Apreciação prévia do MPT sobre flagrante de escravidão na Cemig

A procuradora foi designada para o caso e acolheu as denúncias da fiscalização, instaurando inquérito civil no Ministério Público do Trabalho
 22/02/2014

Confira abaixo a apreciação prévia da Procuradora do Trabalho Luciana Marques Coutinho sobre infrações apontadas pela fiscalização do trabalho abordadas na matéria “Cemig é responsabilizada por flagrante de 179 trabalhadores em condições análogas às de escravos”.

NOTÍCIA DE FATO N. 19.2014.03.000/4

APRECIAÇÃO PRÉVIA:

Trata-se de Notícia de Fato instaurada em razão do recebimento do OFÍCIO N. 692/2013/SFISC/SRTE/MG, com remessa do resultado de ação fiscal realizada na empresa CEMIG DISTRIBUIÇÃO S/A (CEMIG D) no período de 21/07/2013 a 13/12/2013.

Segundo consta do minucioso e extenso trabalho fiscal, foi constatada a prática de terceirização ilícita pela empresa CEMIG D, na contratação de CET ENGENHARIA LTDA. para prestação dos serviços de “construção e manutenção em redes de distribuição e em linhas de distribuição energizadas e desenergizadas, plantão para atividades emergenciais nas linhas de distribuição e outras atividades correlatas”, já que realizada ao arrepio do entendimento jurisprudencial dominante, consolidado na Súmula 331 do C. TST.

Ainda consoante o relatório fiscal, a empresa CEMIG D se utiliza da terceirização para obter mão de obra mais barata, que, todavia, permanece sob seu jugo, através de subordinação e controle dos seus prepostos, com imposição de seus procedimentos e modo de operação.

O relatório enfatiza os malefícios da terceirização promovida para os trabalhadores envolvidos, já que há precarização das condições de trabalho em relação aos empregados do quadro próprio, destacando a desigualdade entre os terceirizados e os empregados contratados de maneira regular, no tocante a pisos salariais, benefícios e conquistas históricas da categoria dos eletricitários.

Afirma que há desagregação da categoria dos trabalhadores, atualmente pulverizada em uma enorme e diversa gama de sindicatos vinculados a vários segmentos econômicos.

Igualmente, destaca o prejuízo social da terceirização ilegal, já que é utilizada como meio de burla à exigência do concurso público, obrigatório, como sabido, para as empresas públicas e sociedade de economia mista, como é o caso da CEMIG.

Ressalta ainda a existência de prática de repasse direto de serviço ou atividade pública da concessionária de energia elétrica a terceirizada, sem a prévia seleção pública através de licitação, considerando que a CEMIG D faz uso de “contratos particulares”, indicando a seu talante, prestadoras de serviços para realização de obras solicitadas por consumidores.

Além da prática de terceirização e intermediação ilícita de mão de obra, foram apuradas diversas outras irregularidades trabalhistas tais como: não oferecimento de condições sanitárias, de conforto e higiene adequados (não fornecimento de água potável e instalações sanitárias nas frentes de trabalho, alojamentos e alimentação inadequados/insuficientes) ; falta de anotação fidedigna da jornada trabalho (já que não registrada jornada extraordinária cumprida pelos trabalhadores); quitação de salário sem registro nos recibos salariais, não contabilizado e com sonegação de encargos sociais; descumprimento de várias normas de saúde e segurança no trabalho, notadamente falta de treinamento/capacitação, falta de exames médicos obrigatórios e ausência de adoção de medidas de prevenção a incêndios.

Da mesma forma, a Fiscalização do Trabalho, comprovando a veracidade da denúncia que deu ensejo à ação fiscal, atestou a submissão dos trabalhadores à situação degradante de labor, análoga ao trabalho escravo, em razão da existência de condições de trabalho aviltantes a dignidade dos trabalhadores e prestação de jornada de trabalho exaustiva.

Como resultado da ação fiscal, foram lavrados 38 (trinta e oito) autos de infração contra a CEMIG D, e notificadas a tomadora de serviços e a terceirizada para “se posicionarem por escrito sobre sua disposição de garantir a rescisão indireta do contrato de trabalho das vítimas de trabalho análogo ao de escravo”, ao todo 139 (cento e trinta nove) trabalhadores. Porém, de acordo com relatório fiscal, a CET ENGENHARIA se manifestou refutando a existência de trabalho análogo ao de escravo e a possibilidade de rescisão indireta dos trabalhos. Já a CEMIG D não apresentou resposta ou justificativa à Fiscalização.

Ainda segundo o relatório, foi realizada reunião na empresa para informar aos trabalhadores o resultado da ação fiscal, porém o encontro foi prejudicado pela ausência da maioria das vítimas que, quando da chegada dos auditores fiscais, já não estavam na sede da empresa, a despeito do agendamento prévio com o preposto da empregadora direta.

Além do relatório fiscal e autos de infração foram encaminhados documentos colhidos durante a fiscalização, fls. 131/1577.

