Mais uma análise de laboratório constatou a presença de milho transgênico no Rio Grande do Sul. Das 41 amostras de milho – envolvendo folhas, espigas e grãos – colhidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) durante operação no estado, uma apresentou resultado positivo para transgenia, com índice de 0,43%. A amostra foi coletada numa casa comercial da região de Santo Ângelo e destinava-se à alimentação animal. O Mapa determinou a suspensão da venda do produto e realizará nova inspeção no estabelecimento.
Entre 30 de novembro e 16 de dezembro, a Superintendência Federal de Agricultura realizou operação de fiscalização no noroeste do estado para apurar denúncia de plantio ilegal de milho geneticamente modificado. O Mapa coletou amostras em 36 áreas da lavoura e em 11 revendas de produtos agropecuários em 27 municípios da região.
O material foi enviado ao Laboratório SGS do Brasil, em Santos (SP), onde foi constatada a presença de 0,43% de transgenia numa das amostras recolhidas na casa comercial. Segundo os técnicos do Ministério da Agricultura, a presença de transgenia no produto pode ser “não intencional”. Nenhuma das amostras coletadas em lavouras apresentou resultado positivo para transgenia, informou o Mapa.
O plantio e a comercialização do milho transgênico não estão autorizados no país e o infrator está sujeito a uma pena de reclusão de um a dois anos, além de multa, que pode variar de R$ 200 mil a R$ 1,5 milhão, conforme prevê a Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005. Quando identificado, o produto deve ser apreendido e destruído, determina a legislação. No final de 2005, na região norte do RS, foi constatada a venda ilegal de milho transgênico contrabandeado da Argentina.
Repetição do padrão soja?
Em novembro, o deputado estadual Frei Sérgio Görgen (PT-RS) e a Via Campesina denunciaram a venda ilegal de milho transgênico no município de Barão do Cotegipe. O produto estaria sendo introduzido ilegalmente no estado através da Argentina. O parlamentar denunciou o fato ao Ministério Público Federal no dia 10 de novembro, apontando indícios de que diversos agricultores da região plantaram o milho em 2005.
Testes laboratoriais solicitados pelo parlamentar mostraram que o milho comercializado apresentava 27,5% do gene GA21, resistente ao herbicida glifosato. Esse gene está presente no milho transgênico RR GA21, da Monsanto, largamente utilizado na Argentina. Esse milho estaria sendo comercializado, sem nota fiscal, na região de Barão do Cotegipe, pela Agropecuária Campesato. O proprietário da empresa, Jânio Luciano Campesato, teria prometido para breve o fornecimento de uma semente ainda mais pura.
A presença de milho transgênico nas lavouras gaúchas parece repetir o padrão verificado na introdução da soja transgênica, que também ocorreu de forma ilegal e acabou criando um fato consumado. Mas o impacto ambiental e econômico, no caso do milho, pode ser maior do que o que ocorreu com a soja. O risco de contaminação é muito maior e pode contaminar rapidamente todo o milho do Estado.
A polinização do milho é aberta e cruzada e pode se propagar por até nove quilômetros através de insetos, pássaros ou correntes de ventos. Mesmos nos países onde o plantio comercial de milho transgênico foi aprovado, uma das precauções é manter áreas de refúgio, planejadas antecipadamente, como forma de proteção. O plantio anárquico de milho transgênico pode colocar em risco a avicultura e suinocultura que dependem de exportação. Mercados importadores de aves e suínos não aceitam alimentação transgênica na produção destas carnes.
Frigoríficos em alerta
A ameaça de contaminação transgênica na ração animal já preocupa os setores da avicultura e da suinocultura no estado. Vinte e um frigoríficos ligados à Associação Gaúcha de Avicultura decidiram fazer testes de transgenia no milho que fornecem aos animais. O custo dos testes ficará a cargo dos próprios frigoríficos. Eles querem garantir o status de produto livre de transgênico junto ao mercado externo.
Uma contaminação de milho transgênico na ração animal pode ser desastrosa economicamente para um estado que produziu cerca de um milhão de toneladas de carne de frango em 2005. As indústrias de suinocultura demonstram a mesma preocupação em realizar os testes, mas reclamam que eles deveriam ser pagos pelos produtores que tomaram a iniciativa de plantar ou vender milho transgênico ilegalmente. O certo é que os testes deverão ser feitos, conforme decisão já anunciada pelo Ministério da Agricultura.
No final de 2005, quando surgiram as primeiras notícias sobre a presença ilegal de milho transgênico em território brasileiro, o secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente, Cláudio Langone, advertiu que o caso poderia ter conseqüências mais graves para a produção agrícola do que o que ocorreu com a soja. Na época, Langone lembrou que a soja não é um prduto de polinização direta como é o milho.
Em dezembro, o Ministério do Meio Ambiente alertou a Polícia Federal e o Ministério da Agricultura sobre a necessidade de uma ação rápida e enérgica para impedir a importação clandestina de sementes de milho transgênico, o que já é uma realidade ao menos no caso do Rio Grande do Sul.
Os planos da Monsanto
E, a julgar pelo que ocorreu no caso da soja e do algodão, as portas da transgenia poderão se abrir também para o milho. A Monsanto está desenvolvendo pesquisas com milho transgênico em sua unidade de Uberlândia (MG), onde adaptou um de seus laboratórios de pesquisa para trabalhar exclusivamente com análise de transgênicos. Além disso, protocolou dois pedidos na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) pedindo a aprovação comercial para o milho Guardian (resistente a insetos da ordem Lepidóptera) e para o milho Roundup Ready, tolerante ao herbicida glifosato.
Atualmente, a empresa detém cerca de 10% do mercado de sementes convencionais de milho no Brasil com as marcas Dekalb e Agroceres. A Monsanto também solicitará à CTNBio autorização para a realização de pesquisas no Brasil com o objetivo de adaptar as variedades de milho Yielgard (resistente a insetos) e de milho e algodão Roundup Ready.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), a Terra de Direitos, o Greenpeace e a Associação de Agricultura Orgânica (AAO) encaminharam ao Ministério Público do Distrito Federal uma representação solicitando a abertura de inquérito para a investigação do plantio e comercialização ilegais de uma variedade de milho transgênico da Monsanto no RS.
As entidades argumentam que a saúde da população brasileira e o meio ambiente estão em sério risco diante da existência de milho geneticamente modificado em território brasileiro. Além disso, assinalam que “o recente episódio da soja transgênica Roundup Ready, da Monsanto, deve servir de alerta”. “Sob a alegação de fato consumado, o presidente da República autorizou sua liberação nos anos de 2003, 2004 e 2005, por meio de medidas provisórias, ao arrepio da lei e em manifesta afronta ao Poder Judiciário”, protestam as organizações.
Da Agência Carta Maior