Com apoio dos governos estadual e federal e de parte das entidades sindicais, projetos de parceria entre agricultores familiares e grandes empresas para a produção de dendê (ou palma) estão se expandindo em lotes de pequenos agricultores no nordeste do Pará. Segundo a Secretaria de Estado de Agricultura (Sagri), de 2010 a 2012 foram feitas 889 parcerias entre empresas e agricultores familiares, e na safra 2012/13, de acordo com o Banco da Amazônia (BASA), a perspectiva é que 1.610 novas famílias sejam integradas à agroindústria do dendê. A produção se intensifica, mas, na prática, os pequenos agricultores não têm se beneficiado como poderiam do processo. É o que aponta o relatório “Expansão do dendê na Amazônia brasileira: uma análise dos impactos sobre a agricultura familiar no nordeste do Pará”, produzido pelo Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis da Repórter Brasil e divulgado nesta quarta-feira, 12 de junho.
A participação da agricultura familiar no cultivo de palma está ampliando a área ocupada pela cultura na região, que engloba 37 municípios adequados à atividade, segundo o Zoneamento Agroecológico do Dendê. Atualmente, de acordo com dados da Sagri, somando-se as áreas próprias de empresas como Agropalma, Biopalma Vale,Yossan, Dempasa, Marborges, Dentauá, Petrobras/ Galp, ADM e Palmasa, às ocupadas com dendê na agricultura familiar, a região contabiliza cerca de 166 mil hectares de dendezais.
Para apoiar esta expansão, voltada principalmente para produção de agrocombustíveis, o governo federal ampliou os recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) Eco Dendê na safra 2013/14. De acordo com o BASA, o programa dispõe atualmente de R$ 124,8 milhões só para a cultura – o equivalente a 93% dos gastos de todo o Pronaf em 2012 no Pará, que foram de R$ 134,1 milhões. A expectativa é que, com 10 hectares, no pico produtivo – que se estende do quinto ao 18º ano de vida das palmeiras – a renda dos agricultores com a produção giraria em torno de R$ 2 mil mensais.
Custos x receita
Uma base de cálculo de gastos e ganhos, elaborada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em parceria com a empresa Dendê do Pará S.A. (Denpasa) em 2010, tem ordenado os financiamentos do Pronaf Eco Dendê, que atualmente disponibiliza até R$ 80 mil por família com prazo de 14 anos (prorrogáveis por mais seis) para quitação dos débitos. A estimativa das empresas é que, se manejado de acordo com as indicações técnicas, em 10 h uma família poderá produzir de 80 toneladas de dendê por ano a partir do terceiro ano, até 280 t/ano a partir do 10º ano (a estimativa da vida produtiva de uma palmeira é de 25 anos, duração também dos contratos entre agricultores e empresas).
Na prática, porém, os cálculos apresentam algumas distorções se fossem aplicados ao pé da letra em 2013. Além da inflação dos últimos três anos, que aumentou os custos com insumos, mão-de-obra, equipamentos de proteção individual, instrumentos de trabalho (como pulverizadores) e horas-máquina, muitos agricultores produzem bem menos e utilizam bem mais agrotóxicos, mão-de-obra e outros itens do que o previsto pela Embrapa.
Primeira colheita: prejuízo de R$ 711 Raimundo Lopes dos Reis (foto ao lado), agricultor de Concórdia do Pará, por exemplo, iniciou uma parceria com a Biopalma Vale no início de 2010. Plantou 10 hectares e tomou R$ 57,5 mil emprestados no banco, aportando mais R$ 8 mil do próprio bolso. Em janeiro de 2013, começou a colher e, satisfeito, conta que ganhou R$ 1,8 mil com o dendê. Questionado se este valor cobriu os custos de produção, Raimundo dos Reis começou a fazer contas. Para ajudar no trabalho de adubação e coroamento das palmeiras (aplicação de herbicida ao redor das plantas), Raimundo contratou quatro pessoas por cinco dias, a R$ 30 a diária: um gasto de R$ 600. Depois, foram contratadas mais três pessoas por seis dias para ajudar no trato e na colheita da lavoura. Gasto: R$ 540. Mais duas diárias de trator (a R$ 300 a diária), R$ 600. Adicionando a isso R$ 666 de adubo e R$ 105 de veneno, os gastos totais foram de R$ 2.511, contra R$ 1.800 de renda. Dessa forma, em janeiro o agricultor teve um “prejuízo” de R$ 711. |
Pode-se argumentar que o caso citado de Raimundo dos Reis é característico para os que estão iniciando o cultivo do dendê. Com o passar dos anos e o aumento da produção, também aumentará a renda. Ainda assim, é possível fazer uma estimativa grosseira do que poderá ocorrer. Por exemplo, tomemos como base a comunidade de Arauaí, em Moju, que já planta dendê em parceria com a Agropalma há quase dez anos. A produtividade média das famílias é de 20 toneladas por ha/ano, segundo a empresa. Multiplicando a produção por 10 hectares, tem-se 200 toneladas/ano por família. Com base no preço de R$ 255 pagos pela tonelada (cotação da Agropalma em 12/03/2013), o rendimento médio bruto da área ficaria em R$ 51 mil/ano. Dividido por 12 meses, são R$ 4.250/mês.
Do total da renda advinda da produção, porém, 25% são retidos pelo BASA para quitação do financiamento, e 25% para o pagamento do adubo, fornecido pela empresa. Isso significa uma diminuição de 50% no ganho líquido, que passaria a girar em torno de R$ 2.125. Calculando os gastos de manejo, com base na experiência de Raimundo dos Reis, pode-se concluir que, tirando o adubo, já contabilizados nos 25% acima, sobram cerca de R$ 1.800 de despesas. Subtraindo este valor do ganho mensal, uma família teria um lucro de cerca de R$ 325/mês com 10 hectares de dendê até a quitação de suas dívidas com o banco (entre 14 e 20 anos), descontado o pagamento pela mão-de-obra (própria ou contratada).
Já um comparativo entre a renda do dendê e algumas das principais culturas da agricultura familiar da região tem apontado desvantagens do primeiro em 2013. É o caso da pimenta e do açaí, segundo os cálculos de pequenos agricultores ouvidos pelo CMA em março. Apesar de ter abandonado qualquer outro plantio desde que fechou a parceria de dendê com a Biopalma/Vale, Raimundo Lopes dos Reis calcula que os ganhos com pimenta em 10 hectares girariam em torno de R$ 3 mil/mês, e com o açaí, 1.250/mês. “Mas se tivesse plantado mandioca, estaria rico hoje, com o preço da farinha a quase R$ 8,00/kg em Belém”, pondera ele.
* Verena Glass é pesquisadora do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis da Repórter Brasil e viajou por toda região entrevistando pesquisadores, representantes de movimentos sociais e pequenos agricultores para escrever o relatório: “Expansão do dendê na Amazônia brasileira: uma análise dos impactos sobre a agricultura familiar no nordeste do Pará”
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