui-lo?
Não, não foi só na minha. E digo mais: com o número de trabalhadores que tenho, cometi um número muito pequeno de infrações. A imprensa anunciou multas milionárias, que não existem. Até hoje, desde que vim pra cá – faz uns 15 anos que o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) vem nos fiscalizando -, tenho R$ 37 mil em multas. Mas, se for ver todas as propriedades, tranqüilamente estou dentro do contexto. E digo mais: pelas instalações da minha fazenda, padrão e casas dos funcionários, dos alojamentos, tranqüilamente digo que, de cada mil empresas rurais, não tem mais do que uma que tem o padrão que eu tenho.

E quantos trabalhadores o Sr. emprega?
Cerca de 80.

Há outro estigma que pode recair sobre Unaí: o ex-prefeito José Braz da Silva foi cadastrado na chamada "lista suja" do trabalho escravo por uma fazenda em Parauapebas, estado do Pará. O senhor é amigo dele? E como recebeu essa notícia?
Não podemos nos chamar de amigos, pois somos adversários políticos. Eu vi as notícias na época, mas o que se fala é que aquele tipo de trabalho é cultural no Pará. Eu não tenho fazendas lá. Mas alegam que tomar banho no córrego, dormir na rede, esse tipo de coisa é cultural. Mas eu não tenho dados maiores para falar sobre isso.

Como avalia a cobertura especificamente no caso da chacina dos auditores?
Houve muito sensacionalismo. Do que foi dito na imprensa a respeito da minha pessoa, quase tudo faltou com a verdade. A Globo mostrou, por exemplo, um alojamento que seria meu, e que está, na realidade, a 180 km da minha fazenda.

Ontem [dia 28 de janeiro, no programa Fantástico] mesmo, a emissora deu a notícia sobre Unaí falando que a fiscalização dos quatro auditores era direcionada para apuração de denúncias de trabalho escravo, quando na verdade não era…
Não era… Esse é o sensacionalismo que existe. Criaram multas milionárias que não existem. Não sei de onde isso sai, mas acaba sendo divulgado, sem a palavra da outra parte. Por exemplo, foi largamente divulgado que eu fui acusado pela polícia. A força-tarefa da Polícia Federal (PF) e Civil até hoje não me indiciou. Ouviu meu depoimento e achou que não havia indícios, porque realmente não há. Eu não tenho participação. Eu não fui indiciado pela polícia até hoje e eles podem fazer isso a qualquer momento até o dia do julgamento.

Então, com que fundamento o senhor está sendo alvo de processo, até em separado dos outros acusados?
Cinco dias depois de preso, que era o prazo final pra me denunciar, o MP apresentou o documento. Mas quem investigou o crime – a força-tarefa – não me indiciou até hoje.

Então, pretende acioná-los pelo tempo que passou preso indevidamente?
Não, não sei. O que eu mais quero é ser julgado. Outra coisa que vi nessa matéria do Fantástico [sobre o protesto do dia 28] foi o pedido de que eu fosse julgado já. Eles falam isso na praça, mas no meu processo, que está em fase de alegações finais, foi pedido o adiamento. Não querem que me julguem e eu quero ser julgado logo. A acusação, através dos procuradores, pediu o adiamento. Eles pediram pra julgar todos os outros, para depois me julgar. Então, vão à praça pública dizer que querem julgamento já, quando, na prática, o meu processo está fechado desde o dia 10 de outubro. É só marcar a pauta. A acusação, não sei se com conhecimento das viúvas e desse pessoal que participa do movimento [pelo julgam
ento dos acusados], pede o adiamento.

Então, espera que a sentença lhe seja favorável?
A argumentação do juiz para me prender foi que foi visto um Marea escuro, na noite anterior ao crime perto de um posto de gasolina. A minha esposa tem um carro assim. Agora, imagina se eu ia pegar o carro da mulher pra sair correndo atrás de bandido… Não é minha vida, não é meu feitio, não mexo com isso. E também que eu telefonei para a sub-delegacia do trabalho, e telefonei mesmo, da minha casa. Disse assim: Aqui é Antério Mânica, me ligaram com informações de que os auditores do MTE tinham sido atacados. Liguei lá, porque tinha contato com a sub-delegada, por conta da implantação dos condomínios rurais e a gente conversava seguido, por telefone, principalmente. Então, o juiz deduziu que tinha ligado para saber se todos tinham morrido.

(Continua)

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