Desmatamento

Greenpeace contesta dados apresentados pelo governo

Secretário de Biodiversidades e Florestas MMA avalia que estimativa de 18mil km2 de desmatamento é inaceitável. Unidades de Conservação e terras indígenas não garantem a total preservação de áreas contra a ação de madeireiros ilegais, incêndios e corte de vegetação nativa
Natália Suzuki
 08/09/2006

Na última terça-feira (5), o Ministério do Meio Ambiente (MMA) divulgou o índice de desmatamento da Amazônia registrado entre agosto de 2005 e agosto de 2006. A estimativa do governo, feita a partir dos dados coletados pelos satélites do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), indica que o ritmo de devastação tende a ter diminuído até 11% nesse período em relação ao ano anterior. Contudo, o Deter não é um sistema preciso para medição e cálculo de área devastada. O objetivo do sistema é identificar focos de incêndio e pontos de devastação em tempo real. A sua capacidade de captação é a partir de 25 hectares. Por esse motivo, ainda é cedo para se afirmar que de fato houve queda no desmatamento.

Até os dados do Deter serem cruzados com outro sistema do Inpe, o Prode (que identifica a devastação a partir de seis hectares e este sim é específico para contagem da área destruída), a estimativa de redução de 11% pode ser frustrada. “Na pior das hipóteses, vai manter o mesmo patamar [de desmatamento] do ano passado”, avalia o secretário João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA. De acordo com Valeriano, o Inpe tem a demanda de entregar os resultados do cruzamento até o final de outubro deste ano, mas o MMA prometeu os resultados no final do ano.

Após a divulgação do resultado, houve discordância de entidades da área ambiental que contestaram o número anunciado pelo MMA. Há cerca de duas semanas, a organização não-governamental Greenpeace possuía dados, também do Inpe, que indicavam aumento de 8,4% da área devastada na Amazônia no mesmo período.

Dalton Valeriano, pesquisador responsável pelos dados do Deter, explica a origem dessa diferença. Segundo ele, a partir de maio, o Inpe criou duas classes para regiões devastadas, além do próprio desmatamento: queimadas e áreas com indício de degradação, mas sem causa conhecida. Os dados usados pelo Greenpeace somam as três classes para indicar a quantidade de floresta perdida, já o MMA apenas considerou as áreas prejudicadas pelo desmatamento.

Nos primeiros meses deste ano, quase 11 mil km2 de área tiveram a sua vegetação destruída. Os setores ambientalistas consideram que, mesmo com queda de 11%, a quantidade de floresta perdida é muita. Nesse ritmo, 2006 contabilizará 16.700 quilômetros quadrados de área desmatada contra 18.790 do ano passado. “18 mil km2 de desmatamento é inaceitável, é um absurdo. Só podemos comemorar a redução se ela for estratégia de redução permanente. Consideramos esse patamar inaceitável. O patamar aceitável é o zero”, avalia Capobianco.

O secretário do MMA afirma que é preciso analisar os dados da Amazônia ao longo do tempo. Para ele, a curva do desmatamento não é revertida imediatamente e os níveis de desmatamento variam muito. “Ainda tentamos encontrar um mecanismo de estratégia para manter e ajustar a dinâmica do desmatamento. Todo mundo quer resultados permanentes”, afirma o secretário.

“O desmatamento da Amazônia é muito dinâmico. Os vetores e os atores do desmatamento se adaptam às mudanças restritivas e buscam outras áreas. O processo se instalou na Amazônia há mais de três décadas. Em duas décadas, tivemos aumento permanente, com picos em 93-94 e 2003-2004. Na Amazônia, tem uma população de 20 milhões de pessoas. Há fatores que explicam, mas não justificam, a complexidade do desmatamento na Amazônia”.

BASE EMPÍRICA

O cenário na Amazônia, para quem acompanha a situação, parece desmentir os números divulgados pelo governo. Ainda que haja um decréscimo nos níveis de destruição, a realidade parece outra quando se identificam mais de 90 mil focos de calor, apenas durante o mês de agosto deste ano, ocasionados por incêndios na região da Amazônia. As unidades de conservação e as terras indígenas não saíram livres da destruição florestal. De acordo com o Inpe, 2.954 focos estavam em UCs e 5.544 em terras indígenas.

O Pará foi o estado recordista em desmatamento com um aumento de 50% em relação a 2005. Em seu território, foram identificados mais de um terço dos focos de calor (33.139) de toda a Amazônia, inclusive dentro de unidades de conservação e terras indígenas. Em Mato Grosso, Maranhão e Rondônia também foram identificados incêndios e queimadas.

De acordo com o Greenpeace, no final de agosto, além de desmatamento e queimadas, a extração ilegal de madeira ocorria em cinco unidades de conservação da Terra do Meio e no entorno da BR-163. Apesar de o MMA ter apontado queda de desmatamento nessas áreas, elas não deixaram de ocorrer. “Registramos atividade intensa dentro das UCs: muitas pessoas, carros, tratores e até pista de pouso”, afirma André Muggiati, da campanha da Amazônia do Greenpeace do Brasil.

