Artigo

Sweating system, trabalho escravo contemporâneo no setor têxtil

Sistema em que locais de trabalho confundem-se com residências envolve condições extremas de opressão e salários miseráveis
Por Renato Bignami*
 19/12/2011
Oficina de costura CSV flagrada com trabalho escravo, produziu para Marisa e C&A. Leia mais clicando aqui (Foto: Maurício Hashizume)

Costuma acontecer com freqüência. Quando menos se espera, a situação se repete. Ou talvez nunca tenha desaparecido de vez.

A precariedade no ambiente de trabalho é, talvez, a pior inimiga do progresso humano e da utopia que move o Direito do Trabalho: a noção de que a regulação trabalhista existe para sempre melhorar e proteger a força de trabalho do homem. A utopia se faz mais evidente quando recordamos que o Direito do Trabalho existe há cerca de dois séculos e ainda se encontram rincões de reserva nos quais as leis trabalhistas não se aplicam, ou estão travestidas por uma regulação de natureza civil que nunca deixou de coexistir e de ser aplicada ao lado da trabalhista, muitas vezes de forma fraudulenta.

O setor têxtil, de vestuário e calçados, que atende nos estudos da OIT pela sigla TVC, é um desses rincões que ano após ano se reinventam para continuar mantendo situações primitivas de exploração. O resultado dessa grave violação aos direitos humanos é o retorno de diversos males à nossa sociedade, como a diminuição da expectativa de vida dos trabalhadores, a volta da tuberculose aos ambientes de trabalho, a servidão por dívida, o tráfico de pessoas, a remercantilização do trabalho e outras situações derivadas desse modo de produção tão típico e velho conhecido da economia ocidental. Falamos, particularmente, do sweating system, sistema no qual os locais de trabalho confundem-se com as residências, nos quais os obreiros trabalham sob condições extremas de opressão, por salários miseráveis, jornadas demasiadamente extensas e exaustivas, e precárias ou inexistentes condições de segurança e saúde.

 Renato Bignami em ação em oficina irregular. Leia mais aqui (Foto: SRTE/SP)

Desde a Revolução Industrial, que modificou substancialmente os métodos de produção, introduzindo a economia de escala e produzindo modificações importantes no estudo da política, da economia e do direito, até os dias atuais, o homem se viu no centro de um ciclone de mudanças que se traduzem em um desafio diário: a superação de si mesmo como objeto e sujeito da sociedade de consumo. Diversos motivos causaram o surgimento de novos métodos e processos de trabalho, inicialmente na Inglaterra, ainda no curso do século XVIII. Esses métodos e processos foram, ao longo dos séculos seguintes, espalhando-se para países como França, Alemanha, Estados Unidos e outras nações centrais. Com a passagem do modo artesanal de produção têxtil para o industrial, dois tipos de sistemas se formaram no ambiente de trabalho: o factory system e o sweating system.

Naturalmente, portanto, a literatura inglesa é a mais abundante a respeito tanto do sistema industrial que surgia, quanto do sweating system, advindo da subcontratação que persistia e se aperfeiçoava. Mesmo nos dias atuais, o direito nacional carece de estudos específicos a respeito do sweating system, razão pela qual se optou por priorizar a literatura em língua inglesa, tanto britânica quanto norte-americana.

A Administração Pública do Trabalho tem um importante papel a desempenhar: organizar os agentes sociais e impulsionar um processo de busca pela melhoria nos ambientes de trabalho. A Inspeção do Trabalho, pelo seu caráter preventivo e sua vocação realística, de contato permanente com a realidade do ambiente de trabalho, lado a lado com o obreiro e o empresário, tem o privilégio de poder estar ao centro das soluções que a sociedade possa aportar. Como em um ciclo virtuoso, assim como as situações de precariedade se repetem, a Inspeção do Trabalho volta-se para seu papel germinal: a proteção do homem moderno dos males da própria modernidade.

*O auditor fiscal do Trabalho Renato Bignami foi coordenador e um dos principais articuladores do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo Urbano em São Paulo. Ele é assessor da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT). O texto acima é parte de um artigo acadêmico aprofundado publicado na reedição da obra "Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação", da LTr, da ANAMATRA. Clique aqui para ler o estudo na íntegra.

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM