Trabalho escravo

Fiscais flagram escravidão em uma das principais obras rodoviárias do PAC

Quatro trabalhadores foram resgatados de condições análogas às de escravos. Além da libertação, fiscalização também constatou outras irregularidades graves na duplicação da rodovia BR-060
Por Bianca Pyl
 31/05/2012

Quatro trabalhadores foram libertados de condições análogas às de escravos nas obras da duplicação da rodovia federal BR-060, que liga Goiânia a Jataí, no sudoeste de Goiás. A obra faz parte de um pacote de investimentos de R$ 1,4 bilhão de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo Federal, destinados a ampliar a capacidade da rodovia. A duplicação é considerada estratégica para o escoamento de grãos e etanol produzidos no Centro-Oeste.

Os empregados trabalhavam para a CCB Construtora Central do Brasil, que faz parte do Consórcio Cerrado, formado também pelas empresas Construmil Construtora e Terraplanagem Ltda. e Cetenco Engenharia S.A. O consórcio é responsável pela duplicação do trecho que vai do km 228,3 ao km 277,8 da rodovia. O Ministério do Trabalho e Emprego lavrou 15 autos de infração contra a construtora. Em nota à Repórter Brasil, representantes do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), do Ministério dos Transportes, afirmaram que providências estão sendo tomadas para sanar o problema. A CCB Construtora, por sua vez, não se posicionou. 

A operação realizada em maio pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Goiás (SRTE/GO), pelo Ministério Público do Trabalho e pela Polícia Rodoviária Federal, foi motivada por denúncias. Os trabalhadores estavam sem receber salários, alojados em uma barraca de acampamento, armada às margens do rio Capivari. O acesso ao alojamento era difícil "praticamente mata fechada", segundo Juliano Baiocchi Souza, auditor fiscal da SRTE/GO que participou da ação. "Não havia comunicação. Era um local que só chegava quem já conhecia bem a área", complementou. Durante o dia, o grupo replantava a grama no canteiro da rodovia.

Barraca de acampar era utilizada como alojamento de quatro trabalhadores (Fotos SRTE/GO)

Não havia camas para o grupo. Após uma jornada de onze horas diária, os trabalhadores libertados ficavam instalados em barracas apertadas. "Mal dava para esticar as pernas ou ficar em pé dentro da barraca", descreve Juliano. As ferramentas de trabalho e alimentos eram armazenadas no mesmo local. O café da manhã, almoço e jantar eram preparados pelos próprios empregados, que comiam sentados no chão.

"Não havia também instalações sanitárias no alojamento e nem nas frentes de trabalho", disse o auditor fiscal. Os trabalhadores utilizavam o mato como benheiro, correndo riscos de serem picados por animais peçonhentos. Ainda segundo a fiscalização, a água consumida pelos empregados era retirada no rio Capivari e a construtora não forneceu equipamentos de proteção individual aos trabalhadores.

Espaço apertado dentro da barraca mal dava para os trabalhadores esticarem as pernas

Após a fiscalização, os trabalhadores receberam as verbas rescisórias, no total de quase R$ 18 mil, e retornaram as cidades de origem. Por conta das irregularidades, a obra chegou a ser embargada e a construtora obrigada a apresentar soluções para os problemas constatados pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

Conjunto de problemas
A fiscalização também verificou problemas graves relacionados às condições de trabalho em outros trechos da duplicação da Rodovia BR-060. Todas as obras de quatro consórcios fiscalizados, responsáveis pelos trechos de Goiânia até Acreúna, chegaram a ser embargadas pela equipe de fiscais devido às irregularidades, que, segundo o Ministério do Trabalho, colocavam em risco à segurança dos trabalhadores.

Em nota à Repórter Brasil, o Ministério dos Transportes informou, por meio do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), que, por conta da fiscalização, "abriu processo administrativo para apurar responsabilidades e vai aumentar a fiscalização nas obras". Os representantes da pasta informam ainda que desde então "vem promovendo reuniões nos canteiros de obras, exigindo que os consórcios se adaptem aos apontamentos da Delegacia Regional do Trabalho". Em setembro do ano passado, o ministro de Transportes Paulo Sérgio Passos e o superintendente regional do DNIT, Alfredo Neto, participaram de uma vistoria para verificar o andamento da duplicação.

Obras de duplicação receberam R$ 1,4 bilhão de recursos do PAC

Além da terceirização de atividades fim, a fiscalização constatou também atrasos de até 60 dias no pagamento de salários. "As condições de trabalho em todos os consórcios fiscalizados são precárias e muito preocupantes", avaliou Juliano, coordenador da fiscalização. Assim como no trecho em que houve a libertação, as demais construtoras envolvidas não disponibilizam instalações sanitárias aos empregados, que utilizavam o mato como banheiro. Também não havia fornecimento de água potável ao longo da jornada de trabalho, que, em alguns casos, chegava a durar cerca de 15 horas, acima do permitido pela legislação. Os trabalhadores não tinham um dia de folga semanal e o horário de almoço não passava de 20 minutos.

Durante os trabalhos, empregados foram alojados em casas alugadas em diversas cidades ao longo do trecho da duplicação. O transporte para as frentes de trabalho era feito em ônibus com pneus carecas, sem cinto de segurança, assentos soltos e motoristas sem autorização para transportar passageiros.

Confira abaixo a relação dos consórcios em que problemas foram constatados. De acordo com o DNIT, todas as irregularidades foram corrigidas e as obras embargadas foram liberadas. 

Consórcio EMSA /Egesa/Cros/ Vilasa Empresa Sul Americana de Montagens S.A., Egesa Engenharia S.A., Construtora Rocha Sousa Ltda. e Vilasa Construtora Ltda responsável por 17 km da rodovia – km 162,9 ao km 179,9
Consórcio Egesa/EMSA Empresa Sul Americana de Montagens S.A. e Egesa Engenharia S.A. responsável por 49,20 km da rodovia – km 179,10 ao km 228,30
Consórcio Cerrado e Outros CCB Construtora Central do Brasil, Construmil Construtora e Terraplanagem Ltda. e Cetenc
o Engenharia S.A
responsável por 49,50 km da rodovia – km 228,3 ao 277,8
Consórcio Anhanguera Delta Construções S.A , JM Terraplanagem e Construções Ltda e CBEMI Construtora Brasileira e Mineradora Ltda. responsável por 49,50 km da rodovia – km 277,8 ao km 327,3

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