Na Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim há intensa atividade madeireira ilegal e 980 registros de focos de calor. O MMA divulgou que houve 13% de queda de desmatamento na área. “As unidades de conservação estão sendo instrumento no combate do desmatamento”, avalia Capobianco. A informação de que houve redução de 76% na Estação Ecológica (Esec) da Terra do Meio é conflitante com o relato do Greenpeace de que há incêndios e pista de pouso no local. O Inpe registrou 460 focos de calor na Esec, o que a torna a terceira mais queimada do país.

“Em uma reunião com o setor, os madeireiros afirmaram que iriam ignorar as unidades de conservação que foram criadas entorno da BR-163; iam entrar e destruir tudo. Não há como afirmar que eles são os responsáveis, mas a profecia está se concretizando”, afirma Muggiati. Marcelo Marquesini, da campanha da Amazônia do Greenpeace, questiona a eficiência da fiscalização e das ações do governo quando dados atuais mostram que municípios historicamente famosos pelo desmatamento aumentaram a taxa de destruição. Altamira, São Felix do Xingu (ambos no PA) e Porto Velho (RO) são alguns desses. Para Marquesini, a impunidade dos infratores não coíbe o crime ambiental e faz com que os envolvidos sejam reincidentes em seus atos. As infrações na Terra do Meio haviam sido multadas pelo Ibama em 2004, mas persistem ali.

“Só consideramos UCs, as unidades que protegem e cumprem com a sua função de conservação”, diz Marquesini. Muggiati afirma que, apesar de o governo ter criado as unidades de conservação, a real implementação delas não vem ocorrendo, pois além da falta da presença do governo federal e de sua fiscaliza&cce
dil;ão, o governo não conseguiu criar estrutura de sustentação e de manejo delas. “Não demarcam, não delimitam. O governo é muito frouxo nessa região. Não existe governo lá, e a ação não chega. Quando chega é esporádico, não existe continuidade”.

Para Marquesini, os ataques às unidades e às terras indígenas só cessarão por completo se houver um aporte muito maior de recursos financeiros, humanos e de infra-estrutura para implementação real dessas áreas de conservação.

O secretário do MMA discorda que há falta de fiscalização na região. De acordo com Capobianco, a queda do desmatamento imediata na região após o assassinato da irmã Dorothy Stang se deu pela grande ação do governo federal no local, que contou com a presença de dois mil soldados e fiscalização acirrada. “Mas era uma ação que não tinha como objetivo ser permanente”, afirma. O secretário explica que numa situação de ação intensa e dura, após a sua retirada há recuperação da atividade predatória. Por esse motivo, ele explica que, após as unidades de conservação criadas por decretos assassinados por governo Lula em fevereiro neste ano, a devastação aumentou entorno delas. Capobianco avalia que os resultados do ano passado – queda de 31% do desmatamento – somados com a tendência de queda de 2006 indicam que o processo ambiental está funcionando e que a situação representa uma melhora. O secretário afirma que é preciso dar continuidade para que os números de declínio façam parte de uma estratégia contínua.

ESTRATÉGIAS À CURTO PRAZO

O secretário do Ministério afirma que entre outras estratégias, o controle do desmatamento deve ser feito de forma descentralizada. Esse sistema costuma ser freqüentemente criticado por setores ambientalistas por haver dúvidas sobre as condições dos estados e municípios de conseguirem arcar com as obrigações e encargos ambientais.

“Nós vamos garantir a parte federativa de gestão de florestas na Amazônia. Os Estados têm que assumir responsabilidade com a questão ambiental, fiscalizando, licenciando e monitorando. A centralização [de gestão ambiental] foi feita de forma errônea no passado”, diz Capobianco. A idéia é que possa haver um sistema nacional integrado de informações e ações a partir de novembro que permita a troca imediata.

O governo federal também conta com a eficiência da Lei de Gestão de Florestas Públicas, aprovada em fevereiro de 2006. Segundo o secretário, o mecanismo permitirá um controle maior do governo federal sobre as florestas, uma vez que 45% serão de responsabilidade da União e ganham imunidade ao corte.

Para Capobianco, é interessante distinguir os dois tipos de desmatamento na região da Amazônia: o ilegal e o permitido. “O ilegal, que é a maioria, deve ser enfrentado com maior controle. A lei permite que o proprietário rural desmate 20% de florestas da sua propriedade. Precisamos convencer que é melhor não desmatar, mostrando o uso econômico da floresta em pé, como gerador de emprego e renda. A iniciativa privada tem 24% das floretas. Temos que oferecer condições favoráveis e vantagens para disputar a preservação. Precisamos convencer as pessoas de que manter a floresta tem mais valor do que derrubá-la. Esse é o maior desafio, não só do Brasil, mas mundial. Não vamos resolver o problema de desmatamento com a polícia”.

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