Quatro Anos Depois…

Justiça nega recursos de réus da "Chacina de Unaí"

Decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região recusou pedidos de seis réus e determinou que Antério Mânica - acusado de ser o mandante que tem foro privilegiado por ser prefeito - seja julgado depois dos executores
Por Beatriz Camargo e Iberê Thenório
 28/01/2008

Há exatos quatro anos, em 28 de janeiro de 2004, três auditores fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) sofreram uma emboscada enquanto realizavam uma fiscalização de rotina na zona rural de Unaí (MG). Os três auditores, Erastótenes de Almeida Gonçalves, Nelson José da Silva e João Batista Soares Lages, morreram na hora. O motorista do grupo, Aílton Pereira de Oliveira, conseguiu conduzir o carro até a estrada principal e foi socorrido, mas também morreu logo depois. Antes, porém, ajudou a descrever a cena do crime: um automóvel teria parado o carro da equipe e homens fortemente armados desceram e fuzilaram os fiscais.

O quarto aniversário da “Chacina de Unaí” trouxe algumas novidades. Nesta segunda-feira (28), o Diário da Justiça confirmou decisão do último dia 16 de janeiro do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, de Brasília (DF), que negou os recursos de seis dos nove réus pelo crime. Em outra decisão da Coordenadoria da Corte Especial e Seções do mesmo órgão, o desembargador federal Hilton Queiroz suspendeu o julgamento de Antério Mânica – que, por ser prefeito de Unaí, tem foro privilegiado – até o julgamento dos executores do crime. A decisão foi tomada no último dia 25, ainda não foi publicada. e vai de encontro aos anseios de Antério, que entrara com um recurso justamente para ser julgado antes dos demais réus.

Em janeiro de 2007, Antério – que, ao lado do irmão e também fazendeiro Norberto, é apontado como mandante dos quatro assassinatos – concedeu entrevista à Repórter Brasil na qual alega inocência e explica a sua tática de defesa. Além de Antério e Norberto Mânica, que figuram entre os maiores produtores de feijão do país, há outros sete réus: os pistoleiros Erinaldo de Vasconcelos Silva (o Júnior), Rogério Alan Rocha Rios e William Gomes de Miranda; o contratante dos matadores, Francisco Élder Pinheiro (conhecido como “Chico Pinheiro”) e os intermediários Humberto Ribeiro dos Santos, Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro.

Recursos
Entre os oito acusados que tem seu processo em foro comum, apenas Erinaldo, William e Francisco Élder não apresentaram recursos no TRF. Os pedidos dos demais réus eram de anulação de uma decisão que negava um recurso já feito contra a realização do julgamento por júri popular – comum em crimes contra a vida. As defesas entraram com dois recursos contra essa negação, um para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e outro para o Tribunal Federal (STF), e ambos deveriam passar antes pelo TRF. Agora, os réus têm 15 dias para protocolar novos requerimentos diretamente nos tribunais superiores.

Se esse recurso, chamado agravo de instrumento, for negado, o caso voltará para a 9ª Vara Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Aí então os réus poderiam ser julgados. O procurador Carlos Vilhena, da Procuradoria Regional da República no Distrito Federal, que estava acompanhando os recursos no TRF, lembra que, mesmo com decisão favorável à acusação do STJ e STF, os réus poderão entrar com recursos a cada nova decisão do juiz em Belo Horizonte. Para ele, a data do julgamento é imprevisível. “Provavelmente demorará. Esses recursos têm um prazo de maturação. Chegando nos tribunais, os relatores têm que se inteirar da matéria e eles já têm outros recursos para julgar”, explica.

A procuradora Miriam Lima, de BH, lembra que os quatro anos passados até agora já estão sendo contabilizados para a prescrição do crime – que pode deixar de ter validade conforme o tempo consumido entre a data da acusação e a da sentença. “Ainda temos muito tempo, mas há mais briga pela frente, com os recursos que a defesa vai poder fazer se os réus forem condenados. E eles certamente serão condenados”.

Já existe um recurso do caso para ser julgado no STF. No dia 15 de janeiro, o Supremo recebeu da defesa de Francisco Élder um pedido de habeas corpus. Ainda não há previsão para a decisão, pois o STF está funcionando em regime de plantão e retorna às atividades normais em fevereiro. Hoje, os irmãos Mânica e o intermediário José Alberto de Castro aguardam o julgamento em liberdade. Os demais estão presos em Contagem (MG). “Esperamos que esse pedido de habeas corpus não seja aceito, porque eles podem não ser mais encontrados. Um deles já disse que uma vez solto, desapareceria”, teme Miriam. Ela frisa que, apesar dos recursos das defesas, o caso tem prioridade no estado. Garante ainda que quando os processos voltarem a Minas Gerais, os réus serão julgados o mais rápido possível. “Foram mortas quatro pessoas que estavam no exercício de suas funções. Não apenas vidas foram perdidas, mas a própria administração federal foi atingida. É um crime grave, uma afronta ao Estado de Direito.”

