Trabalho semi-escravo acaba para os 31 cortadores de cana

 23/08/2006

Davi Venturino

Pederneiras – Um grupo de 31 cortadores de cana que estava trabalhando em situação irregular em Pederneiras (26 quilômetros de Bauru) embarcou ontem para Feira de Santana, na Bahia. A medida foi tomada depois que a Subdelegacia Regional do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em Bauru, o Ministério Público e a BR Prestadora de Serviço, responsável pela contratação do grupo, entraram em acordo com os trabalhadores, que preferiram ser dispensados do serviço mediante o pagamento das verbas rescisórias.

Um ônibus alugado pela empresa saiu ontem de Pederneiras levando os trabalhadores até a cidade de Feira de Santana. Alguns deles eram de Minas Gerais. Como a viagem é longa, os auditores conseguiram que cada um dos cortadores de cana recebesse duas diárias de alimentação no valor de R$ 40,00, também pagas pela empresa contratante.

Segundo o advogado da BR Prestadora de Serviço, Rodrigo Carlos da Rocha, a empresa não tem vínculo com usinas e presta serviços para a colheita da cana fornecendo mão-de-obra pelo período necessário. De acordo com ele, a BR tem um quadro de funcionários fixos e a contratação do grupo de 31 cortadores de cana, através de um suposto empreiteiro, teria sido uma eventualidade. Ele explicou que a medida foi necessária para suprir a demanda pelo serviço na colheita da safra da região.

"A empresa tinha uma carência de mão-de-obra, em maio, já da safra em andamento. Então, o empreiteiro deles nos procurou dizendo que tinha uma turma montada e que, caso a empresa tivesse carência (de mão-de-obra), podíamos contratá-los", explica Rocha.

A Subdelegacia Regional do Trabalho, de posse de dados coletados ontem no escritório de contabilidade contratado pela BR, vai analisar a situação para averiguar a ocorrência de eventuais irregularidades cometidas pela empresa contratante e a real participação do suposto empreiteiro.

"Estamos arrebanhando a documentação para verificar eventuais irregularidades que possam ter ocorrido, mas por enquanto é apenas suposição. Ainda não temos elementos. Vamos verificar", explicou Wilson Antônio Bernardes, auditor fiscal do MTE.

De acordo com o procurador do Trabalho Luís Henrique Rafael, o Ministério Público também vai acompanhar as denúncias feitas por alguns trabalhadores. Suspeita-se de que eles tinham de pagar pelo material de trabalho e de que não recebiam equipamentos de segurança, entre outras possíveis irregularidades.

"Segundo depoimentos (dos trabalhadores), e isso a fiscalização está apurando e vai continuar a apurar, eles têm tido descontos de ferramentas de trabalho – que é obrigação do empregador dar -, desconto de botae luva, que o empregador também é obrigado a dar", diz, lembrando que os trabalhadores também relataram que não recebem marmitas térmicas e não têm banheiros no local de trabalho.

 

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Alojamento

Outra irregularidade verificada no local onde estavam os cortadores de cana refere-se às condições do alojamento dos trabalhadores, que são precárias. O grupo estava alojado em um cortiço localizado na rua Castelo Branco, no Jardim Califórnia. No local, os cortadores dividiam nove cômodos, sanitários e uma sala com cinco duchas para banho coletivo.

De acordo com o advogado da BR Prestadora de Serviço, Rodrigo Carlos da Rocha, a responsabilidade pelo alojamento ficou a cargo do suposto empreiteiro. "O pessoal foi assumido no quadro da empresa, só que a realidade deles, onde eles estão vivendo, escapa da nossa condição de ter gestão lá dentro (do alojamento). Porque é uma relação que eles acabam mantendo com a própria pessoa que vai administrar o alojamento onde estão, que é o empreiteiro deles", conclui o advogado.

Conforme matéria divulgada ontem pelo Jornal da Cidade, os trabalhadores viviam em uma casa de propriedade de um homem conhecido como "Decão". O JC apurou junto aos cortadores que cada um pagava R$ 50,00 por mês de aluguel. José Emiliano Alves dos Santos, 24 anos, Lourival Moreira de Almeida, 25 anos, e Francisco Moreira de Almeida, 28 anos, todos de Minas Novas (MG), relataram que sofreram ameaças de "Decão" caso continuassem a reclamar das condições de vida e trabalho.

O suposto empreiteiro e proprietário do alojamento não foi encontrado ontem pela reportagem para esclarecer os fatos.

Após concordar com o acordo, os integrantes do grupo receberam as verbas rescisórias que incluem o saldo salarial, multa e acesso ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) retroativo. O ônibus fretado pela empresa deixou a cidade no final da tarde rumo ao Estado da Bahia. A previsão é de que a viagem dure dois dias (são cerca de 1,7 mil quilômetros de distância).

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