Ganhar corações e mentes na comunidade científica parece tornar mais fácil o objetivo estratégico de expansão global traçado pelas grandes empresas do setor de transgenia. A estadunidense Monsanto, por exemplo, que afirma investir 2 milhões de dólares por dia em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, destina boa parte dessa verba a parcerias firmadas com universidades e outras instituições científicas públicas ou privadas e a estudos coordenados por cientistas e pesquisadores em diversos países. Outra gigante do setor agrícola, a alemã Bayer anunciou ter realizado em 2010 investimentos de 722 milhões de euros em pesquisas sobre sementes, parte deste montante também direcionado ao apoio a estudos e outras formas de parceria com a comunidade científica e seus representantes.
No Brasil, esse modus operandi vem tendo nos últimos anos reflexos claros sobre a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão criado com a aprovação da primeira Lei de Biossegurança em 1995 e que passou a exercer plenamente suas prerrogativas dez anos depois, com a aprovação da nova lei. Desde então, a CTNBio é responsável por aprovar todos os pedidos de pesquisa, produção e comercialização de qualquer tipo de organismo geneticamente modificado no país e também é alvo da oposição do movimento socioambientalista por causa da facilidade com que os pedidos de liberação feitos pelas seis empresas conhecidas como Gene Giants (Gigantes da Genética) são acatados pela maioria dos seus integrantes.
Essa facilidade, segundo os ambientalistas, pode ser explicada pelo fato de que vários de seus membros são direta ou indiretamente ligados às empresas. “Parte da CTNBio é composta por membros que são ligados a empresas de biotecnologia”, diz Paulo Brack, professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e ex-integrante da Comissão: “A indicação para a CTNBio é feita por setores do governo que estão alinhados com essas empresas e lá dentro, lamentavelmente, não existe espaço para o debate científico. Muitos daqueles técnicos que estão lá não são cientistas e têm uma visão reducionista, linear e cartesiana que acha que, se há um problema com a praga tal, você aplica o transgênico xis e está tudo resolvido. Mas a questão ecológica não é tão simples”, diz.
[Na CNTBio] não há debate, os pró-transgênicos nem escutam ou leem as avaliações críticas
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Dirigente da organização Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Jean Marc von der Weid diz que a CTNBio tem atuação claramente pró-transgênicos: “A maioria de seus cientistas simplesmente se recusa a analisar qualquer dossiê critico à liberação dos transgênicos, por mais sólido que seja. Não há debate, os pró-transgênicos nem escutam ou leem as avaliações críticas. Limitam-se a votar a favor das liberações. Esse comportamento irresponsável está devidamente registrado nos anais da CTNBio e servirá um dia para processar esses cientistas”, aposta.
“Não há na CTNBio nenhuma avaliação dos conflitos de interesses, e o governo não se preocupa com isso. Se quiséssemos uma avaliação isenta, os cientistas membros não poderiam participar de pesquisas de desenvolvimento de transgênicos, pois são parte interessada nas liberações. O princípio adotado é não criar problemas com as liberações de hoje para que amanhã não se criem problemas para a liberação dos projetos que os cientistas estão desenvolvendo”, continua Jean Marc.
Advogado da organização Terra de Direitos, Darci Frigo aponta outro problema: “A CTNBio aceita as pesquisas apresentadas pelas empresas, e estas hoje já estão sendo questionadas porque são sempre pesquisas de curto prazo e as condições de monitoramento impostas são absolutamente insuficientes e não vão garantir que não haja a contaminação genética”, diz.
A CTNBio, segundo o ambientalista, tem responsabilidade pela contaminação das lavouras convencionais: “Especialmente aquele núcleo da CTNBio que aprova todos os produtos que aparecem por lá apresentados pelas empresas. Nunca os questionam, nem sequer pedem mais pesquisas. Isso é muito grave, porque uma coisa é você dizer que acredita naquela tecnologia, mas ainda assim querer ter mais segurança sobre ela. Isso seria natural. Mas eles jamais pedem novas pesquisas”, diz Frigo.