Manisfestação
Nesta segunda-feira (28), familiares das vítimas e auditores fiscais do trabalho fizeram em Brasília um ato que reuniu cerca de 150 pessoas em frente ao TRF da 1ª Região. O ato começou e terminou com uma benção de dom Tomás Balduíno, conselheiro permanente da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

A presidente do TRF, Assusete Magalhães, recebeu uma comissão após o ato e comunicou as últimas dos processos. “Nós vínhamos fazer a manifestação na frente do Tribunal justamente porque esses recursos estavam no TRF desde dezembro de 2006. Eles estavam atravancando o andamento”, conta a presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Rosa Maria Jorge. A entidade organizou o evento ao lado da Associação dos Auditores Fiscais do Trabalho de Minas Gerais (AAFIT-MG). A comissão foi composta pelas viúvas dos auditores Nelson e João Batista, representantes da CPT e membros de entidades de auditores fiscais.

Apesar das novidades, Dom Tomás Balduíno ressalta que há um longo caminho pela frente. “A gente não pode ter ilusão. Do outro lado esta o poder econômico, que significa também poder político e a presença de um corpo de advogados dedicados”, considera. “Vale muito a pressão da mídia e da sociedade civil. Afinal, os juízes também são de carne e osso.”

“Nossas preocupações se voltam agora para o STF e o STJ”, avisa Rosa. “Nós já vencemos uma etapa, mas há muitas outras.” O Sinait tem ainda nesta semana audiências com o ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, e com o ministro da Justiça, Tarso Genro. A entidade ainda busca agendar uma audiência com a ministra do STF, Ellen Gracie.

Mandantes soltos
Em 2004, os irmãos Mânica chegaram a ser presos, mas foram soltos logo depois. Em outubro, ainda na prisão, Antério foi eleito prefeito de Unaí pelo PSDB com 72,37% dos votos válidos, adquirindo foro privilegiado.

Norberto foi solto em agosto de 2005, depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu habeas corpus em seu favor. Em julho de 2006, sob acusação de atrapalhar as investigações sobre a chacina, foi preso novamente. Por fim, uma nova liminar concedida em novembro de 2006 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) o colocou novamente em liberdade, justamente no dia 28 – dia das manifestações mensais das entidades de classe exigindo o julgamento dos réus.

Hugo Alves Pimenta, comerciante de cereais e patrão de José Alberto, chegou a ficar solto, mas voltou para cadeia depois que a Polícia Federal descobriu depósitos de dinheiro em contas de namoradas dos pistoleiros feitos por ele. A PF apurou que Hugo estaria prometendo R$ 400 mil a cada matador que mantivesse no seu depoimento a versão de roubo seguido de morte – e não de homicídio planejado.

Alvo Certo
O inquérito da Polícia e do Ministério Público, concluído no segundo semestre de 2004, também apontou à Justiça afirmou que a motivação do crime foi o incômodo provocado pelas insistentes multas impostas pelos auditores. Nelson José da Silva seria o alvo principal. Ele já havia aplicado cerca de R$ 2 milhões em infrações à fazenda dos Mânica por descumprimento de leis trabalhistas. De 1995 a 2004, houve ao menos sete inspeções em propriedades pertencentes à família Mânica, em que foram lavrados 30 autos de infração relativos a irregularidades trabalhistas.

Em outubro de 2007, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve a condenação da família Mânica por danos morais coletivos, no valor de R$ 300 mil reais, encerrando as possibilidades de recorrer da decisão. Os irmãos Norberto, Luiz Antônio e Celso Mânica e o “gato” José Iomar Pereira dos Santos foram acionados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) por manter trabalhadores em condições degradantes em suas fazendas em Unaí (MG). A ação começou em 2004 e não se baseava em uma única fiscalização, mas em sucessivos flagrantes feitos entre 1999 e 2004 nas terras dos Mânica.

Além disso, mais de mil trabalhadores sem carteira assinada foram registrados durante inspeções dos grupos móveis em fazendas da região nesse mesmo período. Unaí, segunda maior cidade de Minas Gerais, convive com o agronegócio e irregularidades trabalhistas.

Leia também:
Especial Chacina de Unaí, elaborado em ocasião dos três anos do crime.

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