Conferência de Açailândia

Para especialistas, fim do trabalho escravo requer medidas estruturais

A íntima ligação entre a persistência da escravidão e o modelo de desenvolvimento adotado no Brasil foi o tema certal das palestras realizadas durante o terceiro dia Conferência, em Açailândia (MA)
Por André Campos
 18/11/2006

Açailândia – A necessidade de uma reforma agrária profunda, do fortalecimento de empreendimentos de economia solidária e da construção de um projeto amplo de transformação da sociedade, dissociado do modelo capitalista de produção, foram a tônica das principais propostas debatidas neste sábado (18), durante a 2a Conferência Interparticipativa sobre Trabalho Escravo e Superexploração em Fazendas e Carvoarias. O evento, que reúne entidades da sociedade civil, representantes do setor produtivo e de várias esferas do poder público, pretende criar um novo pacto social e político em torno do combate à escravidão no Brasil.

Após dois dias de trabalho onde predominaram discussões sobre leis, políticas e iniciativas específicas sobre trabalho escravo, o terceiro dia da Conferência esteve voltado principalmente ao debate sobre alternativas estruturais de desenvolvimento – capazes de transformar substancialmente as relações de produção e trabalho que sustentam a persistência da escravidão no país 118 anos após a assinatura da Lei Áurea.

Aluízio Leal, professor aposentado de economia política da Universidade Federal do Pará (UFPA), defendeu que somente uma revolução ampla, capaz de mudar radicalmente o sistema capitalista de produção, poderia mudar as relações que geram a exploração do trabalhador no Brasil “Não é possível acabar com o trabalho escravo sem acabar com o sistema que produz o trabalho escravo”, ressaltou Leal. “Não adianta tentar humanizar algo que não é ‘humanizável’.”

Ele destacou ainda que o grande produtor sempre tende a migrar para terras mais produtivas e mais baratas, a exemplo do que ocorre hoje com a expansão da fronteira agrícola para dentro da Amazônia. “Uma agricultura de exportação como a nossa exige a concentração de terras.”

“É da estrutura interna do capitalismo que se formou no Brasil a utilização de trabalho escravo”, afirmou Ariovaldo Umbelino, do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo. “A diferença central da escravidão colonial em relação à atual é que antes a pessoa era em si uma mercadoria, que podia ser comprada e vendida”, disse ele. “A escravidão contemporânea é uma atualização desse passado.”

Umbelino destacou que a lógica do produtor brasileiro é obter lucros através da redução do capital empregado na mão-de-obra. Também afirmou não haver plano futuro capaz de superar os problemas atuais do campo – entre eles a escravidão – caso não se leve em conta a questão da propriedade da terra. “Há hoje no país 172 milhões de hectares de terras devolutas, e os fazendeiros cercaram essas terras”, ressaltou. Terras devolutas são aquelas que, pela lei, são patrmônio público, embora possam estar irregularmente ocupadas por particulares. Para Umbelino, "o Estado tem que retomar o controle do território nacional.”

Segundo ele, existe uma forte relação de incidência entre trabalho escravo e as regiões com alta concentração de terras devolutas no Brasil. Umbelino afirma ainda que a soma do total dessas terras com os 120 milhões de hectares de áreas improdutivas do país – mesmo quando utilizados os índices de produtividade defasados, como os estabelecidos pelo governo na década de 70 – torna cerca de um terço das terras brasileiras aptas à reforma agrária.

Ubirajara do Pindaré, coordenador-executivo do Fórum de Estadual de Combate ao Trabalho Escravo no Maranhão (Forem), também abordou a questão fundiária ao afirmar que o latifúndio está na origem da escravidão contemporânea no Brasil. “As fazendas onde foram encontrados escravos podem perfeitamente ser alvo da luta pela reforma agrária, pois está mais do que claro que elas não cumprem a sua função social.”

Para Pindaré, investir em empreendimentos de economia solidária é uma alternativa fundamental para o desenvolvimento dos grupos em risco de tornarem-se mão-de-obra escrava. Em sua palestra, ele procurou fazer um balanço sobre a inserção desse tema no Maranhão e destacou que, atualmente, há cerca de 45 mil pessoas participando de algum empreendimento do gênero no estado.

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