Trabalheira #19: O influencer-celebridade está com os dias contados?

Para ser influencer, já não basta ser apenas uma celebridade. Mais do que fama, a pessoa que almeja ganhar a vida pelas redes sociais precisa construir uma comunidade a partir de uma causa -- seja ela qual for
 20/04/2023

Para virar influenciador, o passo a passo básico é encontrar um nicho, se destacar nele e investir tempo nas redes sociais para criar uma comunidade de seguidores robusta.

No entanto, num mercado cada vez mais competitivo, já não basta ser apenas uma celebridade. Mais do que fama, a pessoa que almeja ganhar a vida como influenciador precisa ter uma causa — seja ela qual for.

Esse é o tema do quinta e último episódio da terceira temporada do Trabalheira.

Ouça o episódio na íntegra:

Ficha técnica

Apresentação: Ana Aranha e Carlos Juliano Barros

Roteiro: Carlos Juliano Barros

Tratamento de roteiro: Ana Aranha

Edição, montagem e finalização: Victor Oliveira

Trilha sonora: Mari Romano e João Jabace (Rádio Novelo)

Identidade visual: Débora de Maio

Redes Sociais: Tamyres Matos

Distribuição: UOL

Para falar com a equipe: [email protected]

O Trabalheira é uma realização da Repórter Brasil

Roteiro do episódio

E5_T3 – Influencers

Roteiro original: Carlos Juliano Barros
Tratamento de roteiro: Ana Aranha

Gustavo Pórco

Não pensava de cara em virar um influenciador. Eu não pensava que influenciar as pessoas era dessa maneira, né? Como a gente conversou antes… Por muito tempo, ser um influenciador era algo que a gente até às vezes levava pro pejorativo. Aquela questão do “blogueirinho”, que todo mundo sempre fala, ou falava bastante… tinha um pouco de preconceito. Enfim, eu quis começar a fazer vídeos falando da minha terra e da minha gente. Acabei virando influenciador.

Guilherme Ravache

Eu sinto uma mudança daquele influenciador que era pautado pelo simples fato de ser famoso, né? Ah… apareceu na TV, era do Big Brother… Aí, ele vai para rede social e ele vai ganhar um monte de seguidor — e se sustentava assim. Eu acho que esse modelo tende a perder espaço. E a gente cada vez mais vai para um modelo que é pautado pela relevância do conteúdo que você faz. De que maneira você agrega informação, de que maneira você traz conhecimento novo para essa pessoa ou resolve um problema que ela tem?

Giovana Romani

Eu ganho dinheiro com isso, sabe? Um post no meu feed vale dinheiro, que eu faço. Então, se eu cobro para isso, e se a minha influência vale dinheiro, ela tem que valer a minha cabeça no travesseiro. Ela tem que valer uma sociedade melhor para a gente, um país que a gente consiga andar sem ficar desesperado, sabe?

Caju

Oh… Ana! Depois de ouvir essas falas iniciais, nem é preciso conectar o Tico e o Teco pra sacar qual é tema do episódio de hoje do Trabalheira, né?

Ana

É… Acho que poucas atividades resumem tão bem o espírito do nosso tempo como o do “influenciador”. Aliás, aqui no Trabalheira a gente se orgulha de ser cringe, mas somos cringes antenados! Já falamos da tecnologia mudando a vida de quem trabalha com games, com pornografia…

Caju

Exatamente, Ana. E, se a gente parar pra pensar, as pessoas que se dedicam a esses trabalhos que você citou — jogar videogame profissionalmente e produzir conteúdo adulto em plataformas — acabam se encaixando também na categoria de “influenciadores”, né?

Ana

Sim… total. Pra virar influenciador, acho que o passo a passo básico é encontrar um nicho, se destacar nele e aí investir MUITO tempo nas redes sociais até criar uma comunidade de seguidores robusta – valiosa o suficiente para viver disso. Isso serve pra quem joga videogame ou produz pornogafia. Mas serve também pros convidados que abriram o programa e que, por sinal, são de áreas de influência bem distintas, né?

Caju

Exato, Ana! Pra quem ficou curioso sobre os nossos convidados, eu não vou dar spoiler sobre eles, ok? Por enquanto, eu só posso adiantar que eles estão envolvidos com humor, com moda e, claro, com redes sociais.

Ana
Logo logo a gente vai conhecer os três! Só que, antes disso, a gente precisa chamar a vinheta… Então, seja bem-vindo, seja bem-vinda ao Trabalheira, um programa da Rádio Batente, a central de podcasts da Repórter Brasil.

Caju

Boa, Ana! Mas olha só: é com pesar que eu anuncio que esse é o último episódio dessa terceira temporada. Pra quem já está com saudade, rola de entrar no site da Rádio Batente para escutar os outros episódios não só do Trabalheira, mas de outros podcasts bem bacanas da Repórter Brasil. Acessa lá: reporterbrasil.org.br/radiobatente — e aproveita pra recomendar as três temporadas do Trabalheira enquanto a quarta não fica pronta, fechado?

(VINHETA)

Guilherme Ravache

Hoje é uma indústria, é uma indústria altamente competitiva, com players muito grandes, muito capitalizados. Você pega o mercado como o americano, por exemplo… Hoje tranquilamente, você tem agências que operam como banco mesmo. Ela empresta dinheiro para o influenciador produzir conteúdo. Então, o Mr Beast, por exemplo, chega a gastar mais de um milhão de dólares para fazer um vídeo no YouTube.

Ana

Esse é o Guilherme Ravache, colunista do UOL e consultor especializado em mídia e redes sociais.

Guilherme Ravache

Então, tem uma concorrência muito, muito grande entre os influenciadores, que vai conseguir chamar a atenção das marcas. Mas, no final do dia, eu acho que, cada vez mais, o que move as pessoas a seguir alguém, a querer consumir o conteúdo dela, é a comunidade que você estabelece em torno desse influenciador, né? É o conteúdo que você gera, é informação que você cria. Então, assim… Até os perfis que começam a performar melhor não são aqueles que: “ai… olha, comprei uma roupa nova. Veja que bacana”. Tem muita gente que faz isso e é ok, perfeitamente normal. Só que a gente começa a ir para uma conversa num outro nível, que é mais sobre causas sociais, problemas, questões maiores… que você inicia uma conversa na rede social e isso é até escalado para outras plataformas, para outro tipo de contato e rede de relacionamento que você cria a partir das redes sociais. Essa talvez seja a grande mudança das redes sociais.

Ana

Esse diagnóstico do Guilherme é bem preciso! Pra ser influenciador: tem que ter conteúdo! E é bacana explicar quem é esse tal de Mr. Beast, que o Guilherme citou. O Mr. Beast é o nome artístico de um jovem americano de 24 anos chamado Jimmy Donaldson. Atualmente, ele é apenas o maior Youtuber do mundo — o canal do Mr. Beast já tem mais de 120 milhões de inscritos. E os vídeos deles são superproduções de fazer qualquer estúdio de Hollywood babar de inveja mesmo…

Caju

Pode crer, Ana! Eu tô conferindo aqui [sfx: barulho de teclado + sobe som de 3s de vídeo do Mr Beast] e os vídeos deles são basicamente de desafios e curiosidades, né? Tem um, por exemplo, em que ele viaja o mundo todo pra conhecer os hotéis mais caros e mais baratos do planeta. Tem um outro em que ele vai pra África pra construir poços artesianos e cisternas pra comunidades que não têm acesso a água e tal…

Ana

E sobre esse exemplo do vídeo gravado na África, o mais curioso é que, se você der um Google em “Mr. Beast”, a primeira definição que aparece é FILANTROPO. Ou seja, uma pessoa dedicada a causas sociais. Entre outras coisas, o Mr. Beast criou um canal só para promover ações beneficentes e também conseguiu doações pra plantar mais de 20 milhões de árvores em parques espalhados pelos Estados Unidos. Quer dizer, tem tudo a ver com aquilo que o Guilherme explicou: criar uma comunidade com o objetivo de alavancar uma causa, seja ela qual for.

Caju

Exato, Ana. E, já que você falou em “causa”, essa é a deixa perfeita pra gente apresentar o segundo convidado de hoje: o Gustavo Pórco. O Gustavo é de Indaial, uma cidade do Vale do Itajaí, no interior de Santa Catarina. Ele sempre trabalhou com música, tocando em feira, boate e etc. Só que aí, em 2020, veio a pandemia, as casas de show fecharam e o Gustavo ficou sem trabalho. Então, ele resolveu criar um canal de humor no Youtube chamado Indavírus.

Ana

Bom… Imagino que Indavírus seja uma mistureba de Indaial com coronavírus, certo?

