Acre

25 anos sem Chico Mendes e a realidade dos trabalhadores de Xapuri

Não basta criminalizar e perseguir. Governo precisa garantir políticas públicas e alternativas para os que ainda vivem na reserva que Chico Mendes idealizou
Por Dercy Teles de Carvalho Cunha*
 19/12/2013

Xapuri (AC) – 25 anos se passaram da morte de Chico Mendes e seus sonhos não foram realizados. As falácias divulgadas em meio às homenagens para lembrar seu assassinato não condizem com a realidade da maioria dos trabalhadores pelos quais ele deu a vida. Primeiro, a Reserva Extrativista (Resex) que ajudou a idealizar com o objetivo de garantir a sobrevivência e bem-estar dos povos que nela habitam tornou-se um pesadelo. Praticamente tudo é controlado e proibido por uma instituição que, infelizmente, leva seu nome, o Instituto Chico Mendes (ICMBio). Até o momento, seus integrantes não fizeram outra coisa a não ser coibir atividades que sempre foram praticadas e nunca causaram nenhuma alteração ao meio.

Imagem atual da política do desenvolvimento sustentável na área onde Chico Mendes realizou o último empate de sua vida, no seringal Cachoeira.   Foto: Dercy Teles
Imagem atual da política do desenvolvimento sustentável na área onde Chico Mendes realizou o último empate de sua vida, no Seringal Cachoeira. Foto: Dercy Teles

Não dá para negar que muitos moradores da Resex desenvolvem pecuária e outras atividades consideradas ilegais, haja vista que o extrativismo entrou em declínio nos anos 1970, e em falência quase absoluta a partir da década de 90. E que, até o momento, os governantes não apresentaram alternativas de geração de renda que superem essas citadas.

Nunca esqueço que em 15 de janeiro de 2009, início das festas do padroeiro da cidade, dois seringueiros me procuraram na sede do sindicato para lamentar o desencanto com o extrativismo da seringa. Eles contaram que tinham se esforçado para produzir 300 kg de borracha, que tinham rodado toda a cidade e que não encontraram comprador para a mesma. Um deles lamentou: “o pior é que eu trouxe essa borracha pagando frete. Como não vendi, vou voltar para casa e vender três bezerros que eu tenho para pagar o homem. O que sobrar de dinheiro vou dar para a mulher vir comprar umas roupinhas para os meninos. Nos marreteiros [camelôs] é mais barato”.

Os extrativistas do Acre foram obrigados
a aderir a pecuária e outras atividades não extrativas
por necessidade e não por desrespeito aos ideais de Chico Mendes

Narrei esse fato para dar ciência a quem ler este texto da real situação dos extrativistas do estado do Acre, especificamente do município de Xapuri. Eles foram obrigados a aderir à pecuária e a outras atividades não extrativas por necessidade e não por desrespeito aos ideais de Chico Mendes, como tem sido divulgado pelos próprios companheiros de Chico. Estes, em novembro de 2008, solicitaram a intervenção do Ministério Público Federal na Resex sem levar em consideração os dez anos de abandono pelos órgãos responsáveis por sua gestão. Até porque, em nossa luta pela posse da terra, nunca definimos que o extrativismo seria nossa única atividade econômica. Foi e poderia continuar sendo se houvesse políticas com o incentivo devido.

Empates
A luta do Sindicato, desde sua fundação até a morte de Chico Mendes, sempre foi a favor da vida dos trabalhadores e de suas famílias. Defendíamos a floresta através dos empates [estratégia utilizada pelos seringueiros para impedir a derrubada de árvores por latifundiários] porque estávamos ameaçados de perder nosso local de trabalho e moradia com a expansão da pecuária intensiva, e não por sermos ecologistas ou ambientalistas. É claro que naquela época (década de 1980) o extrativismo ainda gerava renda, que garantia o mínimo de nossas necessidades básicas: tudo aquilo que não é possível produzir na terra.

Entendemos que como cidadãos e cidadãs em um Estado democrático temos o direito de lutar em defesa de nossa sobrevivência. Hoje temos claro que nossos principais inimigos são o Estado, suas ONGs e os sindicatos pelegos, que infelizmente são maioria. São eles que se utilizam da confiança que lhes é depositada pela classe trabalhadora, para se autopromoverem negociando o futuro dos trabalhadores em troca de benesses.

Defendíamos a floresta porque estávamos ameaçados com a expansão da pecuária intensiva, e não por
sermos ecologistas ou ambientalistas

São vários os companheiros de Chico Mendes que fazem apologia ao famoso desenvolvimento sustentável, porém, nenhum deles volta para o seringal – com exceção de alguns que moram na zona rural, mas têm cargos comissionados no governo para convencer mais gente a aderir à exploração de madeira dentro da Reserva Chico Mendes, apresentada como de Manejo Florestal Comunitário (leia-se exploração de madeira empresarial).

São os companheiros de Chico Mendes que hoje, aliados ao governo, lutam na Justiça para anular a eleição da atual diretoria do Sindicato pelo fato de esta defender os trabalhadores enquanto o ICMBio e o Ibama os multam e criminalizam. Isso ocorreu em dezembro de 2008 e continua nos dias atuais.

Na oportunidade, repudiamos toda manobra e desrespeito aos trabalhadores praticados em nome de um desenvolvimento sustentável que tira a autonomia das populações de seu território, promove o êxodo rural e favorece todo tipo de delinquência que degenera os seres humanos.

* Dercy Teles de Carvalho Cunha é vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri

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