Reforma estrutural

Greve de servidores do Ibama questiona previsões de gestão mais eficiente

Contrários à divisão do órgão, funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) prometem manter paralisação até que MP 366 seja descartada
Por Maurício Hashizume
 30/05/2007

Números

5.000 reais é o valor da multa diária definida para o não-cumprimento da presença de pelo menos 50% dos funcionários em cada setor do Ibama.

79 é o número de postos que serão excluídos imediatamente do quadro do Ibama, de acordo com decreto publicado junto com a MP 366. O cálculo é da Associação dos Servidores do Ibama (Asibama)

300 servidores, aproximadamente, devem ser desligados do Ibama por ocasião da supressão dessas 79 unidades de atendimento local e regional previstas pela Asibama.
14 de maio foi o dia em que se iniciou a greve geral por tempo indeterminado no Ibama.
11 de junho é o limite estabelecido para a votação da MP 366; a partir desta data, a medida provisória passa a trancar a pauta de votações da Câmara dos Deputados.

Surpreendidos pela decisão do governo de rearranjar a estrutura ambiental federal, os trabalhadores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) decidiram entrar em greve por tempo indeterminado a partir de 14 de maio. Desde então, a Associação de Servidores do Ibama (Asibama) vem promovendo diversas atividades contra a Medida Provisória (MP) 366, editada ainda no final de abril, que determinou a fragmentação do órgão e a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, nova autarquia que assumirá a missão de gerir as Unidades de Conservação (UCs) do Brasil.

"Intensificamos o trabalho de convencimento dos parlamentares para tentar derrubar a MP 366. Estamos apresentando argumentos técnicos que demonstram as dificuldades e problemas operacionais decorrentes da fragmentação do Ibama", conta Lindalva Cavalcanti, da Asibama-DF.

Para tentar conter a suspensão do expediente dos servidores por tempo indeterminado, o governo apresentou um mandado de segurança à Justiça na iminência da greve sob os argumentos de que a paralisação da categoria não tem motivação trabalhista. Na peça, o Executivo reivindicou a garantia de funcionamento de serviços emergenciais que, caso fossem interrompidos, poderiam causar danos ambientais ou a terceiros. O juiz federal José Gutemberg de Barros Filho concedeu liminar determinando o comparecimento mínimo de 50% dos funcionários em cada departamento e estabeleceu uma multa em caso de descumprimento da presença de R$ 5 mil por dia. De sua parte, a Asibama confirma a adesão de servidores de todos os estados e promete manter a greve enquanto a MP 366 não for descartada.

Funcionários do Ibama fazem manifestação em frente ao Congresso Nacional (Foto: Antonio Cruz/ABr)

"Estamos abertos desde o início para negociação com a Asibama. A ministra Marina recebeu os servidores duas vezes e abriu espaço para um processo integrado de definição das mudanças. Mas eles se posicionam contra a criação do Instituto Chico Mendes e dizem que não querem participar", discorre o secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco. "A mudança da estrutura institucional é uma atribuição que cabe ao gestor que, no caso, é o Ministério do Meio Ambiente. A corporação é reativa e nós entendemos isso. Mas temos certeza do acerto da medida", reitera Capobianco, ex-dirigente de organizações não-governamentais (ONGs) como a Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Socioambiental (ISA) que trabalhou como secretário de Biodiversidade e Florestas no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e assumiu o lugar antes ocupado por Cláudio Langone.

O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a comentar a greve do Ibama na coletiva às imprensa concedida no último dia 15 de maio. "Por que o Ibama está em greve? Houve redução do salário do Ibama? Alguém foi mandado embora? Alguém foi trocado de função? Não. Apenas porque a ministra [Marina Silva] deu um sinal de que, depois de tantos anos de existência, era preciso que houvesse uma modernização do Ibama", disse. Para o presidente, "a ministra Marina, depois de quatro anos de experiência no ministério, propôs fazer mudanças, separar o que é licenciamento daquilo que é preservação dos parques, porque não adianta você demarcar parques e depois não colocar ninguém para cuidar disso, não ter dinheiro para transformar aquilo numa área de lazer". "As pessoas deveriam pelo menos permitir que as mudanças fossem introduzidas para saber se alguém vai ter prejuízo ou não", concluiu.

