Setor Têxtil

Justiça reconhece responsabilidade da grife Collins por trabalho escravo

Decisão de segunda instância determina que empresa deve pagar por infrações ocorridas em 2009 contra trabalhadora em oficina de costura terceirizada
Por Stefano Wrobleski
 30/09/2014

O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) em São Paulo decidiu que a Collins tem responsabilidade solidária no cumprimento das obrigações trabalhistas com uma das costureiras empregada em 2009 em oficina de costura terceirizada pela grife em São Paulo. A Justiça considerou as condições de trabalho análogas às de escravos. À decisão, cabe recurso.

Ao entender que a empresa tem responsabilidade solidária, o TRT obriga a Collins a pagar à trabalhadora que entrou com ação todas as verbas rescisórias, multas e demais valores decorrentes da jornada exaustiva a que era submetida. De segunda a sábado, a vítima trabalhava 18 horas por dia, sem intervalo para refeição ou descanso, recebendo apenas R$ 480 por cada um dos quase quatro meses em que esteve no local. A trabalhadora ainda relatou que teve seus documentos retidos e que tinha autorização para tomar banho somente uma vez por semana.

Em fiscalização feita dois anos depois, roupas produzidas para a Collins foram encontradas na oficina. Fotos: Bianca Pyl
Em fiscalização feita dois anos depois, roupas produzidas para a Collins foram encontradas na oficina. Fotos: Bianca Pyl

Para o desembargador e relator do caso Jonas Santana de Brito, da 15ª Turma do TRT em São Paulo, a decisão manda um “recado” para as empresas do setor têxtil: “Ao fazer um pedido para uma empresa menor, a empresa tem que saber quem vai produzir e de que forma será produzido. Não adianta alegar que não sabia como eram feitas aquelas roupas e acessórios”.

Jonas explica que o pedido de responsabilização solidária da Collins foi feito pela trabalhadora, que já havia ganhado a causa em primeira instância. A decisão anterior, no entanto, considerou a responsabilidade da Collins como subsidiária no caso. Isso faria com que somente o empregador direto, terceirizado pela marca, tivesse de arcar com os custos. A grife ainda pode recorrer ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) contra a decisão, mas o pagamento das verbas trabalhistas não pode ser revisto, já que a Collins e os terceirizados não recorreram da decisão em primeira instância.

A Defensoria Pública da União em São Paulo atuou no processo representando juridicamente a trabalhadora. O defensor Daniel Chiaretti, que acompanha o caso, considera a decisão “extremamente favorável”: “Apesar de o acórdão não ter efeito vinculante [que passa a valer para casos futuros com questão idêntica], ele ajuda no sentido de ter um precedente contra a Collins e pode ser usado como argumentação em outros processos”.

Outro caso
Quase dois anos depois, em maio de 2011, a oficina foi fiscalizada por autoridades, que constataram o regime de escravidão a que eram submetidas onze vítimas.

Dois anos depois, condições de trabalho relatadas por vítima foram constatadas por autoridades
Dois anos depois, condições de trabalho relatadas por vítima foram constatadas por autoridades

Na época, a Collins, uma das maiores redes varejistas de moda feminina do país, era constituída por seis diferentes empresas que controlavam 87 estabelecimentos. Todas eram dirigidas pelo coreano Won Kyu Lee, o que fez os auditores do trabalho considerarem, no relatório fiscal, que a divisão buscava dificultar a fiscalização: “Percebe-se que a pulverização do grupo econômico Collins em pessoas jurídicas artificiais, de pequeno porte, visa a dificultar o controle e a fiscalização dos órgãos públicos. A dificuldade de rastreamento contábil da produção facilita, assim, o mascaramento da teia de subcontratações sucessivas que leva à precarização das relações de trabalho”. Na ocasião a oficina também era terceirizada pela Collins, mas, à época, fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) descaracterizaram a terceirização por considerá-la ilícita.

Detalhe do local de trabalho encontrado pela fiscalização
Detalhe do local de trabalho encontrado pela fiscalização

Dias depois da fiscalização, a empresa chegou a assinar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) fazendo a Defensoria Pública desistir de mover uma ação contra a marca por perda de objeto. No acordo, a Collins se comprometeu, entre outras coisas, a regularizar a situação de todos os seus funcionários e a visitar todas as oficinas terceirizadas para garantir o cumprimento da legislação. Parte desses itens acordados, no entanto, não foi seguida pela Collins, que está sendo convocada para audiência com o MPT. A empresa pode ter de pagar multa de R$ 100 mil por item descumprido.

A Repórter Brasil procurou a empresa para obter um posicionamento quanto à condenação no TRT, mas a Collins não respondeu aos contatos da reportagem até o fechamento desta matéria.

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