Perfil
A solução seria a mudança do perfil da Comissão: “Os membros da CTNBio estão lá, segundo a lei, para avaliar os riscos e, portanto, deveriam ser especialistas na avaliação de riscos e não especialistas no desenvolvimento de transgênicos. Se você perguntar a qualquer um deles se acha que os transgênicos podem ter qualquer risco, ele dirá que não e que não deveria haver qualquer restrição ou avaliação, por serem inúteis e desnecessárias. Vários deles já se manifestaram nesse sentido e deveriam ter sido afastados da CTNBio, pois o papel de quem está lá é avaliar riscos e não negá-los a priori”, diz Jean Marc Von der Weid.
Paulo Brack também defende a mudança do perfil dos integrantes da CTNBio: “Não estou generalizando, mas alguns dos membros que estão lá são pessoas que não têm sensibilidade social e estão realmente alinhados com essas empresas. Esse conflito de interesses não poderia ser permitido. A CTNBio extrapolou. A nova Lei de Biossegurança deu um poder excepcional à esta comissão, acima até mesmo do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério da Saúde. Isso piorou ainda mais em 2007, quando se decidiu que passaria a tomar decisões por maioria simples e não mais por dois terços dos votos de seus membros”, diz.
Para Darci Frigo, o perfil da CTNBio já começa a ser moldado na comunidade científica antes mesmo de seus representantes integrarem seus quadros: “O problema é que se dissemina no mundo acadêmico a ideia de que a transgenia é um paradigma que veio para se instalar. Esse paradigma está presente em todos os lares, é defendido como se fosse uma coisa intocável, e aí muitos cientistas também já vão para a CTNBio com esse posicionamento ideológico praticamente formado e acham que essa tecnologia é uma tecnologia que não se discute”, diz.
Há outros que fazem pesquisas para as empresas – que financiam a maioria das pesquisas nessas áreas – e acabam depois sendo membros da CTNBio
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Frigo critica também o “pretenso cientificismo que às vezes leva muitos desses pesquisadores a terem um posicionamento não crítico em relação à tecnologia transgênica” e cita casos de ligação mais direta com as empresas do setor: “Há outros que fazem pesquisas para as empresas – que financiam a maioria das pesquisas nessas áreas – e acabam depois sendo membros da CTNBio. Mas, mesmo não tendo feito pesquisas, o mais impressionante é que não questionam as pesquisas das empresas, nem os métodos utilizados. Enquanto isso, há cientistas de fora que dizem que a empresa apresentou uma parte da pesquisa e omitiu outra parte que poderia revelar variações na área de microbiologia ou que a aplicação daquela mudança genética no produto depois poderia gerar mutações”.
Os ambientalistas querem mais acesso às informações sobre as pesquisas desenvolvidas pelas empresas: “Um dos métodos da CTNBio é manter sigilo sobre as partes da pesquisa que seriam tratadas como segredo industrial. Aí, eles na verdade querem sigilo sobre todo o processo e acabam não apresentando elementos que os cientistas possam de fato avaliar para saber se aquele produto pode causar danos ao meio ambiente ou à saúde”, fiz Frigo.
A CTNBio avalia fundamentalmente os estudos feitos pelas empresas, que dizem que os produtos são bons
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Cisão
Representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) na CTNBio, o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo disse, em entrevista ao site da Jornada de Agroecologia, realizada em agosto, o que vê no dia a dia da Comissão: “A CTNBio avalia os pedidos que as empresas encaminham, os estudos que as empresas produzem. Portanto, a Comissão avalia fundamentalmente os estudos feitos pelas empresas, que dizem que os produtos são bons, que não fazem mal e que são interessantes para o Brasil, concluindo, com base na opinião da maioria dos membros, se aqueles estudos são suficientes ou não”.
A cisão na CTNBio, segundo Melgarejo, é clara: “Na maior parte dos casos em que eu participei, o Ministério da Saúde, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério do Desenvolvimento Agrário têm dito que esses estudos não são suficientes, que mais pesquisas são necessárias. Mas outros membros da CTNBio, representantes do Ministério da Agricultura, do Ministério da Indústria e Comércio e do Ministério das Relações Exteriores, entre outros, têm dito que os estudos produzidos pelas empresas são suficientes. E, como esses estudos atestam que os transgênicos não causam problemas, a CTNBio por maioria tem aprovado todos os pedidos que vem entrando para a liberação dos transgênicos no Brasil”.