Na prática, porém, a reforma definida pela MP 366 não se resume à mera "separação". Segundo informações publicadas pelo jornal "Correio Braziliense", colhidos de um memorando de circulação interna, uma redução drástica de postos do Ibama já fazia parte dos planos da direção da autarquia. Conforme essa projeção prévia, além da parte significativa de postos que passaria a ser administrada pelo Instituto Chico Mendes, a situação de outras dezenas de bases ainda ficaria pendente e seria objeto de avaliação por parte das representações estaduais.

Estimativa apresentada pelo Asibama aponta que 79 escritórios estão sendo imediatamente excluídos da estrutura do Ibama. Lindalva Cavalcanti explica que o documento apresentado pelo "Correio Braziliense" consiste no conteúdo de resolução aprovada no Conselho Gestor do Ibama como parte do processo de "enxugamento" interno que já estava em curso dentro do órgão. Os servidores afirmam que o próprio diretor que coordenava o grupo de trabalho que tratava deste tema já havia se comprometido a negociar os termos com os funcionários antes de implantar as medidas.

"Mas isso acabou fomentando um dos decretos publicados como desmembramento da MP 366, que não especifica e nem estabelece nenhum critério mais preciso para a supressão das unidades", conta Lindalva. Ela calcula
que, só por causa da exclusão dessas 79 unidades de atendimento local e regional, pelo menos 300 funcionários estejam sendo desligados. "Em muitos lugares, o Ibama é a única representação do poder público. Isso afeta diretamente o trabalho nas bases", completa. A preocupação com a redução da presença do Estado encontra eco principalmente nos congressistas da Região Norte.

O deputado Givaldo Carimbão (PSB-AL) – ex-secretário do Meio Ambiente de Alagoas – já se candidatou para assumir a relatoria da MP 366. Ele ainda não foi confirmado pelo presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). Carimbão deu sinais de que pode optar pela manutenção da estrutura anterior do Ibama e pela constituição de um Instituto Chico Mendes, à parte, para exercer a função específica da gestão das UCs.

Fora do Congresso Nacional, os servidores do Ibama também têm articulado conversas com entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em encontro com o presidente nacional da OAB, Cezar Britto, representantes da Asibama solicitaram uma análise constitucional da MP 366, que tem prazo de votação até 11 de junho, no que diz respeito à relevância e à urgência do conteúdo da peça legislativa. Pediram também que fossem aferidos itens como a observância da duplicação de funções dentro do aparato estatal e o risco de reflexos prejudiciais do ponto-de-vista ambiental.

A mudança estrutural, adicionam críticos, atirou a categoria para uma greve e acabou configurando um quadro de baixa governabilidade. Segundo esse grupo, o padrão de perplexidade entre os funcionários do Ibama é grande e pode fraturar a unidade em torno da ministra Marina Silva que, a despeito dos problemas enfrentados e até de derrotas sofridas durante o primeiro governo, vinha sendo preservada.

Há entidades e ativistas do movimento ambientalista, porém, que enxergam na resistência dos servidores do Ibama uma mobilização eminentemente corporativista, com o objetivo único de "deixar tudo como está" e barrar medidas acertadas com potencial de fortalecer a política ambiental. De acordo com porta-vozes desse segmento, a greve ajuda a fragilizar o MMA e só faz engrossar o coro puxado por poderosos grupos econômicos – aliados a parcela do próprio governo – que querem a falência da atual política ambiental para fazer valer os seus interesses acima das normas estabelecidas pela legislação vigente. Acusações como essas fizeram a Asibama enviar uma carta à Marina Silva em que presta solidariedade à ministra no enfrentamento aos partidários do desmonte das garantias ambientais exigidas pela Constituição e questiona principalmente a forma como a reforma foi encaminhada.

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