Extrativismo

Criada frente parlamentar em defesa de extrativistas ameaçados

Resex em Trairão, no Pará, teve 16 assassinatos relacionados a conflitos com madeireiros ilegais, afirma Junior Guerra, jurado de morte após denunciar crimes no assentamento Areia
Por Verena Glass
 24/05/2012

Nesta quarta-feira, 23, dia que antecede o aniversário do assassinato dos líderes extrativistas José Cláudio e Maria do Espírito Santo – mortos em 24 de junho de 2011 a mando de madeireiros ilegais que atuam no assentamento agroextrativista Praialta Piranheira em Nova Ipixuna, no Pará -, 170 deputados e senadores lançaram a Frente Parlamentar Mista de Defesa das Populações Extrativistas em Brasília.

De acordo com o deputado federal Cláudio Puty (PT/PA), um dos idealizadores da Frente, o objetivo geral dos parlamentares é incidir sobre políticas públicas específicas para o setores populações extrativistas, que se diferenciam de agricultores e trabalhadores rurais exatamente por viver do manejo e da coleta de recursos florestais, fluviais e marítimos. “A idéia é trabalhar na adequação do Estado às necessidades destas populações, em áreas como educação, saúde, geração de renda, incentivo à produção, etc. Por exemplo, havia uma portaria que proibia escolas na beira de rios para garantir a proteção das crianças. Ora, as populações ribeirinhas moram todas nas margens dos rios, como proibir escolas nesta situação? O Estado brasileiro tem que entender que estas populações precisam de legislações adequadas às suas realidades”, explica Puty.

Alem das políticas públicas básicas, no entanto, a Frente deve enfrentar um dos problemas mais graves que atingem atualmente a região amazônica: a insegurança fundiária e a atuação ilegal de empresas madeireiras que agem criminosamente em várias reservas extrativistas, envolvendo assassinatos e ameaças à lideranças em diversos estados.

Desmatamento
Um dos personagens de um conflito que vitimou, em 2011, o extrativista João Chupel, do assentamento Areia, no município de Trairão, na Terra do Meio, Pará, o assentado Junior José Guerra teve de deixar sua casa em função de repetidas ameaças de morte desde que ele e Chupel denunciaram a ação de madeireiros ilegais na região. Sem proteção e escondido há seis meses fora do Pará com apoio da ONG internacional Frontline, Guerra participou nesta quarta do lançamento da Frente, e diz esperar que a atuação parlamentar aumente a pressão sobre o governo para que a situação que está gerando insegurança na região seja resolvida.

 

Mapa aéreo de Trairão, na Terra do Meio, no Pará, revela avanço do desmatamento na região Veja mapa maior no Google Maps

“Quando o governo criou o mosaico de unidades de conservação na Terra do Meio, já havia atividade madeireira no local. Mas os grileiros que estão nas novas reservas não foram retirados, e a atividade dos madeireiros ilegais não foi coibida. Nos últimos dois anos, contabilizo 16 assassinatos ligados a conflitos envolvendo o setor. O crime organizado neutralizou o Estado. O João [Chupel] foi morto por uma quadrilha que já assassinou outras pessoas. Fizemos denuncias à Policia Civil, ao Instituto Chico Mendes, à Policia Federal e ao Ministério Publico Federal. Não aconteceu nada. Há uma liminar da Justiça para que a situação seja resolvida, e nada”, afirma Guerra.

Após reunião com a Secretaria Especial de Direitos humanos essa semana, Guerra, sua esposa e dois filhos foram incluídos provisoriamente no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. “Por um mês, receberem o auxilio de R$ 1.200, e teremos direito à proteção da Policia Militar se voltarmos para nossa casa. Mas isso será por apenas 30 dias”, explica.

Para Atanagildo Matos, coordenador do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) no Pará, a demanda do setor é que a solução dos problemas que levam a ameaças e conflitos seja priorizada pelo governo. “O Estado Brasileiro é mais fraco que os pistoleiros. Claro que a proteção aos ameaçados é essencial, mas o correto não é cercar liderança com guarda-costas, mas sim prender os infratores”, cobra Matos

De acordo com o deputado federal Afonso Florence (PT/BA), eleito presidente da Frente, “apesar de o grupo se limitar, em tese, à ação parlamentar stricto sensu, tentará fazer uma gestão frente aos órgãos competentes para garantir a segurança de ameaçados e punir os criminosos. Vamos investir em uma agenda legislativa para aperfeiçoar as ações referentes ao setor dos extrativistas. Por exemplo, na regularização fundiária, existem muitos trâmites que retrasam o andamento. Um dos objetivos da Frente é rever a legislação referente a estes processos para conseguir mais celeridade, e mediar soluções para impasses”.

Ações emergenciais

De imediato e diante da situação delicada de Junior Guerra, a Frente deverá organizar uma missão para Trairão para verificar a situação de conflitos na região. De acordo com Guerra, outra comissão, chefiada pela Secretaria Geral da Presidência, também deverá ir ao Pará no início de junho para analisar o andamento do processo de investigação. “A Policia Civil já terminou o inquérito, mas agora é preciso que o ministério Publico Estadual ofereça a denúncia contra os madeireiros que atuam no Trairão, responsáveis pelas ameaças de morte e pelo assassinato de João Chupel”, explica.

De acordo com o Instituto Chico Mendes, há 68 reservas extrativistas (marinhas e florestais) no Brasil, das quais 33 estão na Amazônia. O Incra lista 21 Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS) na região.

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E veja abaixo depoimento em vídeo de Laísa Santos Sampaio, professora de 45 anos irmã de  Maria do Espírito Santo da Silva e cunhada de José Claudio Ribeiro da Silva, casal de extrativistas que foi morto há um ano em meio à disputas por terras na região (leia mais sobre o assunto neste link).

 

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