Obtida através da Lei de Acesso à Informação (LAI), a quarta edição da “Lista de Transparência sobre Trabalho Escravo Contemporâneo” traz os dados de empregadores autuados em decorrência de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e que tiveram decisão administrativa final entre abril de 2014 e abril de 2016.
Uma liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal, em dezembro de 2014 impediu o governo federal de divulgar novas atualizações do cadastro de empregadores flagrados com mão de obra escrava, a chamada “lista suja”, que esteve público entre 2003 e 2014. A ministra Cármen Lúcia revogou a medida cautelar que impedia a divulgação da lista no dia 16 de maio deste ano, mas como o Ministério do Trabalho ainda não publicou uma nova relação e não possui data para isso, uma nova Lista de Transparência foi solicitada via LAI para que a sociedade não fique sem informação a respeito do tema.
Os dados foram compilados pelo Ministério do Trabalho a pedido da Repórter Brasil e do Instituto do Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (InPACTO) e o extrato com o resultado, recebido nesta segunda (6), pode ser obtido abaixo. O governo federal o envia o documento já com a logomarca do ministério e uma explicação sobre o conteúdo da lista. A única diferença é que o Tribunal de Justiça da Bahia ordenou que a Repórter Brasil não divulgasse um dos nomes, atendendo a uma liminar de uma empresa local, por isso a lista conta com 349 e não 350 empregadores.
“Lista de Transparência sobre Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil”: formato pdf e formato docx
A primeira solicitação dessa listagem com base na Lei de Acesso à Informação, divulgada em março do ano passado, trouxe os casos entre dezembro de 2012 e dezembro de 2014. A segunda, divulgada em setembro, envolveu o período de maio de 2013 a maio de 2015. A terceira, divulgada em fevereiro, abrangeu de dezembro de 2013 a dezembro de 2015.
O objetivo das organizações ao veicular essa “Lista de Transparência sobre Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil” é garantir o direito da sociedade e do setor empresarial à transparência sobre o tema, fornecendo informações sobre os flagrantes confirmados por trabalho análogo ao de escravo realizados pelo governo.
STF proíbe, STF autoriza
Em meio ao plantão do recesso de final de ano de 2014, o Supremo Tribunal Federal garantiu uma liminar à Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) suspendendo a “lista suja” do trabalho escravo – o cadastro de empregadores flagrados com esse tipo de mão de obra. A entidade questionou a constitucionalidade do cadastro, afirmando, entre outros argumentos, que a inclusão na lista suja era realizada sem o direito de defesa dos autuados.
Os nomes permaneciam na “lista suja” por, pelo menos, dois anos, período durante o qual o empregador deveria fazer as correções necessárias para que o problema não voltasse a acontecer e quitasse as pendências com o poder público. O cadastro, criado em 2003, é um dos principais instrumentos no combate a esse crime, e citado como referência mundial pelas Nações Unidas.
Em sua decisão, Cármen Lúcia afirmou que a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) número 5.209, proposta pela Abrainc, perdeu o objeto após a publicação de portaria interministerial que resolveu os questionamentos feitos sobre a lista.
“Não se há de desconhecer que os pontos questionados na peça inicial da ação foram sanados na Portaria superveniente e revogadora daquela outra pelo que também por isso não se sustentaria eventual argumento quanto ao indevido seguimento da presente ação”, avaliou a ministra.
Após a liberação da lista por Cármen Lúcia, um grupo de empresas, organizadas através do Instituto do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que se comprometeram a atuar em suas cadeias produtivas contra esse crime, apoiou a nova portaria e está estabelecendo um canal de diálogo com o ministério para o aprimoramento da ferramenta.
Enquanto isso, algumas empresas que já foram responsabilizadas pela fiscalização por trabalho análogo visitaram o ministro do Trabalho com outras propostas para entrada e saída da “lista suja”.
Nova portaria
Assinada pelos então ministros do Trabalho, Miguel Rossetto, e das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, Nilma Lino Gomes, no apagar das luzes do governo Dilma Rousseff, a portaria interministerial número 4, de 11 de maio de 2016, recriou o cadastro de empregadores flagrados com mão de obra análoga à de escravo.
