Inocêncio Oliveira, 1º secretário da Câmara, é condenado em segunda instância

O deputado federal Inocêncio Oliveira (PL-PE), que é o primeiro secretário da Câmara, teve sua condenação por uso de trabalho escravo confirmada nesta terça-feira (7), pelo Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região (Maranhão). Ele era proprietário da fazenda Caraíbas quando, em 2002, foram libertadas 53 pessoas mantidas como escravos. Indenização pode chegar a R$ 300 mil
Por Leonardo Sakamoto
 07/02/2006

O Tribunal Regional do Trabalho da 16a Região (Maranhão) confirmou a condenação do deputado federal e primeiro secretário da Câmara dos Deputado Inocêncio Oliveira (PL-PE) por reduzir trabalhadores à condição análoga à de escravo. Na tarde desta terça-feira (7), por 4 a 3, os desembargadores decidiram manter a decisão de obrigar o deputado a pagar uma indenização que pode chegar a R$ 300 mil.

Inocêncio era proprietário da fazenda Caraíbas, no Maranhão, quando, em março de 2002, foram libertadas 53 pessoas que eram mantidas como escravos. Os trabalhadores vinham de União, no Piauí, município com altos índices de aliciamento por “gatos” (contratadores de mão-de-obra a serviço do fazendeiro). Durante a fiscalização na fazenda, uma ordem que teria surgido do governo federal na época fez com que os policiais federais que acompanhavam o grupo móvel de fiscalização se retirassem, deixando os auditores sem segurança. Houve pressões do poder executivo para que o caso fosse encoberto. Contudo, mesmo assim, o grupo móvel de fiscalização foi até o fim e a libertação dos trabalhadores ganhou repercussão nacional. O caso foi encampado pelo Ministério Público do Trabalho e pela Procuradoria Geral da República.

Meses depois, Inocêncio vendeu a propriedade, que fica no município de Gonçalves Dias, no Maranhão, mas isso não o livrou de constar na primeira “lista suja” do trabalho escravo. Entre novembro de 2003 e novembro de 2005, ele ficou impedido de receber créditos de bancos e agências públicas de financiamento.

Mas para o advogado do deputado, João Agripino, Inocêncio Oliveira saiu vitorioso do julgamento. “Os desembargadores reconheceram que não havia trabalho escravo, mas sim trabalho degradante, figura não prevista na legislação trabalhista.” Ele afirmou que irá recorrer da condenação pela indenização.

De acordo com Maurício Lima, do Ministério Público do Trabalho, entidade responsável pela ação, a fazenda apresentava sim condições análogas à de escravo. Segundo ele, o réu quer desinformar, fazer um jogo de palavras. “A redação do artigo 149 do Código Penal afirma que o trabalho degradante, que viola a dignidade do trabalhador enquanto ser humano, é análogo ao de escravo. Na fazenda, há provas documentais de que as pessoas eram tratadas como animais”, afirma Lima. De acordo com ele, a própria presidente do Tribunal, que votou contra Inocêncio na sessão, disse que, pela doutrina, havia condição análoga à de escravo.

O processo julgado nesta terça-feira havia sido dividido em duas partes. Na primeira, Inocêncio foi condenado a pagar uma indenização ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Fontes consultadas por esta reportagem afirmam que o valor pode chegar a R$ 300 mil. O montante é menor do que o da condenação original (R$ 530 mil).

James Magno, desembargador do Tribunal, deu o voto que desempatou o caso. Na sua justificativa, fez uma longa defesa dos direitos humanos. Disse que a decisão era de muita responsabilidade, pois se tratava também de mudar um quadro de exploração econômica que perdura no Brasil há 500 anos. Tanto o relator do processo, Américo Bede, quanto a sua revisora e presidente do TRT da 16ª Região, Kátia Arruda, votaram pela condenação.

