Pará

Vitória de Ana Julia pode mudar quadro de violência, avaliam movimentos sociais

Madeireiros, grileiros e setores do agronegócio, pivôs de conflitos agrários, perdem força com eleição de petista, dizem movimentos. Mas aliança com Jader Barbalho preocupa
Verena Glass
 31/10/2006

Depois de 12 anos sob o comando do PSDB, o Pará passará à administração do PT em 1º de janeiro, com a vitória de Ana Julia Carepa, atual senadora pelo mesmo partido. Ana Julia, que concorreu neste segundo turno com o tucano Almir Gabriel, ex-governador por dois mandatos entre os anos de 1995 e 2002, venceu as eleições com 54,93% dos votos válidos. O atual governador, Simão Jatene, também é do PSDB.

A derrota de Almir Gabriel está sendo vista pelos movimentos sociais como um potencial enfraquecimento de setores responsáveis, em grande medida, pelos conflitos agrários e pela violência no campo – madeireiros ilegais, grileiros e exploradores de trabalho escravo, cuja atuação levou o Pará a bater todos os recordes em violência agrária no Brasil.

Em outubro de 2003, o ex-governador foi levado a júri no Tribunal Internacional dos Crimes do Latifúndio do Pará, julgamento simbólico presidido pelo jurista Hélio Bicudo. Gabriel e o co-réu, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, foram condenados por relação e co-responsabilidade com crimes de violação do direito à vida, direito à liberdade, direito a um Judiciário independente e imparcial, da proibição do trabalho escravo e por crimes contra o meio ambiente, após a análise de um processo de mais de mil páginas com casos de assassinatos, prisões ilegais, tortura, ameaças de morte, trabalho escravo, perseguição do Judiciário, impunidade dos criminosos e crimes ambientais.

Nesta eleição, o apoio dos setores que se beneficiaram com a falta de fiscalização e controle da ocupação fundiária – o Pará é o Estado com mais terra grilada no país – foi mais evidente na região sudoeste, e na faixa entre a Transamazônica e o rio Amazonas, última grande região em disputa fundiária, afirma Tarcisio Feitosa, coordenador da Comissão Pastoral da Terra em Altamira.

Segundo Feitosa, foi durante a gestão de Gabriel que o fazendeiro Cecílio Rego de Almeida, considerado pela Justiça o maior grileiro do país, construiu o seu império agrário. Na mesma direção, o advogado José Batista, que tem atuado na defesa do MST em Marabá, afirma que a ação de fazendeiros e madeireiros foi, na verdade, favorecida na gestão tucana em nome do progresso do Estado.

“O governo do PSDB nunca moveu uma palha contra madeireiros e grileiros. A ligação entre estes setores e o ex-governador Almir Gabriel é clara, são tradicionais aliados. E as ofensivas de ordenamento fundiário do Incra e o controle do desmatamento pelo Ibama no governo Lula, mesmo que insuficientes, fizeram com que este grupo se aproximasse mais do governo estadual”, explica Batista.

Em relação ao embate de campanha, correligionários de Gabriel ligados a Almeida chegaram a agredir pessoas durante um ato na Associação Comercial e Agropastoril de Altamira, comandado pelo ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, na última terça (25), relata Feitosa. Nesta oportunidade, o ministro anunciou o início das obras de pavimentação do trecho Altamira-Medicilândia da Transamazônica. Faixas agradecendo às obras também foram rasgadas. Não é por acaso que em Altamira e região Ana Julia não ganhou, acrescenta. “Neste segundo turno e, principalmente, no domingo, dia da eleição, havia muita tensão na cidade. Os apoiadores e militantes do PT não conseguiram fazer campanha”, comenta o coordenador da CPT.

Governo do PT
Para os movimentos sociais, a vitória do PT no Pará é importante principalmente na perspectiva de um casamento de políticas federais e estaduais no combate à violência, ao trabalho escravo, às grilagens e ao desmatamento. Também em relação às ações das polícias Civil e Militar, cuja truculência levou a tragédias como a chacina de Eldorado dos Carajás, há expectativas de uma possível mudança de atitude.

Segundo Tarcisio Feitosa, o que se espera agora da administração petista são ações de competência do Estado no combate aos delitos ambientais, fundiários e sociais, principalmente através do fortalecimento do Instituto de Terras do Pará (Iterpa). O novo governo, se espera, também deve encaminhar outras ações mais simples – mas igualmente importantes para as organizações sociais –, como a contratações de monitores para os projetos das Casas Familiares Rurais, adequação do modelo de desenvolvimento dos assentamentos rurais às demandas e realidades locais etc.

Historicamente próxima aos movimentos sociais, Ana Julia também poderá diminuir o ritmo dos despejos de pequenos agricultores em terras do estado, acredita José Batista. Haveria também uma possibilidade maior de influenciar a Justiça a mudar o quadro de impunidade, de um lado, e criminalização das lutas sociais, do outro, afirma Batista.

Para o advogado, o grande ‘senão’ da nova gestão é a aliança do PT com o PMDB de Jader Barbalho. Na relação com os setores oligárquicos do Pará, Barbalho não fica atrás dos tucanos, diz Batista. Um exemplo de aliada histórica é a família Mutran, envolvida reincidentemente com trabalho escravo e grilagem de terras. “Só espero que o governo não ceda a pressões e se torne novamente porta-voz destes setores”.

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