Caju

Exatamente! E esse canal é muito conhecido mesmo em Santa Catarina. Hoje, o Gustavo é presença obrigatória em qualquer evento da região. O mais famoso ali é a Oktoberfest, mas tem vários outros. Agora… o exemplo do Indavírus é bem interessante porque, ao contrário do Mr Beast, que é um influenciador talhado pra ter alcance mundial, a pegada do Gustavo, ou melhor, a causa do Gustavo vai na direção oposta: valorizar a cultura local.

Gustavo Pórco

Todo o meu conteúdo é baseado na primeira premissa, que é o quê? Eu amo a minha região, a minha terra. Ponto. Irmão, essa é a minha diretriz de trabalhar. Cada um trabalha com a sua que quer. Eu sempre… não dou um ponto sem nó, não faço um vídeo sem querer, vamos dizer assim, promover e valorizar a minha região. E eu cuido muito nessa questão de se envolver em qualquer assunto que não tenha a ver com isso.

Ana

Caju, a pergunta que não quer calar: como que um influenciador como o Gustavo paga as contas?

Caju

Ana, eu fiz exatamente essa pergunta para o Gustavo. Mas eu acho melhor deixar ele próprio responder.

Gustavo Pórco

O que acontece é que essa monetização ela não é constante, no sentido de que, às vezes, um vídeo que você não está esperando estoura e você acaba ganhando muito dinheiro. E aquele vídeo que você passou dois meses produzindo não dá nada. Então, a publicidade é boa assim para você ter, vamos dizer, um valor fixo que você pode… Por exemplo, eu posso pagar, eu posso considerar que eu vou conseguir pagar o salário da minha equipe por causa da publicidade. Porque a monetização ela é muito… ela oscila muito. Teve mês aí que eu ganhei, vai… eu não tenho problema de abrir valores. Teve mês aí que eu ganhei R$ 1 mil com monetização. Teve mês que eu ganhei R$ 20 mil com monetização, não é? Considerando as duas redes sociais, até mais, e vice-versa. Então, é muito variável e oscilante, assim. Então, por isso, que é bom ter várias fontes de receita. Claro que tudo ainda dentro da mesma empresa. Mas, por exemplo, hoje nós temos aí três, vamos dizer: publicidade, monetização e shows. Shows ao vivo… que o vídeo… A gente precisa produzir os vídeos para encher os shows. Então, os vídeos acabam enchendo os shows. E a publicidade também vem através dos vídeos, mas a monetização não se considera muito não, cara. Assim, não dá para ter um… considerar um valor fixo por mês. “Ah… vou ganhar tanto por mês com monetização”. Isso aí é furada, cara. Porque, para o cara se perder e se frustrar, é dois toques.

Ana

Nossa, faz muito sentido isso… Parece natural mesmo que parte importante do faturamento dele venha de publicidade, né? Até porque, se ele é um influenciador regional conhecido, várias marcas locais devem querer o Gustavo como garoto propaganda. É assim mesmo, Caju? As empresas vão até ele? Ou ele é que corre atrás de clientes?

Caju

Hoje a gente está em sintonia total aqui, Ana. Essa foi outra questão que eu fiz pra ele: como é esse contato com as empresas que patrocinam o Indavírus?

Gustavo Pórco

É até engraçado porque… hoje nós somos uma página de humor. Nós fazemos vídeos de humor e um dos nossos patrocinadores master é um plano funerário, cara! [Risos] Sente só! Hoje, basicamente, Carlos, a gente foca muito no conteúdo. O resto é consequência, cara. E é um conselho que eu dou para todo mundo que queira iniciar na internet, seja no ramo de humor, seja em qualquer ramo: você foca no seu conteúdo, na sua essência, que o resto vai acontecer. Por exemplo, prospecção de clientes. Desde que eu comecei o Indavírus, Carlos, eu nunca precisei ir atrás de um cliente. A gente nega todo dia, assim, pedido de patrocínio, propostas às vezes de anúncio, etc. Hoje, a gente é mais de ali, quase… uns 75% da nossa receita hoje é publicidade, né? Tem a monetização também, tem os shows, agora a gente está começando a fazer shows também. Esse número deve baixar um pouco em 2023… Mas publicidade acaba vindo sozinho. Porque, quando você foca no conteúdo e você tem o bem mais precioso do século, que é a atenção das pessoas, todo o resto acaba vindo assim de lambuja, como a gente fala aqui em Santa Catarina.

