Em um mês, 167 trabalhadores foram libertados de condições análogas às de escravos em três obras no interior de São Paulo, sendo duas delas construções de casas populares por parte do Governo Federal e do Governo Estadual. Além das libertações, os fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego e os procuradores do Ministério Público do Trabalho registraram duas mortes recentes nas obras fiscalizadas.
Uma delas é a de um trabalhador de 39 anos, que morreu após cumprir 15 horas de jornada e caminhar duas horas para receber parte do salário. A Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) abriu investigação por averiguar se o episódio pode ser considerado acidente de trabalho. A outra morte foi a de um operário eletrocutado.
Os resgates aconteceram entre 13 de abril e 9 de maio. A maior parte dos libertados veio do Maranhão e Piauí. De acordo com as equipes de fiscalização, os resgatados estavam submetidos a condições degradantes de trabalho, tendo sido obrigados a conviver com ratos, em moradias precárias, superlotadas e improvisadas. Alguns não recebiam salários, apenas vales – ficando impossibilitados de retornar para casa e, portanto, tendo a liberdade restringida.
Obras fiscalizadas | libertações | mortes |
Construção de 557 casas do programa Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal, executada em Fernandópolis (SP) pela empreiteira Geccom |
90 | 1 |
Fabricação de pré-moldados para construção civil da empresa Rockenbach em Campinas (SP) | 27 | 1 |
Construção de casas pela CDHU do Governo Estadual em Bofete (SP), a cargo da a construtora Croma |
50 | – |
Minha Casa, Minha Vida
O maior resgate aconteceu na construção de 557 casas em Fernandópolis (SP), obra do programa Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal, financiada pela Caixa Econômica Federal. No local, 90 migrantes maranhenses e piauienses estavam sem receber salários e tendo liberdade de ir e vir cerceada. Foi nesta obra que o trabalhador faleceu após caminhar por cerca de duas horas. A obra está sendo executada pela empreiteira Geccom Construtora Ltda.. Segundo Chindy Teraoka, advogado da empresa, o trabalhador "não quis aguardar o transporte oferecido pela empresa". Ele diz que a família recebeu apoio e que a empresa pagou pelo translado do corpo. Sobre as libertações, Chindy alega que a construtora não sabia da situação porque os empregados eram contratados de empreiteiras que prestavam serviço para a Geccom.
Sem receber salários regularmente, apenas vales com pequenos valores, os trabalhadores não tinham com deixar o local de trabalho. O grupo cumpria jornadas de até 15 horas e vivia em um alojamento superlotado. Alguns dormiam no chão. A fiscalização foi iniciada em 4 de maio e finalizada dia 9, quando eles receberam as verbas rescisórias e retornaram às suas cidades. A obra do conjunto habitacional foi embargada. O advogado da construtora nega que a jornada de trabalho adotada fosse acima do permitido pela legislação e disse que irá apresentar defesa assim que o processo administrativo do Ministério do Trabalho e Emprego for concluído.
Por conta do flagrante, a secretária nacional de Habitação, Inês Magalhães e o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Fontes Heredas, podem ser convocados para dar explicações sobre os casos na Comissão Estadual de Direitos Humanos de São Paulo. O deputado Carlos Bezerra Jr. (PSDB) protocolou na última quinta-feira (10) pedido de convocação que deve ser votado no próximo dia 22.
O Ministério das Cidades enviou nota dizendo que "o Ministério das Cidades entrou em contato com a Caixa Econômica Federal e serão tomadas as medidas legais cabíveis para correção das irregularidades na contratação da mão-de-obra", e que "a fiscalização das verbas é feita pela Caixa".
Já a Caixa Econômica Federal disse, também em nota, que "não foi notificada pelo Ministério do Trabalho e Ministério Público do Trabalho. Conforme informações da construtora, à Caixa, foram adotadas as providências exigidas pelo Ministério Público do Trabalho para liberação da retomada da obra, mediante assinatura de compromissos da empresa junto aos funcionários".
Morte e prisão
Outra morte que está sendo investigada é a de um empregado de 33 anos da empresa de pré-moldados para construção civil Rockenbach. O trabalhador morreu eletrocutado em abril, o que levou a Gerência Regional do Trabalho e Emprego (GRTE) de Campinas a interditar a obra. Contudo, o proprietário da empresa, Neri Rockenbach, desrespeitou a interdição e foi preso pela Polícia Federal (PF). A prisão ocorreu em 12 de abril. O empresário foi indiciado pela PF e responderá aos crimes de exercício de atividade com infração de decisão administrativa e de periclitação, que é colocar alguém em situação de risco. Se condenado, pode pegar pena máxima somada de 3 anos de detenção pelos dois crimes. Ele foi liberado mediante o pagamento de fiança e responde ao processo em liberdade.
Alojamento foi improvisado no mesmo espaço onde as vítimas trabalhavam (Fotos PRT-15) |
Esta não foi a primeira prisão feita pela PF em Campinas por conta de descumprimento de interdição da GRTE, um engenheiro espanhol da Acciona também foi preso pelo mesmo motivo em fevereiro. Além do descumprimento da interdição, os auditores fiscais da GRTE de Campinas e procuradores do Trabalho da PRT-15 flagraram condições de trabalho análogas às de escravos e libertaram 27 trabalhadores.
