Especial – FSM 2009

Desdobramentos sociais da mineração são debatidos no Fórum

Para procurador do Pará, o problema não está exatamente na produção de riqueza por meio da atividade minerária, mas na falta de responsabilidade com relação aos impactos dos projetos e na não distribuição da riqueza produzida
Por Maurício Hashizume
 31/01/2009

Belém – A primeira edição do Fórum Social Mundial (FSM) na Amazônia colocou a mineração no centro dos debates sobre a relação entre o uso da natureza e o desenvolvimento. Não faltaram eventos sobre o assunto. Os quadros mostram uma semelhança no plano nacional e internacional.

Em termos de Brasil, os empreendimentos de extração de minério, a despeito da redução da demanda por conta da crise econômica mundial, continuam em marcha acelerada. A região amazônica certamente é uma das mais privilegiadas (e impactadas) pelo interesse econômico nas minas e os projetos se multiplicam muito além da conhecida bauxita, matéria-prima para a produção do alumínio, de Trombetas, e do famoso ferro de Carajás.

Para Raimundo Moraes, procurador do Ministério Público do Estado do Pará, o problema não está exatamente na produção de riqueza por meio da mineração, mas na falta de responsabilidade com relação aos impactos dos empreendimentos e na não distribuição da riqueza produzida.

Nesse debate, a mudança da Contribuição Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) – que incide apenas de 1% a 3% do faturamento líquido das atividades – aparece como proposta de ativistas, organizações e parlamentares. De 2004 a 2007, por exemplo, a compensação financeira do setor petrolífero atingiu R$ 54,7 bilhões, enquanto que a do setor mineral foi de R$ 1,7 bilhão.

Os royalties anuais da mineração renderam R$ 34 milhões ao Estado do Pará, enquanto que os royalties do petróleo só em Campos dos Goytacazes (RJ) rendeu R$ 38 milhões mensais ao município. A deputada estadual Bernadete Ten Caten (PT), que atua na Assembléia Legislativa do Pará, prega uma série de medidas para que a exploração mineral passe a atender em maior grau os interesses públicos: desde o aumento do CFEM e a maior participação popular, passando pela revisão da Lei Kandir (1996) e do Código Minerário (de 1967) até a criação de um Fundo de Exaustão, com recursos destinados a políticas para quando a fartura da extração chegar ao fim.

"Nossa geração é responsável pelo futuro e não podemos deixar que haja uma segunda Serra do Navio [em referência à famosa mina de manganês do Amapá, que se esgotou antes dos 50 anos de exploração previstos e deixou um legado de pobreza e exclusão social]", coloca a deputada Bernadete.

Já Raimundo Cruz Neto, do Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (Cepasp), faz questão de enfatizar a uma série de impactos ambientais e sociais dos empreendimentos minerários em comunidades e assentamentos da região de Marabá (PA). Em Canaã dos Carajás (PA), por exemplo, a população saltou de menos de 10 mil para mais de 20 mil por conta da atração exercida pela mineração. Não só por causa da migração, projetos desse tipo costumam afetar a vida de milhares de pessoas.

A despeito da ativação econômica decorrente da atividade, os indicadores sociais de municípios mineradores continuam baixos. Ele classifica esses empreendimentos na Amazônia, que por vezes acabam se envolvendo também em acidentes com dejetos tóxicos, como de "exploração intensiva tanto da natureza como da força de trabalho".

A Amazônia, analisa o experiente professor Aluisio Leal, do Núcleo Avançado de Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (NAEA-UFPA), é uma das lenhas que abastece – com suas riquezas naturais – o sistema capitalista, dando sobrevida a um modelo em estágio pré-falimentar. Os grandes projetos de grandes obras para a região, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul (IIRSA), repetem outros dentro da lógica antiga e servem justamente para que esse "abastecimento" amazônico ao sistema global – por meio de minérios e do uso de outras riquezas como a água – continue fluindo.

América Latina
Em outro debate sobre os impactos da mineração de ouro e de prata nos países da América Latina, a história se repete. Casos de contaminação e de concentração dos lucros combinados com perseguição de lideranças locais que mobilizam as comunidades por formas mia sjustas de repartição dos ganhos provenientes da exploração dos minérios.

De acordo com a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento e a Solidariedade (Cidse), que acompanha casos em sete países (Peru, Equador, Colômbia, Bolívia, Guatemala, Honduras e Costa Rica), está em curso uma ofensiva pela exploração mineral nos países, que envolve investimentos enormes, nos países. Os projetos quase sempre contam com o apoio do governo nacional e há muitos casos em que os impostos pagos pela exportação desses recursos são ínfimos.

Representantes da entidade que reúne organizações católicas da Europa e da América do Norte promovem parcerias com entidades dos países das empresas exploradoras e campanhas nos países compradores da matéria-prima das jóias para alertar a opinião pública sobre as condições em que o ouro e a prata estão sendo produzidos e também sobre a necessidade de mudanças no padrão de consumo, que influencia um mercado muitas vezes injusto com o elo mais fraco da cadeia, que são as populações que vivem nos locais próximos à exploração mineral.

Nos próximos dias, a Repórter Brasil publicará matéria sobre alguns projetos específicos de mineração na Amazônia e seus respectivos impactos.

*Matéria corrigida na manhã desta segunda-feira (2).

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