Ana

Cara! Essa história do plano funerário é sensacional, hein?

Caju

Demais da conta, Ana! Mas é isso: além do plano funerário, o Indavírus tem contrato publicitário com uma universidade, uma rede de supermercados e outras empresas da região do Vale do Itajaí, em Santa Catarina.

Ana

Saquei, Caju! Mas eu queria insistir ainda nessa história do influencer ter uma causa, ou melhor, precisar ter uma causa. O Gustavo deu uma definição muito interessante: “o bem mais precioso do século é a atenção das pessoas”. Acho que é impossível discordar dessa opinião, né?

Caju

Pode crer, Ana. Essa reflexão é muito boa mesmo. Não à toa um conceito que vem se popularizando cada vez mais é o de “economia da atenção”, né? E a chave desse conceito é entender a “atenção” como um bem cada vez mais escasso e difícil de conseguir, tendo em vista a quantidade absurda de conteúdo que é bombardeado nas redes, o tempo todo.

Ana

Sim! E nessa era de hiperinformação (e de desinformação também!), captar a atenção e conseguir engajar as pessoas em uma comunidade de interesses comuns é uma tarefa hercúlea. Isso exige uma boa dose de empatia e de identificação mesmo. Tô adiantando aqui um pouco do que a nossa terceira convidada de hoje disse.

Giovana Romani

Eu tô tentando inclusive pensar na internet como esse lugar de: “cara, a gente usa, sabe? A gente tá na internet. A gente tá nas redes”. Em vez de negar isso, o que a gente pode fazer para transformar numa coisa mais saudável? Mais acolhedor? É mais acolhedor em vez de ser ai. Deixa eu desligar meu celular… Então, assim, em vez de ser assim uma coisa: “Ah… eu detesto porque eu não sou igual àquela pessoa”… Quem que eu posso seguir que me traz ali uma inspiração real e genuína, sabe? Se eu não posso viajar para esses lugares, eu tenho certeza que vai ter um outro influenciador que viaja para lugares que você pode viajar, né? Que vai a restaurantes que você pode frequentar. Então, acho que olhar com esse olhar menos de ser uma coisa pejorativa mesmo e mais, tipo: “cara, é um espelho da vida”.

Ana

Essa é a Giovana Romani. A Giovana é uma jornalista especializada em moda, com passagem por importantes publicações do meio, como a revista Glamour. Hoje ela trabalha produzindo conteúdo pra marcas e para as próprias redes sociais dela. Inclusive, a Giovana faz uma análise interessante não só sobre os valores do universo da moda, mas também sobre como ela lida com essa questão dos valores hoje, agora na condição de influencer.

Giovana Romani

A gente sempre ouviu dentro das redações que o nosso objetivo era inspirar — o aspiracional, né? A mulher se enxergar naquela outra mulher, né? Ela desejasse aquilo que ela não pode ser. Olha que loucura, né? E aí entram várias questões, inclusive, de outros vieses — de racismo, de privilégios e padrões, e estabelecimento de padrões, inclusive, gordofóbicos, racistas e tudo isso, enfim. Então, assim, a moda realmente tem esse lado. Tinha, né? Acho que tem, tá sendo desconstruído. Então, acho que as redações tinham isso. Aí, a blogosfera, quando surgiu, replicou um pouco isso, trazendo assim pra vida real. Mas que vida real, né? Não era minha vida real porque eu nunca tive acesso a determinadas grifes que essas meninas blogueiras do começo compravam e tal. E aí para mim é isso: o importante é de fato ter uma bandeira que é o que eu sou e acredito.

Enfim, sempre fui. Então, acho que comecei ali realmente com a coisa das mulheres e o entendimento dessa vulnerabilidade feminina e de entender como a moda se encaixa aí, como a beleza se encaixa aí… Como que a gente avançou e como que eu avancei e assumi os meus BOs também, sabe? Assumi também que tipo eu trabalhei numa marca que já foi toda problemática. Eu mesma acabei, comecei contando aqui que trabalhei em redações e que eu enxergava determinadas coisas, né? E aí acho que hoje para mim é tipo isso assim: se eu puder levantar a bandeira das mulheres sempre, mas em todo sabe assim… tipo… é o quê das mulheres? Tudo… tudo. Assim, ter o direito de eu achar um saco ser mãe, se eu quiser. Eu reclamar que eu acordo cedo ou adorar acordar cedo.

