Polícia investiga rede de trabalho escravo

 03/03/2009

Eles são rapazes de 22 e 24 anos de idade, com vida comum e com sonhos que qualquer um de nós almeja ter: viver dignamente com o salário fruto do trabalho honesto. No entanto, são personagens e vítimas de uma história que poderia sair de enredo de novela ou de filme e estão ajudando as polícias Civil e Federal a desbaratar uma rede nacional de trabalho escravo no Brasil.

Os dois – seus nomes são mantidos em sigilo – receberam, há pouco mais de um mês, proposta de trabalho fácil, salário de R$ 1 mil, casa e comida, de um aliciador. Tudo que tinham que fazer era vender coleções de livro, mesmo em plena era da Informática, onde a maior parte das pesquisas é feita via internet.

A conversa do chamado "gato" era bonita e incluía tudo que ele próprio conseguiu devido à empresa onde atua. Os dois rapazes não questionaram nada e, iludidos, aceitaram com facilidade.

Quando chegaram a Volta Redonda, no Rio de Janeiro, vivenciaram uma realidade completamente diferente da prometida: ficaram sem poder se comunicar livremente com a família, acordavam às 4h30 para estudar a mentir e a utilizar toda a lábia aprendida no trabalho, inventando tudo para sensibilizar as pessoas e conseguir tirar proveito. Depois, se alimentar de pão e café e, das 7 às 20 horas, trabalhar sem reclamar ou falar uns com os outros. Tudo em vigilância 24 horas. Uma van, com seguranças armados, acompanhavam atentamente cada passo do grupo de 30 jovens entre mulheres e homens, na faixa de idade entre 20 e 30 anos, oriundos de Salvador, Teresina, Recife e Belém do Pará.

Pagamento somente quando vendessem e nada de salário fixo. Seria pago R$ 100,00 como comissão por cada venda.

Folga? De jeito nenhum. Nas tardes de sábado, estudo intensivo sobre a arte da mentira e, nos domingo, limpar, arrumar e fazer a comida na casa onde moravam. Em apenas três ocasiões, conseguiram telefonar para a família. Na última, burlando a segurança, um deles telefonou e contou para a mãe que tudo era mentira e como estava vivendo.

As duas famílias procuraram, na última sexta-feira, a 8ª Delegacia de Polícia, no José Walter, onde moram. Depois de registrar Boletins de Ocorrência (B.O.), elas foram encaminhadas ao Escritório de Enfrentamento e Prevenção ao Tráfico de Seres Humanos (TSH) e contaram o caso. Após uma ação conjunta entre a titular da 8ª DP, Ana Lúcia Moreira de Almeida, e da coordenadora do Escritório – que conseguiram falar com o "chefão" da empresa – eles foram praticamente "resgatados" de Brasília, chegando em Fortaleza na última segunda-feira. No início da tarde de ontem prestaram depoimento na 8ª DP.

A coordenadora do TSH, Eline Marques, também esteve presente. Segundo ela, esta é a primeira denúncia de trabalho escravo no Estado em quatro anos do TSH. "Tanto os rapazes quanto as famílias receberão apoio psicológico e social". Ela não descarta acionar o Programa de Proteção à Vítima e Testemunha do Estado do Ceará (Provita), ligado à Secretaria da Justiça. "Eles estão sendo ameaçados em telefonemas de Brasília vindos de pessoas com nomes estranhos como marreta ou martelo".

A delegada Ana Lúcia confirmou que a investigação está sob sigilo de Justiça e pedirá apoio da Polícia Federal. "Até porque se trata de articulação de quadrilha no País todo. A princípio pensei que se tratasse de uma rede com atuação somente no Ceará", conta ela.

A delegada também orienta as famílias que possam estar passando pelo mesmo problema que procurem o TSH ou a delegacia mais próxima.

LÊDA GONÇALVES
Repórter

 

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