Vergonha

Senador João Ribeiro e acusado pela morte de Dorothy Stang estão na nova “lista suja”

Divulgada pelo governo federal, atualização da relação de infratores traz 25 novos empregadores. Eles terão restrições no acesso ao crédito e poderão perder clientes por se beneficiarem de mão-de-obra escrava
Por Leonardo Sakamoto
 01/08/2006
Trabalhador libertado em Goianésia (PA); "lista suja" é um dos principais instrumentos para no  combate ao trabalho escravo

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) divulgou, nesta terça-feira (1), a atualização do cadastro de empregadores comprovadamente flagrados com trabalho escravo – conhecido como a "lista suja". Foram incluídas 25 pessoas físicas e empresas que utilizaram desse tipo de mão-de-obra em suas propriedades. Entre elas, o senador João Ribeiro (PL-TO), Vitalmiro Bastos de Moura (acusado de ser o mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang), além de empresas que fornecem para indústrias de aço e de produtos de higiene. Com essa atualização, a lista conta agora com um total de 178 nomes, incluindo os que estão excluídos provisoriamente por decisão judicial.

A maioria dos estados com propriedades listadas estão no arco do desflorestemento, onde a Amazônia é comida diariamente pela expansão agropecuária. Descontados os nomes suspensos por ordem judicial, estão assim divididos os empregadores da "lista suja": Pará (69), Tocantins (27), Maranhão (19), Mato Grosso (18) e Rondônia (4). Também estão estados em que a fronteira agrícola avança sobre o Cerrado, como a Bahia (6), o Piauí (2) e novamente o Tocantins e o Maranhão. Completam a lista Minas Gerais (2), Rio Grande do Norte (1) e São Paulo (1).

Essas propriedades têm como ramos de atividades a pecuária (tanto a criação de gado para a corte, quanto a reprodução de matrizes), o cultivo de soja, algodão, café, cana-de-açúcar, a produção de carvão vegetal, entre outros produtos. O perfil da maioria é de grandes áreas monocultoras que produzem para a exportação ou para a indústria nacional.

Segundo as regras da portaria que regulamenta a "lista suja", o nome do infrator entra na relação após o final de um processo administrativo criado pelos autos da equipe de fiscalização que libertou os trabalhadores. A exclusão, por sua vez, depende do seu monitoramento pelo período de dois anos. Se após esse tempo não houver reincidência no crime, forem pagas todas as multas resultantes da ação de fiscalização, garantidas condições dignas de trabalho e quitadas as pendências trabalhistas e previdenciárias, o nome será retirado. A atualização é divulgada semestralmente desde novembro de 2003.

O monitoramento leva em conta acompanhamento in loco, além de informações fornecidas por órgão governamentais e entidades da sociedade civil. Nesta nova edição, 38 empregadores rurais deixariam a "lista suja" por terem entrado há dois anos. Contudo apenas 12 saíram, pois o restante não quitou as multas impostas ou reincidiu no crime. Além disso, o tempo que um empregador permanece suspenso por liminar conseguida na Justiça é acrescido ao prazo de dois anos quando ele volta à lista.

O senador e o mandante
João Ribeiro (PL-TO) é mais um político que entra para a "lista suja". Fará companhia ao ex-prefeito de Unaí (MG), José Braz da Silva. O também ex-prefeito do município de Santos (SP), Beto Mansur (PP), estava na relação mas conseguiu ter o nome excluído provisioriamente devido a uma liminar judicial. O deputado federal Inocêncio de Oliveira (PL-PE) saiu da "lista suja" em novembro do ano passado, quando completou o prazo de dois anos. Ele vendeu a fazenda no Maranhão, onde houve escravos libertados. 

Em janeiro deste ano, o senador João Ribeiro foi condenado pelos desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho do Pará a pagar uma indenização de R$ 76 mil por danos morais coletivos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. De acordo com a denúncia do Ministério Público do Trabalho, Ribeiro manteve 38 pessoas em condições análogas à de escravo em sua fazenda Ouro Verde, no município de Piçarra, no Sul do Pará. No acórdão da decisão, os desembargadores diminuíram a indenização de R$ 760 mil (decidida na primeira instância) para R$ 76 mil. Ribeiro entrou com recurso contra a decisão.

De acordo com Humberto Célio Pereira, coordenador da ação que libertou as 38 pessoas, a situação de moradia e saneamento eram extremamente degradantes. "Eles eram obrigados a comprar na própria fazenda equipamentos de trabalho e proteção, como botina, chapéu e luva [que pela lei devem ser fornecidos sem custo pelo empregador], além de terem seus documentos retidos, caracterizando condições análogas a de escravidão."

No acórdão, apesar das evidências apresentadas, os desembargadores não caracterizaram a existência de trabalho escravo na fazenda do senador e listam uma série de condições que configurariam trabalho degradante. O Ministério Público do Trabalho também apelou da decisão. "Para efeitos penais, as condições degradantes de trabalho hoje se equiparam a trabalho em condições análogas a de escravo, conforme o artigo 149 do código penal", afirmou, na época, o procurador do Ministério Público do Trabalho, Lóris Rocha Pereira.

Além desse processo trabalhista, João Ribeiro foi denunciado, em junho de 2004, pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, ao Supremo Tribunal Federal pelos crimes de redução de pessoas à condição análoga a de escravo, negação de direitos trabalhistas e aliciamento de trabalhadores. Juntas, as penas por esses crimes podem somar de quatro a treze anos de prisão. Há também a possibilidade de cassação do senador por quebra de decoro parlamentar. Na sua denúncia Fonteles afirmou que, "a repugnante e arcaica forma de escravidão por dívidas foi o meio empregado pelos denunciados para impedir os trabalhadores de se desligarem do serviço". Denunciado criminalmente junto com João Ribeiro, o administrador da fazenda Ouro Verde, Osvaldo Brito Filho, recebia também salário do governo do Estado do Tocantins, onde era registrado como assessor especial da Secretaria de Governo.