Eu sempre que eu vou falar para estudantes, para lojistas, pra quem for, eu falo da importância da moda, de como eu enxergo a moda no mundo, a moda enquanto política, a moda enquanto a sua mensagem, o que você é no mundo, que a sua escolha de se vestir de, sei lá, uma roupa velha surrada conta uma história sobre você conta que coisa, que você acredita que tem a ver com esse código de vestimenta, né?

Caju

A Giovana encarna perfeitamente a importância de um influencer ter uma causa, né? E, claramente, ela tem uma voz muito original e necessária num universo que, como ela própria disse, durante muito tempo disseminava e reproduzia preconceitos contra negros, pessos fora do peso, dentre outras…

Ana

Nossa, que bom que as coisas estão mudando, ainda que falte bastante…

Caju

Com certeza, Ana! Agora, tem uma coisa que não muda nunca: todo trabalho tem um Lado B, né? O trabalho pode ser muito recompensador, mas também é muito comum que ele seja uma fonte de inseguranças e de frustrações. Isso pode ter a ver com questões mais mundanas e materiais — e aí, em português claro, eu estou falando de grana [sfx: barulho de caixa registradorat. Mas também pode ter a ver com questionamentos mais filosóficos e existenciais sobre o sentido mesmo do trabalho.

Ana

Caju, enquanto você falava, eu fiquei aqui pensando em uma coisa muito importante: uma neurose que deve rolar demais entre os influenciadores é a do “cancelamento”, né? Porque, se a pessoa vive da imagem dela, postar algo na internet que acaba não sendo muito bem digerido pela comunidade pode ser não só um tiro no pé — mas um tiro no coração, na cabeça, enfim, um tiro fatal que pode custar a carreira de influenciador.

Caju

Muitíssimo bem observado, Ana. O Gustavo falou exatamente sobre isso.

Gustavo Pórco

Você vai trabalhar numa metalúrgica… Por exemplo, eu trabalhei em metalúrgica. Eu era comprador, enfim, trabalhei lá por 5 anos. Se eu fizesse uma compra errada, tudo bem, eu ia lá e explicava pro meu chefe. Talvez ia ter alguma, sei lá… ele ia me chamar atenção e estava tudo certo. Todas as outras compras, os méritos eles continuavam. Mas, na internet, se você vacilar, você não tem segunda chance. Assim, a questão do cancelamento é o que assombra todos os criadores de conteúdo, seja em qualquer ramo, em qualquer região desse país ou do mundo, cara. Porque você está sempre andando na corda bamba. Você acorda de manhã pensando… não é nem assim: “o que que eu vou fazer para agradar meu público hoje?”. É: “o que que eu não vou fazer para desagradar o meu público hoje?”

Ana

Cara, eu não consigo nem imaginar esse sentimento que pode beirar até o medo mesmo, né? Porque a pessoa pode construir uma carreira bacana, despontar como um influenciador importante, e aí, ou por um comentário infeliz, ou por uma idiotice mesmo, acaba pondo tudo a perder…

Caju

Mas tem uns casos de “cancelamento” que eu vou te falar, hein, Ana? Tem gente que parece que pede pra ser cancelado — e acaba sendo cancelado com razão, né? Acho que o maior exemplo é o Monark, aquele podcaster e influenciador famoso, que defendeu a existência de partido nazista e depois veio com aquele papo de “veja bem, não é bem assim…”

Ana

Ah, aquele pedido de desculpa esfarrapaaado…Tem um vídeo excelente feito pela Maria Bopp — uma atriz, humorista e também influenciadora. O vídeo é uma tiração de sarro desses pedidos de desculpas de influenciadores que falam bobagem e depois vêm pedir o nosso perdão. Vamos ouvir um trechinho:

“Gente, eu tô aqui para pedir desculpas por parecer que eu menosprezei a favela no meu último vídeo de desculpas… Usaram a minha fala completamente fora de contexto. Não é porque eu tenho preconceito contra a favela que eu tenho preconceito contra a favela.”

Caju

Demais, Ana! É bem por aí mesmo! Mas, voltando aqui pro nosso papo, a gente falou desse “fantasma do cancelamento”, mas esqueceu de debater os outros desafios que os influenciadores enfrentam no trabalho. Um dos maiores é a volatilidade, a instabilidade da profissão.

