O governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou na manhã desta segunda-feira nova regulamentação da lei nº 14.946/2013, que cassa o registro de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de empresas flagradas com trabalho escravo. O anúncio foi feito durante o seminário “O enfrentamento à escravidão contemporânea”, realizado no Tribunal Regional Federal da 3ª região, em comemoração aos 125 anos da abolição da escravatura, celebrado neste 13 de maio.
O governador assinou, durante o evento, dois novos decretos, um relacionado ao funcionamento da Comissão Estadual pela Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae-SP) e um com a regulamentação da lei em si. Segundo anunciado, com as novas regras qualquer empresa condenada em decisão colegiada, independente da instância ou do tribunal, poderá ter o registro cassado. O cancelamento depende de processo administrativo e afeta somente empresas flagradas após 28 de janeiro de 2013, data em que a lei foi sancionada.
Sem o cadastro no ICMS, as empresas ficam impedidas de estabelecer relações comerciais no estado. “Temos que estar atentos às novas formas de exploração do trabalho. Há que se coibir as formas análogas de escravidão, formas exploratórias que submetem pessoas a situações degradantes e que geram uma concorrência desleal com quem está regularizado, cumprindo as leis”, defendeu o governador. “A sanção maior que podemos fazer é proibido de exercer atividade econômica. Se todo mundo tomar essa iniciativa, vamos no Brasil inteiro acabar com essa situação aviltante. Esperamos que os demais estados da federação também o façam”, completou.
A lei é de autoria do deputado estadual Carlos Bezerra Jr., líder do PSDB na Assembleia Legislativa-SP e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos. “É a mais rígida punição que se tem notícia. A partir de hoje, não tem contemporização com trabalho escravo. São Paulo declara tolerância zero a este crime. Quem explora visa o lucro a qualquer custo, nada melhor do que causar prejuízo a quem lucra e lucra muito com isso. São Paulo dá um recado. O lucro a qualquer custo jamais se sobreporá à vida e aos direitos humanos”, completou.
O decreto altera a regulamentação anterior, feita em 23 de fevereiro, pela Portaria CAT 19 da Secretaria Estadual da Fazenda, que previa que o processo de cassação seria baseado em condenação criminal transitada em julgado, de pessoa vinculada à empresa que tenha feito exploração de trabalho escravo.
Abolição contemporânea
O evento reuniu alguns dos principais magistrados e juristas do país, além de especialistas em combate ao trabalho escravo contemporâneo. Newton de Lucca, presidente do Tribunal Regional da 3ª Região (TRT-3), destacou a importância de que as leis sejam efetivas. Citando como durante a escravidão colonial “as elites pensantes da época achavam um jeito de contornar a lei para seus próprios interesses”, ele lembrou que ao mesmo tempo em que a “constituição punia leis cruéis, achou-se um jeito de dizer que marcar um escravo com ferro não era cruel e aplicar dezenas de chibatadas também não era cruel”.
“Antigamente, tínhamos leis para inglês ver, para apresentar o país com indumentárias de gala que efetivamente nós tínhamos. Hoje estamos no mesmo desafio. O tráfico de pessoas seja para trabalho escravo, para exploracão sexual, para tráfico de órgãos humanos, reflete uma triste realidade contra a qual temos que lutar e não fechar os olhos e fingir que não percebemos”. O desembargador Mairan Maia, diretor da Escola de Magistrados do TRT-3, reforçou que nem sempre é fácil constatar a exploração. “Trabalhamos com uma escravidão transformada, mais sutil, que se permeia entre atividades que são livres, o que torna mais difícil seu combate”.
Outros representantes de diferentes órgãos também defenderam a importância de se aprimorar o combate e prevenção à prática. Marcus Barberino, juiz do trabalho, ressaltou a importância de se entender o contexto econômico em que se dá a exploração de escravos. “É necessário cercar a pessoa de direitos sócio-econômicos para ela atingir seu potencial”, defendeu. Luis Antonio Camargo de Melo, procurador geral do Trabalho, destacou a “relevância do ato político regulamentando o decreto”. A procuradora Janice Ascari, do Ministério Público Federal, reforçou a importância. “Com o sistema processual brasileiro, infelizmente, nenhuma decisão judicial se torna definitiva enquanto houver um único recurso nas nossas quatro instâncias. E a maioria dos recursos é de caráter protelatório. As decisões acabam não se cumprindo com a rapidez que uma sociedade estabelecida sob o estado democrático de direito desejaria para seus cidadãos”.
Internacional
Luiz Machado, coordenador do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo da Organização Internacional do Trabalho no Brasil, ressaltou que hoje o Brasil é “referência global no combate ao trabalho escravo”, elogiou a regulamentação da nova lei e defendeu que a Proposta de Emenda Constitucional 157/A (antiga PEC 438), a PEC do Trabalho Escravo, seja aprovada no Congresso Nacional. Tal medida prevê a expropriação de propriedades de escravistas.
Katie Ford, hoje ativista contra escravidão contemporânea à frente da organização Free for All, também defendeu que o Brasil é modelo no combate. “Existem duas iniciativas importantes, uma é o Pacto Nacional (que reúne empresas comprometidas com combate), outro é a ‘Lista Suja’ (cadastro mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela Secretaria Especial de Direitos Humanos de empregadores flagrados). Quando eu viajo pelo mundo eu falo do Pacto, porque acho que é algo que tem que ser replicado pelo mundo”, afirmou.
Kathryn Hoffman, cônsul para assuntos políticos consulado dos Estados Unidos, lembrou que a exploração de escravos acontece em todo o planeta. “As novas formas de escravidão afetam todos os países, inclusive o meu, os Estados Unidos da América. Todos os dias no mundo todo, pessoas são coagidas a trabalhos forçadas, vendidas, submetidas a trabalho doméstico degradante e presos a atividades em atividades rurais”.
As ministras Maria do Rosário, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, e Carmen Lúcia Antunes Rocha, do Supremo Tribunal Federal, cuja presença havia sido anunciada, não compareceram.
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