Cerca de 300 agricultores do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) ocuparam, nesta terça-feira (31), a sede do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), na capital federal. Eles reivindicam a resolução do impasse entre as cerca de 900 famílias expulsas no processo de construção da hidrelétrica de Cana Brava, localizada no município de Minaçú, ao norte de Goiás, e a empresa belga Tractebel-Suez, principal acionista da obra. Os atingidos querem que o banco pressione a empresa a pagar reparações adequadas que recuperem os prejuízos econômicos, sociais e culturais sofridos pelas famílias expulsas.
Desde a construção da barragem, há três anos, as famílias brigam por medidas que garantam a adaptação para sua nova situação. Segundo informações do MAB, a empresa sempre se negou a dialogar, inclusive não reconhecendo a organização dos atingidos.
O movimento vinha reivindicando que a empresa cumprisse as contrapartidas exigidas pelo BID, já que o banco havia financiado cerca de 30% da construção da usina. A movimentação das famílias fez com que o BID encomendasse a produção de três relatórios sobre os impactos da construção da hidrelétrica de Cana Brava e as suas conseqüências para a vida das famílias atingidas. Segundo informações do movimento, todas as avaliações “constataram as arbitrariedades da Tractebel-Suez no trato e no descaso com as famílias atingidas”. Levantamento feito pelo MAB revela que 70% das famílias ainda não receberam qualquer tipo de compensação.
Impasse
O impasse entre o MAB e a empresa ficou mais crítico quando a Tractebel-Suez anunciou o pagamento antecipado do financiamento obtido junto ao BID. Segundo a coordenação do movimento, a ação constituiu “uma tentativa clara de desfazer-se dos compromissos com a população e das pressões do Banco”. Na pauta de reivindicações apresentada ao BID e ao escritório da Tractebel-Suez no Brasil, o movimento pede que “os recursos da empresa sejam prioritariamente investidos na solução dos problemas sócio-ambientais causados pela barragem”. Estudos divulgados pelo movimento alegam que, em função da barragem, foram registrados na região focos de dengue e contaminação de mais de 1500 cabeças de gado pela raiva animal.
Na sua pauta de reivindicações, o movimento demanda ainda o reassentamento imediato de 580 famílias, ajuda mensal no valor de R$ 300 para as 986 famílias atingidas, crédito no valor de R$ 3.000 por família para que estas possam investir na produção para recuperação da renda perdida, e revisão das indenizações já concedidas. Do Governo Federal, o MAB exige a suspensão da Licença de Operação da barragem, fornecimento de cestas básicas, subsídio para o preço da energia elétrica, linhas de crédito especiais aos atingidos, e recursos voltados para a reforma das habitações e a construção de casas novas.
Para intensificar a pressão sobre a empresa, o MAB ocupou a barragem de Cana Brava no último dia 22. No dia 25, a resposta da empresa veio em forma de repressão, quando a direção da barragem acionou a polícia militar, que, de forma truculenta, avançou sobre o acampamento dos atingidos, ferindo dez pessoas e prendendo a dirigente Crisitane Nadalete. Mesmo após a tentativa de intimidação, no entanto, 150 famílias continuam acampadas em frente ao portão da barragem. Outra tentativa de desmobilizar dos atingidos se deu por meio de uma proposta da Tractebel-Suez de divulgar uma nova lista de 180 famílias que teriam acesso ao benefício produzida por uma equipe do BID a partir de uma auditoria feita em 2002.
Ao mesmo tempo em que os militantes do MAB ocupavam o escritório do BID em Brasília, a coordenação nacional do movimento se reunia com uma comissão da empresa estatal Furnas para negociar a situação de outras 630 famílias atingidas pela barragem de Serra da Mesa, também no município de Minaçú, no norte de Goiás. Assim como no caso de Cana Brava, as famílias reivindicam reassentamento com terra em condições de plantio e em área adequada de acordo com critérios do Incra, recursos mensais para auxílio na renda das famílias, crédito subsidiado e a revisão das indenizações.
BID e MAB divergem sobre a solução
Em entrevista coletiva direto da sede do BID em Washington, o responsável por financiamentos para empresas privadas na área energética do banco, Roberto Vallutin, relativizou a responsabilidade da instituição na resolução do problema. “Entramos com um terço do valor da obra, enquanto o outro terço financiado foi concedido pelo BNDES e o resto veio da própria empresa. A responsabilidade de resolver isso não é só nossa”. Ele enfatizou a pequena margem de manobra do banco no problema pois oficialmente a Tractebel-Suez já não possui obrigação de reparar as famílias de acordo com os critérios estabelecidos pelo BID por ter quitado a dívida.
Segundo Vallutin, mesmo que a empresa ainda tivesse de cumprir com as contrapartidas, estas seriam aplicadas a 260 famílias reconhecidas pelo banco como legítimas de recebimento das reparações, o que contradiz a pauta do MAB, que reivindica ações para 986 famílias da região. O representante do BID declarou que o banco já está estudando a criação de um fundo de desenvolvimento para a região.
O banco ainda estaria em diálogo com as prefeituras dos municípios atingidos pela barragem para identificar áreas com potencial econômico e social na região. Vallutin anunciou que o BID já interviu junto à Tractebel-suez e que esta se comprometeu a tomar providências com o auxílio do Ministério Público.
Para Gilberto Cervinski, da coordenação do MAB, todas as partes envolvidas na construção da barragem têm responsabilidade para com os danos causados, que já ultrapassam as famílias atingidas e se alastram na região. “Um estudo mostrou que, em quatro meses, 500 animais morreram por conta do ataque de morcegos, o que não acontecia antes de Cana Brava existir”, afirma. O dirigente explica que a escolha do BID como local da ocupação se deu pelo fato do movimetno entender que o banco tem responsabilidade específica também. “Eles fizeram três relatórios que apontaram uma série de irregularidades e agora não querem divulgar estas informações”, denuncia.
Cervinnski alega também que o pagamento da dívida feito pela Tractebel teria sido resultado de um acordo entre ela e o BID para não ter de lidar mais com os problemas das famílias atingidias. “Eles preferiram pagar muito mais do que o valor necessário para atender as nossas demandas somente para não ter de lidar com a situação”, argumenta. Em relação a alegação do BID de que não haveria mais responsabilidade oficial do banco pelo saldo da dívida, o dirigente do MAB questiona: “quer dizer que a relação se dá por um empréstimo, e não pela preocupação sobre o que está acontecendo com as famílias?”.
Ele revela que o cerne da disputa está no medo da Tractebel-Suez de abrir um precedente que poderá ser usado pelos atingidos de todas as barragens que a empresa construiu (como é o caso de Itá, em Santa Catarina) ou vai construir. “Avisamos em uma audiência dois anos atrás com a ministra Dilma Roussef, não vamos mais ficar escondidos pagando sozinhos a conta social das barragens, iremos à público reivindicar nossos direitos”, completa.
Da Agência Carta Maior