Gustavo Pórco

Eu consegui muito trabalhar minha cabeça, minha mente, para primeiro: entender que tudo é fase. A gente não sabe o dia de amanhã. Se está bom, está bom. Se está ruim, também está tranquilo. Eu consegui trabalhar muito a minha mente porque eu vim já do meio artístico. Eu já fui cantor, já tive dupla sertaneja, e eu sei como é que funciona muito bem assim. Passei por situações muito constrangedoras na época que eu cantava. Existia muito troca-troca. Às vezes você tem que fazer alguma coisa que fere a sua moral, enfim, para conseguir algum benefício. O ramo artístico sempre teve e sempre vai ter muito disso, sabe? Em todos os segmentos. Aí, seja ator, cantor, enfim. Então, eu sempre vim muito vacinado nessa questão assim de não deixar, entre aspas, a fama pensar que eu sou melhor do que ninguém. E saber que do dia para a noite isso pode acabar.

Ana

É importante mesmo manter os pés no chão. Já a Giovana refletiu sobre o desafio que é ficar se provando o tempo todo e de se entender como um “influenciador profissional”.

Giovana Romani

Acho que começa mesmo, tipo, com a classificação e o nome disso assim, né? Tipo: era mais gostoso falar que eu era diretora de uma revista. Acho que é mais gostoso. Assim, você fala isso, acho que te coloca num outro lugar no mundo, assim, sabe? As portas se abrem. Acho que de cara as pessoas entendem: “Putz, ela deve ser boa no que ela faz, né? Ela tem ali uma competência, um talento”. Começa aí, né? Começa tendo que provar alguma coisa que, talvez um cargo, já deixasse claro assim, né? Acho que outro lado também é constante de tipo também… Dentro de uma redação, onde você galgou posições ali, subiu, foi promovida ao longo de 15 anos, também é fácil entenderem ali qual que é o seu talento, que você é mais que uma carinha bonita e não sei o quê… Acho que eu fico nessa, ainda. Mesmo com essa idade, às vezes, eu fico: tipo, cara, será que estão entendendo que eu não sou só uma foto, sabe? Será que eu tô conseguindo passar que tem uma coisa além e tal? Eu acho que sim, mas, de qualquer forma, esse é um exercício que eu tô fazendo agora aqui com você e tal. Porque ainda não é algo que me tira o sono à noite, assim, ainda não é algo que eu levo para a terapia, entendeu? Assim, não é uma coisa tipo: “Ai, tô em crise com isso e tal”. Acho que eu tento mesmo olhar pelo lado tipo: “hum… o que que a gente pode tirar de bom disso aí, sabe?”

Caju

Taí uma bela indagação para a gente concluir o papo de hoje, hein, Ana? O que que a gente pode tirar de bom disso aí?

Ana

É, parece não estamos mais nos anos de ouro do influenciador-celebridade, aquele que acumula legiões de seguidores e ganha rios de dinheiro só por ser famoso. Não quer dizer que isso vá acabar, mas é positivo que haja uma onda mais focada no conteúdo do que na forma — ainda que o conteúdo, muitas vezes, possa ser bem questionável…

Caju
Verdade, Ana. Esse fenômeno de influenciar as pessoas por meio das redes sociais é algo que veio para ficar — ou que, ao menos, vai durar por muito tempo. Então, como disse a Giovana, é melhor tentar fazer disso uma coisa mais positiva. E assim a gente chega ao fim da nossa terceira temporada, tentando influenciar as pessoas a discutir o mundo do trabalho de uma maneira mais interessante!

Ana

Pô, Caju! Que pena… mas a gente volta logo.

Caju

Com certeza!

Ana

A gente fica por aqui.

O Trabalheira é um programa da Rádio Batente, a central de podcasts da Repórter Brasil.

O roteiro original é do Carlos Juliano Barros, o Caju.

Caju

E o tratamento de roteiro é da minha amiga e companheira de apresentação, Ana Aranha.

Ana

A montagem e a edição ficam por conta do Victor Oliveira. As trilhas foram compostas pelo João Jabace e pela Mari Romanno, quando este programa era produzido em parceria com a Rádio Novelo. A eles, o nosso “muito obrigado”.

Caju

Valeu, Ana! Até a próxima temporada!

Ana

Até, Caju!

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