Justiça ordena censura por caso de fiscalização de trabalho escravo

Juiz da 2ª Vara Cível e Comercial da Comarca de Salvador, na Bahia, ordenou a retirada de informações sobre um resgate de trabalhadores em condições análogas às de escravo divulgado pela Repórter Brasil
 16/10/2015

A pedido da empresa Morro Verde Participações, o juiz da 2a Vara Cível e Comercial da Comarca de Salvador, na Bahia, Argemiro de Azevedo Dutra, ordenou a censura de informações sobre um resgate de trabalhadores em condições análogas às de escravo divulgado pela Repórter Brasil.

A operação, que resultou no resgate de 23 trabalhadores da fazenda Graciosa, em Xinguara (PA), em janeiro de 2014, contou com a participação do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Rodoviária Federal. A propriedade atua no criação de gado para corte.

A empresa obteve uma cautelar que obriga a excluir o seu nome sob pena de multa diária de R$ 50 mil. A Repórter Brasil está recorrendo da decisão por considerar que garantir a transparência sobre atos do Estado brasileiro é uma ação de interesse público.

A informação consta de uma relação com dados de empregadores autuados em decorrência de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e que tiveram decisões administrativas de primeira e segunda instâncias confirmando a autuação. A lista foi solicitada pela Repórter Brasil ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) com base nos artigos 10, 11 e 12 da Lei de Acesso à Informação (12.527/2012), que obriga qualquer órgão de governo a fornecedor dados públicos, e no artigo 5º da Constituição Federal de 1988.

 

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“Lista da transparência sobre Trabalho Escravo traz nomes flagrados por esse crime”

 

No final do ano passado, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, concedeu uma liminar à Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), suspendendo a “lista suja” do trabalho escravo, cadastro mantido pelo MTE que garantia transparência ao nome dos flagrados com esse tipo de mão de obra. Criado em 2003, ele era considerado um exemplo global no combate à escravidão pelas Nações Unidas.

Ou seja, este caso de censura ocorreu porque o governo brasileiro ainda não foi capaz de reestabelecer o cadastro de empregadores flagrados com mão de obra escrava, regulada por portaria interministerial específica, deixando para a sociedade civil o ônus de buscar transparência para os atos públicos.

Até agora, a Repórter Brasil, entre outras instituições e profissionais de imprensa, solicitou duas vezes essa relação, obtendo-a e divulgando-a em março e setembro deste ano. Esta última, engloba casos em que houve confirmação da autuação entre maio de 2013 e maio de 2015, e contém 421 nomes de pessoas físicas e jurídicas.

A sociedade brasileira e o setor empresarial têm o direito a ter acesso às informações sobre os flagrantes confirmados por trabalho análogo ao de escravo realizados pelo governo.

E transparência é fundamental para que o mercado funcione a contento. Se uma empresa não informa uma situação com essa ao mercado, sonega informação relevante que pode ser ponderada por um investidor, um financiador ou um parceiro comercial.

A empresa entrou com a ação temendo que a informação pudesse causar danos à sua imagem. Cita um acordo com o Ministério Público do Trabalho, em 2014, como prova de que inexiste qualquer “registro negativo” contra ela. Afirma, dessa forma, que essa publicização afronta princípios constitucionais, como a presunção da inocência.

De acordo com procuradora do Trabalho Melina de Sousa Fiorini e Schulze, que acompanhou o resgate de trabalhadores na operação, em 2014 e depois foi responsável pelo acordo citado na decisão judicial, afirma que “o Termo de Ajuste de Conduta firmado com o Grupo Morro Verde Participações visou à adequação da conduta da empresa ao disposto em lei, imputando-lhe obrigações de fazer, não fazer e pagar indenização pelo dano moral coletivo em razão de fato ilícito apurado, haja vista a constatação, in loco, da submissão de trabalhadores a condições análogas a de escravo”.

Para ela, a função do Ministério Público do Trabalho é justamente estancar a conduta ilícita. “E isso se deu pela via extrajudicial, mediante a assinatura de instrumento de ajuste voluntário. Tal fato, contudo, não afasta consequências outras decorrentes da ilicitude levada a efeito, inclusive de ordens administrativa, cível e penal.”

André Roston, auditor fiscal do trabalho, que coordenou a ação de resgate, também é o responsável pela Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho e Emprego e confirma a situação que levou ao resgate dos trabalhadores: “no curso da operação foram flagrados 23 trabalhadores submetidos a condições análogas às de escravo, os quais, de acordo com o relatório de fiscalização, sofriam graves violações de seus direitos trabalhistas e humanos, laborando e vivendo em condições degradantes”.

Dados sobre ações de fiscalizações e resgates pelo governo brasileiro são de caráter público e acessíveis a qualquer cidadão ou jornalista. Impedir a divulgação dos resultados dessas operações é cercear a sociedade de informações de interesse público que têm sido veiculadas cotidianamente por sites, TVs, rádios, jornais e revistas desde que o país criou seu sistema de combate ao trabalho escravo contemporâneo em 1995. E, portanto, dificultar o combate a esse problema.

As informações sobre fiscalizações do Ministério do Trabalho e do Ministério Público são de domínio público, de livre acesso a todos os cidadãos. É um absurdo cogitar que, de uma hora para outra, o site não possa dar a seu público conhecimento de informações públicas”, afirmou Carlos Bezerra Júnior, deputado estadual pelo PSDB, autor da lei paulista de combate ao trabalho análogo ao de escravo.

O Instituto do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (InPacto), que solicitou e divulgou a lista de empregadores, também foi intimado a retirar a informação da referida empresa de seus registros. O processo corre com o número 0559474-02.2015.8.05.0001.

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