Após irmã Dorothy, mortes no campo continuam em alta no país

Assassinato da missionária norte-americana no Pará, em fevereiro, chamou atenção do mundo para os conflitos agrários no país. O governo federal prometeu medidas, mas número de mortes aumentou: foram 23 no primeiro semestre de 2004, e 24 no mesmo período deste ano
Por Leonardo Sakamoto
 27/08/2005

Pressionado pela comoção internacional da morte da missionária Dorothy Stang, em fevereiro deste ano, o governo federal prometeu agir para diminuir a violência no campo principalmente região da fronteira agrícola amazônica. Contudo, os números do primeiro semestre de 2005 apontam que ocorreram outros 23 assassinatos por conflitos de terra no Brasil, ou seja, quase um por semana – fatos que só não ganharam as páginas dos jornais de todo o mundo porque não tinham o peso de um nome como o de irmã Dorothy.

De acordo com dados do Setor de Documentação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) o número de mortes ultrapassa os do ano passado: no primeiro semestre de 2004 foram 23 mortes e, no ano todo, 39 assassinatos por conflitos no campo. Encabeçam a lista de baixas os trabalhadores-sem-terra (6), sindicalistas e lideranças (5) e indígenas (4). Das 24 mortes, 17 ocorreram nos Estados do Maranhão, Mato Grosso, Pará e Rondônia, que fazem parte do arco do desflorestamento – região onde a Amazônia tomba diariamente para dar lugar a pastos e plantações.

Após o assassinato da missionária – que atuava em defesa de projetos de desenvolvimento sustentável (PDS) em Anapu (PA), município às margens da rodovia Transamazônica – o governo baixou um pacote de medidas para conter a violência contra trabalhadores, a grilagem de terras e o desmatamento ilegal. O Ministério do Meio Ambiente, que divulgou nesta semana a diminuição do ritmo de desmatamento na Amazônia, credita parte da redução a uma maior presença do Estado na região.

Porém, isso ainda não se refletiu em garantia de vida para sem-terra, sindicalistas e índios. Mesmo no Pará, onde irmã Dorothy foi assassinada, o número de mortes aumentou: 11 pessoas foram mortas no primeiro semestre de 2004, e 14 no mesmo período deste ano.

“A violência está diretamente relacionada à ausência de uma política concreta de reforma agrária e uma atuação efetiva do poder judiciário no combate à impunidade”, afirma José Batista Afonso, coordenador da Comissão Pastoral da Terra, em Marabá (PA).

Ele lembra que houve poucos avanços na questão fundiária após o assassinato da irmã Dorothy. Cerca de 20 mil famílias continuam em acampamentos ou ocupações de terra apenas no Pará. Enquanto isso, o governo paraense mobilizou um contingente de 200 policiais e empenhou R$ 2 milhões na desocupação de 19 fazendas.

Em Anapu, os projetos de desenvolvimento sustentáveis não foram devidamente regularizados e as ameaças por pistoleiros e fazendeiros persistem. Representantes do sindicato de trabalhadores rurais do município se reuniram entre os dias 24 e 26 deste mês com o Ministério Público Federal e o Incra para discutir a situação.

Com relação à Justiça, a regra ainda é a impunidade, avaliam as lideranças populares. Este problema é antigo, datando da ocupação desordenada da fronteira agrícola durante a ditadura militar, com mais de 900 assassinatos nos últimos 30 anos. Os poucos processos que estão tramitando se arrastam há anos.

E mesmo a condenação não é garantia de que os culpados sejam presos. Por exemplo, basta lembrar que os assassinos do sindicalista João Canuto foram condenados pelo Tribunal de Justiça do Pará, recorreram em liberdade e apesar de estarem com sua pena confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça, estão foragidos há mais de dois meses.

A reportagem não conseguiu localizar Miguel Rossetto, ministro do Desenvolvimento Agrário, até o fechamento desta reportagem.

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