Vitalmiro Bastos de Moura, acusado de ser um dos mandantes do assassinato da missionária Dorothy Stang em 12 de fevereiro de 2005, em Anapu (PA), também entrou para a "lista suja". Em uma operação de fiscalização realizada entre os meses de junho e julho de 2004, a Delegacia Regional do Trabalho do Pará libertou 20 pessoas escravizadas na fazenda Rio Verde, também em Anapu, de propriedade de Bida – como Vitalmiro é conhecido.

A morte da religiosa norte-americana naturalizada brasileira, que defendia as pequenas comun
idades rurais nessa região da rodovia Transamazônica, ganhou repercussão internacional. Na época, como resposta, o governo federal enviou tropas do Exército ao Pará e divulgou medidas para conter o desmatamento, a grilagem de terras e a violência no campo. Em um exemplo de como a Justiça opera com pesos e medidas diferentes, o pistoleiro Clodoaldo Carlos Batista, executor do plano, já foi condenado a 17 anos de prisão. Enquanto isso, Bida continua preso aguardando julgamento e Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, outro acusado de ser mandante do crime, foi beneficiado com uma liminar do Supremo Tribunal Federal em junho e vai aguardar o seu julgamento em liberdade. As ações para evitar o assassinato de lideranças, colonos e camponeses na Amazônia, divulgadas pelo governo e registradas pelas câmeras de TVs de todo o mundo após a morte de Dorothy, não surtem, hoje, o efeito desejado. Trabalhadores rurais e lideranças anônimos continuam morrendo na fronteira agrícola. 

Agronegócio
O Estado de São Paulo, centro do agronegócio brasileiro, foi incluído pela primeira vez na "lista suja" por causa da Rezil Extração, Comércio e Exportação Ltda. Em julho de 2002, 76 pessoas em situação análoga à de escravo foram retiradas da propriedade da empresa no município de Iaras. A fiscalização encontrou, inclusive, trabalhadores com mãos feridas devido à utilização de ácido sulfúrico para a extração de resina de árvores – ramo de atividade da empresa.

Outro nome conhecido que se junta à relação é a Tobasa – Bioindustrial de Babaçu S.A., inserida na "lista suja" devido a uma libertação de 174 pessoas ocorrida na região do Bico do Papagaio (norte do Tocantins) em dezembro de 2004. De acordo com Humberto Célio Pereira, coordenador da ação de fiscalização, os trabalhadores atuavam na colheita de babaçu para a empresa, sediada no município de Tocantinópolis. A Tobasa produz óleo e álcool de babaçu, carvão ativado, torta de babaçu e endocarpo (utilizado como substituto de carvão vegetal comum em churrasqueiras). Fabrica seu próprio sabão de coco e vende óleo de babaçu para a Gessy-Lever, Colgate, Química Amparo (que produz o sabão Ypê) e Minuano (marca pertencente ao grupo Friboi).

Produtoras de ferro-gusa, matéria-prima para o aço, as siderúrgicas Cofergusa – Indústria e Comércio de Ferro Gusa União Ltda, na Bahia, e Simasa – Siderúrgica do Maranhão S.A, propriedade do Grupo Queiroz Galvão, no Maranhão, também entraram para a lista. Três trabalhadores escravos foram libertados quando produziam carvão vegetal para a Cofergusa, enquanto 57 estavam em carvoarias que abasteciam a Simasa. Elas se juntam à Viena Siderúrgica, que já se encontrava na lista.

Repressão econômica
De acordo Patrícia Audi, coordenadora nacional do projeto de combate ao trabalho escravo da Organização Internacional do Trabalho, a "lista suja" é um dos mais importantes e eficazes instrumentos para a erradicação da escravidão no Brasil, pois atinge economicamente os negócios que utilizam esse tipo de mão-de-obra. Instituições financeiras tanto públicas, como o Banco do Brasil, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste e o BNDES, quanto privadas, como o ABN Amro, Santander e Bradesco, não emprestam recursos para os relacionados na "lista suja". A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) também assumiu o compromisso de recomendar aos seus associados que sigam o mesmo caminho e não emprestem ou financiem a essas pessoas físicas e jurídicas.

Ao mesmo tempo, as mais de 80 empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo se comprometeram a acabar com esse tipo de crime em suas cadeias produtivas. Para isso, negam-se a adquirir, direta ou indiretamente, mercadorias produzidas por fazendas da "lista suja". Estão entre as empresas que adotaram esse comportamento as redes varejistas Carrefour, Pão de Açúcar e Wal-Mart, os distribuidores de combustível Ipiranga, Petrobrás e Shell, a indústria têxtil Coteminas, entre outras, representando uma parcela significativa do PIB nacional.

O Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) analisam as propriedades listadas para verificar se estão regulares. Em caso de comprovação de grilagem, as terras poderão ser destinadas à reforma agrária. Resultados prévios desse levantamento apontaram para problemas fundiários em mais da metade das propriedades da "lista suja".

A íntegra da "lista suja" pode ser consultada por meio do serviço de busca em português, inglês, francês e alemão no site da Repórter Brasil. A atualização também poderá ser acessada no site do Ministério do Trabalho e Emprego.

Colaboraram Beatriz Camargo, Fabiana Vezzali e Iberê Thenório.

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