Construção civil

Obra da prefeitura de Valinhos empregava trabalho escravo

Gestão da cidade paulista diz que já havia observado irregularidades. Grupo de 60 vítimas saiu da Bahia com promessa de bons salários e foi incluído em esquema de quarteirização
Por Guilherme Zocchio
 28/02/2013

Uma obra de responsabilidade da prefeitura de Valinhos, cidade a 12 km de Campinas, no interior de São Paulo, foi flagrada explorando 60 trabalhadores em situação análoga à de escravo. Em fiscalização ocorrida na última quinta-feira (21), o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) constataram que as vítimas estavam sujeitas a condições degradantes e haviam sido levadas do interior da Bahia com a promessa de receberem bons salários. Todos foram libertados e tiveram a situação regularizada.

A prefeitura de Valinhos informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que detectou irregularidades na construção inspecionada antes da chegada do MPT e dos fiscais do MTE à cidade. A gestão municipal afirma haver percebido  problemas na contratação dos trabalhadores já em 12 de fevereiro e, por isso, notificou a empreiteira a regularizar a situação de seus funcionários.

Trabalhadores dormiam em alojamentos precários, feitos com tapumes de madeira
Trabalhadores dormiam em alojamentos feitos com tapumes (Fotos: Divulgação/ MPT)

O grupo de 60 pessoas, no entanto, era empregado pela Consval Construtora, empreiteira subcontratada pela Palácio Construções, em um sistema de quarteirização. Esta última companhia era a ganhadora da licitação em Valinhos (SP) e, portanto, tinha a responsabilidade legal de realizar as obras. A Repórter Brasil tentou contato com o responsável pela empresa, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.

Por sua vez, João Batista Aparecido, representante da Consval, afirma que a construtora não tem culpa pelo ocorrido e alega que a situação “é diferente” da constatada pelos fiscais do MTE. “A responsabilidade foi jogada sobre a empresa. Mas existem coisas além disso.” Ele também nega a existência de formas de escravidão no empreendimento. “As pessoas contratadas nem chegaram a trabalhar, por isso não há como dizer que havia trabalho escravo”, argumenta.

De acordo com a prefeitura, as obras estavam paradas desde outubro de 2012, por conta das eleições. Pouco depois de assumir o mandato, a nova administração do município determinou o reinício da construção, mas esbarrou nos problemas trabalhistas mencionados. Além disso, a gestão municipal também observa que “abriu procedimento administrativo e notificou a construtora a providenciar a imediata rescisão contratual com a subcontratada”.

Sanitário improvisado, sem as mínimas condições de higiene
Sanitário sem as mínimas condições de privacidade ou higiene

Aliciamento e residência
Segundo apurou o MPT, os 60 trabalhadores foram a Valinhos (SP) em um ônibus clandestino que saiu do interior baiano. Eles haviam recebido a promessa de que ganhariam salários de entre R$ 1,2 mil e R$ 1,5 mil por mês, com a possibilidade de somarem até R$ 3 mil, dependendo da produtividade. “A empresa os contratou a partir do contato de uma pessoa indicada. Os trabalhadores já estavam no estado de São Paulo”, diz o responsável pela Consval, que nega o envolvimento da firma no aliciamento dos trabalhadores migrantes.

As vítimas escravizadas residiam em alojamentos feitos de tapume, sem janelas, com camas de beliche improvisadas com tábuas de madeira, e dividiam cada quarto entre seis a oito pessoas. Em alguns dos dormitórios havia vazamento de água vinda dos sanitários, que deixava o local úmido e com cheiro ruim. Ao fim da inspeção trabalhista, os fiscais do MTE interditaram e mandaram que as instalações fossem demolidas.

A fiscalização determinou que as empresas se comprometessem a arcar com os custos da passagem de volta dos trabalhadores ao município de origem na Bahia. Até lá, eles ficariam hospedados em um hotel custeado pelas duas construtoras. O representante da Consval Construtora afirmou por telefone à Repórter Brasil que já está seguindo todas as determinações do MTE e do MPT.

Outras infrações trabalhistas ainda teriam sido cometidas pelos empregadores, conforme depoimentos do grupo libertado colhidos pelo Ministério Público. Alguns funcionários disseram que no dia anterior à fiscalização haviam sido desligados do serviço, sem terem recebido a quantia a que teriam direito nem condições para voltarem ao local de origem. “Eles disseram para que procurássemos um parente ou outro lugar para trabalhar. Queriam nos deixar aqui”, denunciou uma das vítimas.

Chuveiro improvisado no abrigo em que o grupo estava alojado; fiação exposta oferecia riscos
Fiação exposta de chuveiro improvisado oferecia riscos

Ajuste de conduta
Em audiência na prefeitura, Mário Antônio Gomes, o procurador do MPT responsável por acompanhar a fiscalização, propôs um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) ao município e às duas construtoras envolvidas. As empresas se comprometeram a pagar os direitos trabalhistas das vítimas, além de férias proporcionais, 13º salário e FGTS. A gestão municipal ficou responsável por inspecionar o cumprimento do TAC.

No caso do não cumprimento do acordo, o Poder Executivo de Valinhos (SP), assim como a Palácio Construções, terão de arcar com multa no valor de R$ 40 mil. A multa à Consval Construtora está fixada em R$ 20 mil.

Até a semana que vem, o procurador do MPT deve propor um novo TAC à administração da cidade paulista. De acordo com a Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª região (PRT-15), o objetivo é que o município fiscalize as suas obras para evitar que outros casos de trabalho escravo ocorram em empreendimentos públicos. “É uma das obrigações da prefeitura fiscalizar as obras e exigir que as eventuais irregularidades sejam corrigidas”, destacou em nota a gestão municipal.

*com informações da Assessoria de Comunicação da PRT-15

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