Nela, foram aprimorados os critérios de entrada e saída de empregadores. A inclusão na “lista suja” passa a depender da aplicação de um auto de infração específico para condições análogas às de escravo. Até agora, a caracterização poderia ocorrer também através de um conjunto de autos de infração, demonstrando a existência de trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes de trabalho e jornada exaustiva. Isso deve facilitar a defesa dos empregadores.
Ao mesmo tempo, foi criada a possibilidade de uma “porta de saída”. Até agora, o empregador inserido no cadastro permanecia por, pelo menos, dois anos, e sua saída – após esse prazo – dependia da regularização de sua situação junto ao Ministério do Trabalho e da melhoria das condições no seu estabelecimento.
A partir da nova portaria, o empregador que assinar um Termo de Ajustamento de Conduta ou acordo judicial com o governo federal, adotando uma série de condicionantes, permanecerá em uma espécie de “área de observação” do cadastro, com as empresas flagradas, mas que estão atuando na melhoria de seu negócio. Essa área também será divulgada. Cumprindo as exigências, poderão pedir sua exclusão dela partir de um ano. E, se descumprirem o acordo, serão retiradas da observação e remetidas à lista principal.
Para saber detalhes sobre a nova portaria:
No último dia, governo lança portaria que recria “lista suja” da escravidão
Direito à informação
Considerando que a “lista suja” nada mais é do que uma relação dos casos em que o poder público caracterizou trabalho análogo ao de escravo e nos quais os empregadores tiveram direito à defesa administrativa em primeira e segunda instâncias; e que a sociedade tem o direito de conhecer os atos do poder público, a Repórter Brasil e o InPACTO solicitaram, com base nos artigos 10, 11 e 12 da Lei de Acesso à Informação (12.527/2012) – que obriga quaisquer órgãos do governo a fornecer informações públicas – e no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 o seguinte:
“A relação com os empregadores que foram autuados em decorrência de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e que tiveram decisão administrativa transitada em julgado, entre abril de 2014 e abril de 2016, confirmando a autuação, constando: nome do empregador (pessoa física ou jurídica), nome do estabelecimento onde foi realizada a autuação, endereço do estabelecimento onde foi caracterizada a situação, CPF ou CNPJ do empregador envolvido, número de trabalhadores envolvidos e data da fiscalização em que ocorreu a autuação, incluindo, ainda, a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) dos empregadores envolvidos, quando esta estiver disponível nos relatórios de fiscalização em questão.”
A sociedade brasileira depende de informações oficiais e seguras sobre as atividades do Ministério do Trabalho na fiscalização e combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil.
Informação livre é fundamental para que as empresas e outras instituições desenvolvam suas políticas de gerenciamento de riscos e de responsabilidade social corporativa. Tanto a portaria antiga quanto a nova portaria que regulamentam a “lista suja” não obrigam o setor empresarial a tomar qualquer ação, apenas garantia transparência. Muito menos a relação aqui anexa. São apenas fontes de informação a respeito de fiscalizações do poder público.
Transparência é fundamental para que o mercado funcione a contento. Se uma empresa não informa seus passivos trabalhistas, sociais e ambientais, sonega informação relevante que pode ser ponderada por um investidor, um financiador ou um parceiro comercial na hora de fazer negócios.
As informações que constam na “Lista de Transparência sobre Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil” são oficiais uma vez que fornecidas pelo Ministério do Trabalho através de solicitação formal e transparente, que obedece a todos os trâmites legais previstos na Lei de Acesso à Informação. Solicitação que pode ser repetida por qualquer cidadão, organização social ou empresa.
A lista tem sido, enquanto uma nova “lista suja” não é publicada, o principal instrumento das empresas associadas do InPACTO para o controle e monitoramento de sua cadeia produtiva com relação ao trabalho escravo.
Por conta da divulgação da “Lista de Transparência sobre Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil”, o Blog do Sakamoto, a Repórter Brasil e o InPACTO sofreram processos judiciais visando à censura do nome de empregadores envolvidos com trabalho análogo ao de escravo de acordo com o governo federal.
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