A denúncia protocolizada em 19/12/2013 na Procuradoria Regional do Trabalho da 3ª Região foi autuada em 07/01/2014 e distribuída a esta signatária em 13/02/2014 por prevenção, conforme certificado às fls. 1590.

Além da Notícia de Fato em epígrafe, a denúncia deu origem também a NF n. 20.2014.03.000/7 autuada com os mesmos documentos e instaurada em razão da diversidade de áreas temáticas envolvidas.

Pois bem.

De início, ressalto que esta Procuradoria Regional do Trabalho da 3ª Região esteve em recesso coletivo no período de 20/12/2013 a 06/01/2014, e, esta signatária em gozo de licença médica no período de 09/12/2013 a 23/12/2013 e férias regulamentares de 13/01/2014 a 13/02/2014.

Tratando sobre a grave denúncia recebida, é fundamental esclarecer que boa parte das irregularidades noticiadas no trabalho fiscal é do conhecimento deste Ministério Público do Trabalho há longa data.

Com efeito, conforme consta no relatório fiscal, foi ajuizada ainda no distante ano de 2003, ação civil pública contra a CEMIG – COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS, controladora da CEMIG D, versando sobre a prática de diversas irregularidades trabalhistas, dentre as quais, terceirização ilegal.

A ação civil pública tombada sob o número 147300-43.2003.5.03.0004, internamente cadastrada sob o número 48.2003.03.000/3 (PAJ – Procedimento de Acompanhamento Judicial), após longa discussão judicial travada acerca da competência, foi finalmente julgada procedente em 2007 e, em 2008, o Eg. TRT manteve a condenação, inclusive no que toca à caracterização da ilicitude da terceirização, impondo à empregadora a abstenção e cessação das contratações irregulares.

Entretanto, a empresa interpôs Recurso de Revista obtendo através de uma decisão monocrática o efeito suspensivo do apelo, só foi julgado pela 5ª Turma do TST (Relator Ministro João Batista Brito Pereira) em 2012, sendo que acórdão respectivo publicado quase um ano após o julgamento, já em 2013.

Ocorre que a D. 5ª Turma do TST, em decisão não unânime, deu provimento parcial ao Recurso de Revista empresarial, para julgar improcedente a ação civil pública quanto à terceirização, mantenho a condenação quanto às outras dezenove obrigações impostas a CEMIG.

O Ministério Público do Trabalho apresentou recurso contra a decisão da D. 5ª Turma, Embargos ainda pendentes de distribuição para a SDI – Seção de Dissídios Individuais.

As dezenove obrigações já transitadas em julgado, bem como a indenização pelo dano coletivo, objeto da condenação remanescente no processo n. 147300-43.2003-5.03.0004, estão sendo executadas na 4ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.

Além da ação civil pública aforada em 2003, no final do ano de 2013, o Ministério Público do Trabalho ajuizou outra demanda em litisconsórcio ativo com o SINDIELETRO, processo n. 1530.50.2013.5.03.0139 (PAJ 1602.2013.03.000/3). Esta ACP tem como temática também a terceirização e precarização das condições de trabalho dos terceirizados, especialmente em função do desrespeito a condições mínimas de saúde e segurança do trabalho, causa de inúmeros acidentes graves e fatais.

A tônica da ação civil pública proposta em 2013 é obtenção da responsabilização da tomadora de serviço que, se mantida ou enquanto mantida a terceirização, deve exercer gestão rigorosa de suas contratadas, evitando situações que exponham os trabalhadores a risco de adoecimentos, morte, mutilações, garantindo que o ordenamento jurídico trabalhista não seja ignorado, como vem ocorrendo na prática.

A ação civil publica ajuizada em 2013 tramita na 39ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, com audiência de instrução e julgamento designada para 2015.

Assim, é certo que o Ministério Público do Trabalho adotou providências para tentar sanear a conduta empresarial, muito embora as irregularidades ainda, lamentavelmente, continuem a ocorrer, como atesta esta recente fiscalização, objeto desta notícia de fato.

Ocorre que, diante dos termos da apuração fiscal, especialmente em razão da constatação de trabalho análogo à escravidão, entendo que as ações já ajuizadas e/ou procedimentos de investigação instaurados anteriormente, não constituem empecilho a nova atuação do Parquet Trabalhista.

O resultado da ação fiscal realizada em 2013, além de comprovar os fatos narrados nas ações civis públicas já ajuizadas, ou seja, a ilicitude da terceirização e a absurda precarização do trabalho dos terceirizados, revela um incremento ou piora do quadro fático já denunciado judicialmente pelo Parquet.

Se a condição do trabalho dos terceirizados não era regular e estava muito longe do que preconiza a legislação trabalhista, agora há a constatação de aviltamento de tamanha proporção que conduziu a caracterização do crime previsto no artigo 149 do Código Penal.

E, de fato, a submissão dos trabalhadores a situações inadmissíveis de labor, seja em razão da jornada extenuante, não registrada nos controles de jornada e paga “por fora” ou extra-folha, seja em função da inexistência de garantias mínimas e básicas de trabalho, como o fornecimento de água potável e instalações sanitárias nas frentes de trabalho, ou ainda em razão do exercício de atividade altamente perigosa sem treinamento/capacitação adequados, para mencionar apenas algumas das irregularidades afirmadas no relato fiscal, se encaixa no conceito de trabalho análogo à escravidão.

