No sul da Bahia, uma praga exógena foi o gatilho para migração de trabalhadores (Foto: Carlos Juliano Barros) |
Lavouras e pastos por todo o Brasil enfrentam atualmente uma ameaça ainda pouco conhecida, e que só agora começa a entrar na agenda das políticas públicas do país. São as espécies invasoras, organismos levados para fora do seu habitat natural e que, na nova área onde se alojam, provocam alterações profundas no ecossistema – acompanhadas, muitas vezes, de grandes prejuízos econômicos e sociais. No Brasil, as espécies invasoras já colaboraram para que muitas pessoas abandonassem os locais onde viviam. É o caso, por exemplo, da “vassoura-de-bruxa”, um fungo que saiu da Amazônia – em circunstâncias até hoje nebulosas – para atirar a lavoura cacaueira da Bahia em uma crise que dura até hoje. Principal produto da economia regional, o cacau perdeu exponencialmente a sua produtividade a partir de 1989, ano de aparecimento do primeiro foco da praga em Uruçuca – município que foi o 13º com maior perda proporcional de população no Brasil entre os Censos de 1991 e 2000. Na década de 80, o número de habitantes de Uruçuca havia pulado de 20,9 mil para 30,8 mil. Hoje, estima-se em 13,8 mil pessoas a população local.Em toda a região, cerca de 150 mil pessoas foram diretamente afetadas pelo desemprego nas lavouras e dos 41 municípios da Microrregião de Ilhéus e Itabuna – onde se concentra a atividade cacaueira baiana – 30 tiveram crescimento populacional negativo nos anos 1990 – revertendo a tendência positiva registrada na década anterior. “Estudos pontuais confirmam a hipótese de que a crise provocou um processo migratório para áreas periféricas da região, ou mesmo para outras localidades”, revela Salvador Trevizan, pesquisador da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).Para Trevizan, no entanto, a vassoura de bruxa não pode ser considerada a única culpada por essa realidade. “O impacto da crise, a meu ver, se explica essencialmente pela forma como a produção do cacau tem sido organizada na região, com base na monocultura de exportação e na mão-de-obra assalariada”, diz. “Em Rondônia, onde a vassoura-de-bruxa é endêmica, e onde o cacau é produzido principalmente no sistema de agricultura familiar diversificada, não houve a chamada ‘crise do cacau’ – apesar da praga e dos baixos preços do produto no mercado internacional.”Visita indesejada
Lídio Coradin, do MMA: espécies invasoras são problema nacional (Foto: Jefferson Rudy/ MMA) |
A crise cacaueira não é uma situação isolada do gênero. Em 1983, na região de Campinas (SP), um besouro típico da América Central foi encontrado pela primeira vez em território nacional. Logo ganhou apelido – “bicudo do algodoeiro” – e reconhecimento como uma das mais devastadoras pragas na história da agricultura brasileira. Dois anos depois, o inseto já estava disseminado pelo Nordeste, onde até então a lavoura de algodão representava aproximadamente 25% da área plantada na região. Os 2,9 milhões de hectares com algodoeiros em 1980 tornaram-se a cerca de 180 mil hectares na safra 97/98. “Quase metade da população nordestina, direta e indiretamente, vivia do algodão e seus subprodutos”, afirma Napoleão Beltrão, chefe de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Algodão. Importância que se reflete inclusive no nome de municípios do semi-árido nordestino, como Ouro Branco (RN) e Algodão de Jandaíra (PB).Na Paraíba, um dos estados brasileiros mais afetados pela praga, nota-se uma intensificação do êxodo rural entre o censo de 1991 e a Contagem da População promovida pelo IBGE em 1996. A crise do algodão, de acordo com estudo feito por Ivan Targino e Emília Moreira, professores do Departamento de Economia e Geociências da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), é uma das principais razões para isso. “A alternativa encontrada pelos grandes proprietários foi a expansão das áreas de pastagem”, afirma o estudo. “Deste modo, a quase que completa extinção da cotonicultura contribuiu para o declínio da parceria e do arrendamento no semi-árido paraibano, relações de trabalho que, bem ou mal, mantinham um número significativo de unidades de produção familiar.”“As espécies invasoras são extremamente agressivas nos ambientes onde são introduzidas porque não encontram neles os seus predadores naturais”, explica Lídio Coradin, coordenador do Programa de Recursos Genéticos do Ministério do Meio Ambiente (MMA). O problema causa hoje tamanha preocupação que o MMA pretende apresentar, ainda este ano, um plano nacional para o controle dessas espécies. Recente catalogação feita pelo ministério identificou a existência de 543 espécies exóticas invasoras no Brasil. “Em alguns locais, a situação é tão séria que se torna inviável erradicar esses organismos. Certos casos terão que ser trabalhados através de controle e monitoramento”, acredita Coradin.Atualmente, as espécies invasoras são consideradas a segunda maior causa de perda de biodiversidade no planeta, a
trás apenas do desmatamento. E o homem, segundo Coradin, é o responsável por 70% das introduções, frequentemente resultantes de ações intencionais. “Veja, por exemplo, o caso do Capim Anoni. Trata-se de uma gramínea que foi trazida para o Rio Grande do Sul por engano, mas que, por ser altamente resistente à geada, acabou sendo adotada pelos produtores locais. Acontece que os animais não gostavam dela, justamente por causa de sua resistência. Em dois anos, o gado bovino que se alimenta desse capim já está com a dentição altamente comprometida.” Atualmente, 1,5 milhões de hectares se encontram invadidos por essa gramínea no sul do país. Até 2015, calcula-se que serão cinco milhões e um prejuízo de milhões de reais. Em nível mundial, estima-se que os organismos invasores causem prejuízos anuais de 1,4 trilhão de dólares.Para Coradin, o grande desconhecimento da legislação sobre o tema é um dos principais problemas relacionados à realidade das espécies invasoras. Segundo as normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), a introdução desses organismos no Brasil é uma atividade obrigatoriamente sujeita a licenciamento ambiental.