A segunda parte do processo tratava das “obrigações de fazer”, ou seja, as medidas que o réu deveria tomar para adaptar-se à lei, como construção de alojamentos decentes e garantia de alimentação para os funcionários.

Inocêncio ganhou nessa parte, pois quatro desembargadores votaram pela extinção da ação sem julgamento do mérito. A justificativa é de que, como a fazenda foi vendida, não havia como ele colocar em prática essas obrigações. Três desembargadores discordaram. Queriam que as obrigações estivessem vinculadas a Inocêncio Oliveira e, portanto, às suas demais fazendas.

O deputado havia sido condenado em primeira instância pelo juiz Manoel Lopes Veloso Sobrinho, da Vara do Trabalho de Barra do Corda, interior do Maranhão, após ação do Ministério Público do Trabalho. O julgamento do processo em segunda instância já havia sido adiado duas vezes: em janeiro de 2005, pela juíza Ilka Esdra Silva Araújo, e em fevereiro do mesmo ano, pelo juiz Alcebíades Tavares Dantas.

A condenação pela Justiça do Trabalho pode atrapalhar os próximos vôos políticos de Inocêncio. Ele deixou o PFL, legenda que ele colaborou a consolidar, mas hoje está no PL, de olho na possibilidade de concorrer ao governo do Estado de Pernambuco em 2006.

A libertação dos trabalhadores da fazenda Caraíbas não é a única mancha no currículo de Inocêncio Oliveira – que já foi acusado de utilizar verbas públicas do então Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS) para a construção de poços artesianos em suas fazendas.

Denúncia ao STF
Inocêncio também foi denunciado ao Supremo Tribunal Federal pelo então procurador-geral da República Cláudio Fonteles (inquérito 2054) pelo crime de aliciamento de trabalhadores e redução deles à condição de escravos.

No dia 16 de fevereiro de 2005, um dia após o deputado federal ter sido eleito primeiro secretário da Câmara dos Deputados, o julgamento da denúncia foi adiado. O motivo foi um pedido de vistas dos autos pelo ministro Joaquim Barbosa. Ele interrompeu uma seqüência de votos favoráveis a Inocêncio, uma vez que o engavetamento da denúncia já contava com dois votos: o de Eros Grau e o da relatora Ellen Gracie. A ministra defendeu que não há novas provas para a reabertura de investigações contra Inocêncio. Um procedimento administrativo já havia sido arquivado anteriormente pelo então procurador-geral da República Geraldo Brindeiro, que afirmou que o deputado não teria agido com dolo. Em outras palavras, havia sido sem intenção a redução dos trabalhadores à condição de escravos.

Em outubro de 2003, uma denúncia foi instaurada pelo atual procurador-geral, Cláudio Fonteles, que, ao contrário de seu antecessor, considerou culpados tanto o deputado quanto o gerente da fazenda Caraíbas, Sebastião César de Andrade. De acordo com ele, os trabalhadores estavam em um “quadro claro de servidão por dívida”.

Outras testemunhas foram arroladas, entre elas auditores que participaram da libertação. Porém, a ministra Gracie considerou que uma nova tomada de depoimentos dos auditores não seria uma prova válida para a abertura de um processo.

Ela comungou da opinião de Brindeiro e disse em seu relatório que a inexi
stência de “algemas” seria um dos elementos que descaracterizaria o crime de trabalho escravo, previsto no artigo 149 do Código Penal. O relatório da fiscalização aponta exatamente o oposto, mostrando que a fazenda Caraíbas possuía todas as características que definem a servidão por dívida.

Vale ressaltar que “algemas” não são utilizadas para manter um trabalhador em situação de escravidão contemporânea, como afirma a ministra Ellen Gracie. Pelo contrário, o cerceamento de liberdade pode se manter de maneira que podem ser as mais sutis, como ameaças e tortura psicológicas, passando pelo confinamento em locais ermos e distantes, até espancamentos exemplares e mortes de trabalhadores que reclamam das condições a que estão sujeitos.

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