Trabalho Escravo

Dono de fazenda que ficou preso no MT aceita pagar indenização

Flagrante de crime de trabalho escravo levou fazendeiro para a prisão em Alta Floresta (MT). Advogados não quiseram fechar acordo, mas o proprietário em pessoa preferiu indenizar os libertados e pagar por dano moral coletivo
Por Beatriz Camargo
 31/03/2008

Depois de ter ficado preso em flagrante pelo crime de trabalho escravo por um dia, o fazendeiro Altair Vezentin fez um acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e pagará R$ 4 mil a cada um dos três trabalhadores libertados. No dia 20 de março, ação do MPT libertou três trabalhadores e Altair, dono da Fazenda São Pedro, foi enquadrado pelo descumprimento do Art. 149 do Código Penal e foi conduzido ao cárcere em Alta Floresta (MT).

O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que prevê o pagamento de R$ 12 mil em danos morais individuais foi firmado na última quinta-feira (27). O acordo prevê a regularização das condições de trabalho e do alojamento na propriedade, bem como o pagamento de R$15 mil em danos morais coletivos – que serão revertidos para projetos e entidades da região que combatem o trabalho escravo e contribuem na formação do trabalhador.

O "susto" decorrente do encarceramento do fazendeiro, avalia o procurador do MPT e coordenador da ação, Rafael Gomes, pode contribuir para alterar o clima de impunidade que prevalece na região. "Essa prisão já repercutiu muito. As pessoas estão comentando. Criou um receio de que isso aconteça com outras pessoas também".

Antes de fechar o TAC diretamente com o fazendeiro na última quinta-feira (27), Rafael Gomes recebeu três advogados representando Altair uma hora antes do horário marcado. A primeira reunião terminou sem acordo e o representante do MPT anunciou que protocolaria uma ação civil pública contra o acusado. Uma hora depois, no entanto, "o próprio fazendeiro veio sozinho querendo resolver e, após uma longa negociação, foi celebrado compromisso de ajustamento", descreve o procurador.

Para a advogada Rosângela Pendloski, que fazia parte do grupo de três advogados, houve falta de ética da parte de Rafael Gomes. Na visão dela, o TAC não poderia ter sido firmado sem a presença dos advogados. Ela avisa que os três estão entrando com uma representação contra o procurador na secção mato-grossense da Organização dos Advogados do Brasil (OAB-MT).

"Os advogados compareceram uma hora antes da hora marcada e fizemos a reunião. O fazendeiro compareceu depois [horário originalmente marcado] dizendo que não sabia que já havia tido reunião e disse que queria fechar acordo. Tenho a ata das duas reuniões", garante Rafael Gomes.

Para o procurador, a constatação de que se trata de um fazendeiro de médio porte (comparado a pecuaristas do município) justifica o baixo valor da indenização por danos morais coletivos – que será pago em cinco vezes. "A casa na fazenda é bem humilde e ele tinha apenas um vaqueiro".

A Repórter Brasil tentou por dois dias entrar em contato com Altair, mas não conseguiu ouvi-lo antes do fechamento desta matéria.

Servidão por dívida
A ação na Fazenda São Pedro foi realizada pelo procurador e dois policiais militares. O denunciante contou que, para fazer a denúncia no posto do MPT em Alta Floresta, saiu da propriedade, a 100 km da cidade, e caminhou cerca de 40 km numa estrada deserta. No caminho, distinguiu pegadas de anta e de onça, até que conseguiu uma carona.

Os outros dois trabalhadores envolvidos também estavam insatisfeitos, mas foram impedidos de sair da fazenda. De acordo com a denúncia, não houve ameaça nem violência física para impedir a fuga da propriedade, mas os três trabalhadores acharam que se forçassem para deixar o local distante poderia ter acontecido "algo pior".

Os três estavam na São Pedro há menos de uma semana. Ouviram a promessa de que o campo a ser carpido estava mais ou menos limpo e acertaram um valor. Quando chegaram, no entanto, o serviço era mais difícil e quiseram renegociar o valor da empreita, sem sucesso. O fazendeiro disse que, se quisessem sair, que fosse à pé. Alegou também que os outros dois deveriam ficar para saldar a dívida contraída: cerca de R$ 400 que havia sido gasto em compras de supermercado.

Para Rafael Gomes, a servidão por dívida e o isolamento – sobretudo a negação do transporte ao trabalhador – caracterizam o trabalho escravo. Além disso, as condições de alojamento oferecidas não eram boas: os libertados dormiam em barraco de madeira e lona no meio do mato, sem instalações sanitárias e sem água tratada para beber.

Altair e os três libertados são de Alta Floresta. Segundo o coordenador da ação, não foram registradas queixas de ameaças sofridas pelos trabalhadores, mas mesmo assim o denunciante declarou que pretende sair da cidade.

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