O próprio relatório fiscal está fundamentado em farta doutrina sobre o trabalho escravo contemporâneo e urbano, inclusive Orientações produzidas pela CONAETE – Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo deste Ministério Público do Trabalho.

Ademais, não bastasse a presunção de veracidade dos atos dos agentes públicos responsáveis pela Fiscalização, há prova farta, inclusive documental produzida pelas próprias empresas envolvidas, sem mencionar o acervo fotográfico e depoimentos dos trabalhadores colhidos durante a fiscalização.

Desta forma, entendo que é necessária a instauração de Inquérito Civil em desfavor da empresa CEMIG DISTRIBUIÇÃO S/A com os temas 02.01.01 e 02.01.03 (área temática: trabalho análogo à escravidão).

Quanto aos demais temas inseridos na notícia de fato em epígrafe (área temática: meio ambiente de trabalho), e também na NF 20/2014 (área temática geral – administração pública – jornada de trabalho e registro de CTPS), entendo que a atuação do Ministério Público do Trabalho materializada nas ações civis públicas citadas nesta apreciação prévia, encerram as providências cabíveis a cargo do Ministério Público do Trabalho em desfavor da tomadora de serviços, CEMIG D. No que toca a estes temas, creio que é o caso de agregar a prova nova aos processos judiciais em tramitação, sendo importante registrar que o Exmo. Procurador do Trabalho Marco Antônio Paulinelli durante o afastamento legal desta signatária se manifestou e colacionou ao processo judicial n. 1530.50.2013.5.03.0139 (PAJ 1602/2013) todo o acervo probatório que compõem esta Notícia de Fato.

Por outro lado, considerando a existência de inúmeros procedimentos em tramitação no âmbito desta PRT contra a CET ENGENHARIA LTDA, inclusive IC 1413.2013.03.000/0, que trata, dentre outros temas, de condição degradante de trabalho, entendo salutar o encaminhamento deste relatório a Exma. Procuradora do Trabalho Titular para ciência e providências que acaso entender cabíveis.

Por fim, entendo que é o caso também de comunicar o resultado da ação fiscal à Coordenação de Recursos Judiciais – CRJ da Procuradoria Geral do Trabalho, aos cuidados da Exma. Subprocuradora Maria Aparecida Gurgel, D. Coordenadora da Unidade e responsável pela condução do processo n. 147300.43.2003.5.03.0004 para ciência e providências que entender cabíveis junto ao C. TST.

Considerando todo o exposto, DETERMINO:

  1. Desativação da NF 20.2014.03.000/7 e juntada dos documentos correspondentes a este procedimento;
  2. Instauração de inquérito civil, com publicação da correspondente portaria, com retificação do temário para constar apenas os temas 02.01.01 e 02.01.03, com exclusão dos demais;
  3. Juntada do relatório processual anexo;
  4. Ofício a CRJ – coordenadoria de recursos judiciais da PGT, aos cuidados da Exma. Subprocuradora do Trabalho Maria Aparecida Gurgel, com cópia desta apreciação previa e o relatório fiscal de fls. 02/130 (NF 20/2014, documento que poderá ser desentranhado para remessa, já que constitui cópia do que já consta na NF 19/2014). Constar no ofício como referência, o processo judicial n. 147300.43.2003.5.03.0004;
  5. Ofício a Exma. Procuradora do Trabalho Lutiana Nacur Lorentz que conduz os autos do IC 1413.2013.03.000/0, com cópia desta apreciação prévia para ciência, se prontificando esta signatária a fornecer a D. Procuradora quaisquer documentos e informações adicionais para instrução do feito;
  6. Ofício ao Ministério Público Estadual – Promotoria de Defesa do Patrimônio Público de Belo Horizonte – MG, com cópia do relatório fiscal de fls. 02/130 (nf 19/14) para ciência e providências que entender cabíveis, considerando a denúncia de descumprimento pela CEMIG DISTRIBUIÇÃO S/A da lei n. 8666/93;
  7. Designação de audiência para o dia 27/02/2014 às 09h30min nesta Procuradoria Regional do Trabalho;
  8. Intimação das empresas CEMIG DISTRIBUIÇÃO S/A e CET ENGENHARIA Ltda. Com cópia desta apreciação prévia para ciência e comparecimento na audiência;
  9. Ofício aos SINDICATOS DOS TRABALHADORES DA CONSTRUÇÃO DO MOBILIÁRIO DE CONTAGEM – MG e do SINDIELETRO/MG com cópia desta apreciação previa para ciência das determinações e, especialmente, da audiência administrativa designada;
  10. Ofício a SRTE/SFISC com cópia desta apreciação prévia da ciência das determinações e da audiência administrativa designada. No ofício constar remissão expressa ao expediente de fls.
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    02;

  11. Conclusão em sala de audiência.

 

Belo Horizonte, 20 de fevereiro de 2014.

Luciana Marques Coutinho
Procuradora do Trabalho

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