Goiás

Inclusão: assentados e pequenos produtores cursam Direito

Universidade Federal de Goiás (UFG) é pioneira na formação de turma especial do curso de Direito, composta exclusivamente de agricultores familiares e beneficiários da reforma agrária. Alunos da turma relatam desdém de colegas
Por Bianca Pyl
 18/03/2009

A inclusão dos trabalhadores rurais no ensino superior está sendo possível graças a uma iniciativa inédita da Universidade Federal de Goiás (UFG). A instituição mantém uma turma especial do curso de Direito composta exclusivamente por pessoas vinculadas a assentamentos de reforma agrária e à agricultura familiar, desde o segundo semestre de 2007. A iniciativa ganhou concretude por meio de um convênio entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Ministério da Educação (MEC), além da própria UFG.

Segundo Benedito Ferreira Marques, vice-reitor da UFG, a iniciativa para criar a turma foi uma resposta à demanda dos próprios trabalhadores rurais, que deram início aos pedidos em 2004. "Nós nos sensibilizamos (na época, Benedito fazia parte do Conselho Diretor da Faculdade de Direito da UFG) com a causa dos camponeses e entramos em contato com o MEC para poder dar seguimento ao pedido". A pasta da Educação, por sua vez, aprovou o pedido e o Incra viabilizou bolsas de estudos para os alunos, por meio do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) .

Mais de 600 candidatos de 19 estados do País concorreram às 60 vagas disponíveis para a turma. O processo de seleção teve somente uma fase – constituída de prova discursiva, correspondendo à elaboração de uma redação, sobre um tema relacionado com a reforma agrária e meio ambiente, e uma outra prova objetiva de conhecimentos gerais.

Atualmente, a turma tem 58 estudantes, sendo 47 vindas de assentamentos e 11 da agricultura familiar. Dois alunos acabaram desistindo.

O tempo de duração do curso, ministrado na própria Faculdade de Direito da UFG, é o mesmo das outras turmas de Direito: são dez semestres (cinco anos). A diferença é que as aulas são em dois períodos (matutino e noturno) e alternadas com as etapas em que os estudantes permanecem em suas comunidades de origem, desenvolvendo atividades. "A diferença são os alunos. Não há disciplinas novas. Houve processo de vestibular, como há com as turmas regulares. A única exigência era que o candidato fosse beneficiário da reforma agrária ou pequeno agricultor".

A aula inaugural do curso contou com a presença ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Eros Roberto Grau, que na ocasião leu uma carta enviada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Tenham consciência, meus queridos jovens, que para chegar onde vocês estão chegando, muitos outros tiveram que fazer muitos sacrifícios. Desde seus pais e parentes, até cada trabalhador que com o suor de seu rosto, contribui para a construção deste país e desta nação (…)", diz um trecho da carta do presidente

Os alunos terminarão a graduação em 2011. A abertura de outra turma especial ainda não está prevista, a depeito da grande procura em 2007. Os convênios foram firmados apenas para o curso em andamento.

Dificuldades
A criação de uma turma exclusiva de estudantes de assentamentos de reforma agrária e à agricultura familiar enfrentou algumas dificuldades e resistências. "Tivemos muitas pessoas contrárias, dentro e fora da faculdade, pessoas ligadas à imprensa, empresários etc.", explica o vice-reitor da UFG.

Quando houve a divulgação do vestibular para a turma especial foi instaurado um inquérito civil público, no dia 31 de maio de 2006, pela procuradora da República Mariane de Mello Oliveira, para investigar a regularidade dos processos. A procuradora também entrou com uma liminar requerendo a suspensão do curso. O pedido foi negado pelo juiz Roberto Carlos de Oliveira, em julho do ano passado, na 9ª Vara da Justiça Federal. Segundo informações da Justiça Federal em Goiás, o magistrado concluiu "que a turma era ilegal, mas considerou que a suspensão imediata do curso poderia acarretar danos de difícil reparação às atividades acadêmicas".

A Procuradoria da República em Goiás relata que o inquérito sobre o caso já foi concluído no dia 3 de dezembro de 2008, mas ainda aguarda a sentença do juiz. O vice-reitor está confiante quanto ao julgamento do caso. "Creio que isso não dará em nada porque fizemos tudo dentro da lei. Percorremos todas as instâncias administrativas", declara Benedito.

A pressão também é sentida pelos estudantes. De acordo com a aluna Suzana das Graças Moraes Ferraz, de 19 anos, as outras turmas do curso de Direito questionam os alunos e os chamam de "sem-terrinhas". A estudante lembra que o processo de vestibular foi o mesmo. A diferença, de acordo com ela, é a possibilidade dada a uma parcela da população que não teria condições financeiras de fazer a graduação. "Eu sei da responsabilidade que tenho ao me formar na primeira turma especial. Sei que as comunidades esperam de mim e nunca vou esquecer minhas origens", conta Suzana. A estudante mora em Guaraitá (GO) e é filha de um pequeno produtor. O curso é viável para sua família porque ela recebe uma bolsa-auxílio do MEC.

"Os estudantes das turmas regulares nos discriminam, enfrentamos problemas até com os professores. Uma vez, tivemos dificuldades até de conseguir uma sala de aula", discorre o agricultor Mauro Pereira dos Santos, de 28 anos, colega de Suzana. Ele concilia a faculdade com as funções de presidente da Cooperativa de Agricultura Familiar de Itapuranga-GO (Cooperafi). "As aulas tem sido importantes para meu dia-a-dia na cooperativa".

A diversidade da turma – há pessoas de diferentes estados – diminui quando se trata dos problemas relacionados à reforma agrária, muitos deles comuns.  Para Mauro, é "uma pena" que outros universitários das turmas regulares de Direito na UFG percam "a oportunidade de conhecer essas pessoas que são excluídas de muitos dos seus direitos como cidadãs".

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