Acre

Em Brasiléia (AC), pousada de luxo que poderia abrigar imigrantes será demolida

Conjunto abandonado que foi construído com recursos da Caixa Econômica Federal poderia ser utilizado para receber haitianos que hoje ficam em abrigo humanitário
Por Alex Oliveira*
 06/02/2014
Fotos: Alex Oliveira
Fotos: Alex Oliveira

Enquanto a discussão sobre o abrigo humanitário de Brasiléia se concentra em fechar a fronteira ou fechar o abrigo, alternativas próximas que poderiam reduzir os efeitos colaterais da alta taxa de imigração seguem mais próximas do que parecem.

Em sessão extraordinária no último dia 15, a câmara dos vereadores de Brasiléia decidiu destruir uma antiga pousada de luxo que já foi cartão postal da cidade. O nome do local: Vila Brasília. Inaugurada no meio de 2006, a pousada esteve em uso por pouco tempo e está abandonada há aproximadamente um ano. Dispõe de uma infra-estrutura desejável a muitos profissionais do turismo: são 13 chalés construídos de acordo com uma arquitetura “amazônica”. Cobertos de palha, têm base de paxiúba. E disfrutam todos de uma projeto detalhado o suficiente para suportar ar-condicionado.

 O sistema hidráulico também está todo pronto, são mais de 30 vasos sanitários, pelo menos 20 pias e uma dezena de mictórios. Cada um desses itens em funcionamento já ultrapassaria, em tamanho e número, a capacidade do atual abrigo humanitário

A área comum possui piscina, parque infantil, quadra de areia e restaurante. A instalação elétrica é toda subterrânea e, pelo que indica sua matéria prima, de alta capacidade. Inclui os cabos coaxiais, que traziam o sinal da antena parabólica. Apesar disso, alguns sinais de gambiarras denunciam uma possível redução dessa qualidade. O sistema hidráulico também está todo pronto, incluindo armazenamento, distribuição e esgotamento, além dos hidrantes de segurança. Com os banheiros das suítes e os das áreas comuns, são mais de 30 vasos sanitários, pelo menos 20 pias e uma dezena de mictórios. Tudo já instalado. Há, ainda, uma lavanderia industrial. Cada um desses itens em funcionamento já ultrapassaria, em tamanho e número, a capacidade do atual abrigo humanitário. Mas isso se resume ao que pôde ser visto.

Com uma área coberta de aproximadamente 200 m², a antiga recepção do estabelecimento também conta com banheiros próprios. O espaço de atendimento do restaurante, com mais 200 m², equivaleria ao local onde as refeições são hoje servidas. No entanto, não dependeria de uma lona improvisada, nem do extremo calor por ela provocado, para funcionar. A cozinha industrial já instalada no Vila Brasília e ainda com equipamentos, se também fosse aproveitada, poderia reduzir o custo da comida hoje servida aos imigrantes. Agora financiada pelo governo federal, essa comida provocou, por si só, um processo de licitação.

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Cada um dos 13 chalés, com área coberta de aproximadamente 50 m², estava planejado para receber umas 3 pessoas. Com o propósito da emergência no lugar do luxo, seria tranquilamente capaz de acomodar 10 indivíduos em condições superiores às que são oferecidas pelo atual abrigo. A piscina, com seus 20.000 litros, tem tamanho do trailer da PM que pretende, no abrigo, suprir as necessidade receptivas do local.

Cerca de 1.200 pessoas estariam vivendo no refúgio de Brasiléia, reduzindo o espaço coberto disponível a 1 m² por pessoa. Em outras palavras, se todos ali tivessem um colchão para dormir, não haveria teto para todo mundo

Abrigo humanitário
Com 4.000 m² de área total e 1.200 m² sob zinco, o abrigo humanitário de Brasiléia tem uma capacidade de hospedagem alegada de 300 pessoas. Isso significaria uma média de 4 m² de teto disponíveis a cada abrigado. Mas as condições atuais são mais graves: cerca de 1.200 pessoas estariam vivendo no refúgio de Brasiléia, reduzindo o espaço coberto disponível a 1 m² por pessoa. Em outras palavras, se todos ali tivessem um colchão para dormir, não haveria teto para todo mundo.

Ignorados os espaços de cozinha, vestiários, banheiros e bar da piscina, o Vila Brasília tem cerca de 1.000 m² habitáveis, prontos. Pela mesma base de cálculo, seria imediatamente capaz de abrigar 250 imigrantes. Sua área desmatada equivale a mais de 2 refúgios completos e poderia ser aproveitada para estruturas coordenadas, dedicadas à redução do período de permanência dos imigrantes na cidade. A uma distância aproximada de 2,5 km do refúgio atual, o Vila Brasília poderia ser uma alternativa de concentração burocrática.

Já existem propostas pela construção de áreas permanentes para a acomodação de imigrantes, fora do perímetro urbano e mais distantes de Brasiléia. Os custos dessas eventuais construções nunca foram divulgados. Qualquer uma dessas propostas envolveria, ainda, custos logísticos, dado que a acumulação de imigrantes em Brasiléia se deve sobretudo às operações de imigração feitas no entorno. Ponto de fronteira e sede da Receita Federal, o município é vizinho de Epitaciolândia, onde fica a delegacia da Polícia Federal. Toda essa estrutura já montada também seria – ao menos em parte – deslocada para o suposto novo refúgio.

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Resultado de uma parceria entre a prefeitura de Brasiléia e o Governo do Acre, o Vila Brasília surgiu financiado pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) e pela Caixa Econômica Federal. Mas deixou de operar logo que expirou o seu prazo de concessão. Segundo vereadores da cidade, mais de R$ 5 milhões foram gastos na sua construção e operação. O valor supera os R$ 4 milhões alegados por Nilson Mourão como custo estadual da imigração haitiana, na audiência pública de 3 de dezembro de 2013.

Cerca de R$ 50 mil ainda podem ser gastos com a demolição da antiga pousada. A escola pública que seria construída em seu lugar ainda não dispõe de plano de construção ou custo estimado.

* Alex Oliveira é fotógrafo e hoje vive em Brasileia, no Acre, onde além de registrar o cotidiano do abrigo humanitário, trabalha para construir um projeto de ensino de português a imigrantes abrigados no local. Mais do seu trabalho pode ser consultado na página http://www.flickr.com/photos/kblo_bcn.  

Os artigos publicados são de responsabilidade de seus autores e não representam, necessariamente, a opinião da Repórter Brasil.

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