O engenheiro disse que o alojamento respeitava as exigências da legislação trabalhista. "Fizemos tudo adequado, os exames admissionais, assinamos Carteira de Trabalho, nós melhoramos a condição dos empregados enquanto cidadãos", afirmou Neri, por telefone. De acordo com o Ministério Público do Trabalho, a empresa já foi fiscalizada mais de quinze vezes e apesar de ter sido autuado pelo Ministério do Trabalho e Emprego pelas irregularidades, o empregador não adotou providências para se adequar às Normas de
Segurança e Saúde do Trabalhador.
Rato encontrado pela fiscalização no alojamento |
Assim como o advogado da Geccom, o empresário, no entanto, também procura responsabilizar o trabalhador pela sua morte. Ele alega que o empregado havia "consumido muita bebida alcoólica" e que estava trabalhando às 4 horas da manhã, "um horário que isso não era permitido". A morte ainda está sendo investigada pela Polícia Civil.
Dos 27 libertados, 17 migrantes do estado do Maranhão estavam alojados no mesmo galpão em que trabalhavam. No local, a fiação elétrica estava exposta, havendo risco de incêndios e choques. De novo, o empresário se defende dizendo que a responsabilidade pelos problemas detectados pela fiscalização é dos trabalhadores, que "puxavam extensões para ligar aparelhos eletrônicos".
Além de estarem expostos a riscos, os trabalhadores sofriam com enchentes no local por conta da parede lateral ser vazada. A presença de ratos nas moradias também era recorrente, segundo os fiscais. Os trabalhadores resgatados receberam as verbas rescisórias e retornaram ao local de origem.
CDHU
Outra libertação na construção civil ocorreu em Bofete, também interior de São Paulo. Desta vez, em uma obra da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) do governo do Estado de São Paulo. Cinqüenta trabalhadores foram resgatados de condições análogas às de escravos por auditores fiscais do Trabalho e procuradores do Trabalho.
Este não foi o primeiro caso de trabalho escravo em obras da CDHU, três maranhenses já foram libertados de condições análogas às de escravo em agosto do ano passado. As vítimas trabalhavam para a construtora Croma e foram aliciadas por intermediários no Ceará, Piauí e Maranhão. Eles viajaram em ônibus clandestinos e foram iludidos com promessas falsas de bons salários. A situação foi investigada após denúncia do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Bauru.
De acordo com o Ministério Público do Trabalho, os trabalhadores estavam há dois meses sem receber salários e impedidos de retornar ao Nordeste. A fiscalização constatou jornada exaustiva; os empregados não tinham intervalos regulares para refeições e nem folga semanal remunerada. O advogado da construtora, Eduardo Lizarelli, diz que os empregados estavam há poucos dias no local e que foram contratos por um empreiteiro, cujo contrato de prestação de serviço já foi rescindido.
Os migrantes estavam alojados em casas alugadas na periferia de Bofete. As moradias estavam em péssimo estado de conservação e superlotadas. Além disso, não havia camas suficientes para os trabalhadores dormirem. "A Croma sempre se preocupou com questões sociais e esse foi um problema pontual que já foi solucionado", afirma Eduardo.
Representantes da construtora Croma concordaram em assinar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e quitaram os débitos trabalhistas com as vítimas resgatadas, que retornaram ao local de origem. De acordo com o advogado, a construtora sempre exige que os empreiteiros comprovem pagamento de salários, entre outras exigências, e que continuará com tal medida. "Não contratamos empreiteiros sem idoneidade", ressalta Eduardo.
Histórico
Além do flagrante em Bofete (SP), a mesma construtora teve um alojamento com 280 trabalhadores interditado pela Vigilância Sanitária de Ribeirão Preto por conta de irregularidades. A interdição ocorreu dia 9. Os empregados trabalhavam na construção do condomínio residencial Vitta Vila Virgínia, em Ribeirão Preto. O Ministério Público do Trabalho conduziu a operação e investiga as condições de segurança e saúde do trabalho no empreendimento. Os trabalhadores foram alocados pela empresa em hotéis na cidade de Ribeirão Preto e em municípios vizinhos, como Sertãozinho, até que haja a regularização do alojamento.
A assessoria de imprensa da CDHU enviou nota dizendo que "não compactua com qualquer tipo de conduta irregular e determina às construtoras contratadas que sigam rigorosamente a legislação trabalhista". Para se certificar que as obras seguem as normas, a CDHU mantém uma gerenciadora e uma fiscalizadora nos canteiros, de acordo com a nota enviada à Repórter Brasil.
A assessoria de imprensa do órgão afirmou ainda que "na obra em questão, todos os trabalhadores possuem registro em carteira, o que descaracteriza a existência de trabalho escravo". Na realidade, de acordo com a legislação, a Carteira de Trabalho assinada não é, por si só, garantia de que o trabalhador não será submetido à condições de trabalho análogas às de escravos. Em fiscalizações recentes, foram resgatadas pessoas com o devido registro, só que a liberdade de ir e vir cerceada e vivendo em condições degradantes, inclusive em outra obra da própria CDHU, em agosto do ano passado. Na ocasião, a assessoria enviou nota à Repórter Brasil dizendo que não foram constatadas irregularidades, quando na realidade o MTE flagrou trabalho escravo.
*Com informações da assessoria de comunicação da Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
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