História acorrentada

No sertão piauiense, um dos maiores tesouros arqueológicos do mundo está se transformando em pó. Rochas com pinturas rupestres são queimadas para a fabricação de cal. E o pior: mão-de-obra escrava é utilizada para o trabalho.
Por Leonardo Sakamoto
 01/03/2000
Caieira em sítio arqueológico próximo ao Parque Nacional da Serra da Capivara (foto Cristiane Buco/Fundham)

Mão de obra escrava está sendo utilizada para destruir parte do patrimônio cultural da humanidade no meio do sertão nordestino. Sítios arqueológicos que contêm pinturas rupestres datadas em 40 mil anos são dinamitados ou dilapidados a golpes de picareta. O motivo não podia ser mais banal, as rochas de origem calcária servem de matéria-prima para a fabricação de cal, utilizado na construção civil. O governo sabe muito bem o que acontece, mas faz vistas grossas há anos, obedecendo a interesses dos políticos locais. Enquanto isso, essas pinturas, que talvez sejam as mais antigas em todo o mundo, podem deixar de existir de uma hora para outra como parte das comemorações dos 500 anos de Brasil.

O Parque Nacional da Serra da Capivara, localizado no município de São Raimundo Nonato, no Estado do Piauí, possui a maior concentração de pinturas rupestres das Américas, com mais de 30 mil desenhos em 417 sítios arqueológicos catalogados – dos quais apenas 11 foram efetivamente explorados. Foi lá que a arqueóloga Niède Guidon, diretora do parque, encontrou vestígios de ocupação humana que remontam 500 séculos. Isso colocou de pernas para o ar as teorias norte-americanas de que os primeiros sapiens vieram a pé pelo Estreito de Bering e daí povoaram o continente. Pois, para que isso seja verdade, os mais antigos vestígios têm que estar lá e não aqui – ao contrário do que os achados na Serra da Capivara mostram.

Independentemente da guerra acadêmica que se instalou, é inegável a importância da região para ajudar a revelar como era a pré-história americana. A ponto da Unesco, em 1991, elevar o parque à categoria de Patrimônio Cultural da Humanidade.

Quem toma conta da Serra da Capivara é a Fundação Museu do Homem Americano, Fundham, criada por uma missão franco-brasileira, que além de substituir as atribuições do Ibama acrescenta às de pesquisa científica interdisciplinar e desenvolvimento sustentável dos moradores da região. Todas as melhorias realizadas nessa década, capacitando o parque a atender os visitantes com estrutura de primeiro mundo, é obra da Fundham.

Devido à fiscalização constante nos 130 mil hectares do parque nacional, conseguiu-se diminuir o número de mortes de animais silvestres por meio da caça, comum entre os moradores. Tatus e onças beiraram a extinção. E para garantir a sobrevivência das famílias que dependiam dessa carne, criou-se um programa de apicultura. Famílias do Sítio Mocó, povoado próximo à entrada principal do parque, foram treinadas para esse trabalho. O projeto deu certo e garantiu-se um salário mínimo por família todo o mês com a comercialização do mel.

Além da área do parque, uma faixa abrangendo as terras a 10 quilômetros de distância do perímetro está sob proteção ambiental, ou seja, nada pode ser derrubado ou destruído sem a prévia autorização da administração. Afinal de contas, vestígios arqueológicos não entendem o que são linhas demarcatórias e se estendem por toda a região. E técnicos de Brasília não entendem também que é necessário aumentar tamanhos de parques nacionais quando o patrimônio cultural, histórico e biológico estão em risco.

Nessa situação, fora do parque, mas dentro da área de proteção, estão os chamados Serrotes, formações calcárias ricas em grutas e cavernas. Nelas já foram encontrados ossos de animais da megafauna, como tigres dente-de-sabre e mastodontes, que viveram na região há mais de 10 mil anos. No Serrote da Bastiana estão as primeiras pinturas rupestres em todo o planeta que retratam esses animais, mais exatamente uma preguiça gigante.

De acordo com datações feitas pelo professor Shigeo Watanabe, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, as idades obtidas para os desenhos na Bastiana apontam entre 32 e 40 mil anos, equivalente aos sítios arqueológicos mais antigos do mundo em Chauvet, na França, e na Austrália. Contudo, o que se datou foi apenas a camada de cálcio que se depositou sobre a tinta ao longo do tempo e não a pintura propriamente dita. Portanto, é de se esperar que são bem mais antigas que isso. Amostras do pigmento foram enviadas aos Estados Unidos para que se conheça a idade real das gravuras, que deve estar em torno dos 40 mil anos. Ou seja, as mais antigas de que se tem notícia.

Em qualquer lugar isso já seria motivo para desapropriar as terras, ressarcir os antigos proprietários e iniciar um trabalho de pesquisa e conservação. Em Portugal, descobriu-se que uma área a ser inundada pela construção de uma barragem possuía dezenas de sítios arqueológicos. Isso foi o suficiente para o governo embargar a obra, cobrir os prejuízos dos empreiteiros (em um montante que ultrapassou os US$ 150 milhões) e construir infra-estrutura para visitação e pesquisa. Ou mesmo o caso do Lago Nasser, no Egito. Na época da construção da Barragem de Assuã constatou-se que um dos mais belos monumentos da humanidade, o templo de Ramsés II iria ser coberto pelas águas em pouco tempo. A solução encontrada foi gastar centenas de milhões de dólares para retirar estátua por estátua de seu lugar original e transportar para outras dezenas de metros acima.

Porém, o governo brasileiro não tem se mostrado muito interessado na questão, apesar dos apelos de Niède Guidon e de toda a Fundham. E assim como foi em Portugal e no Egito corre-se contra o relógio. Aqui o problema não são as águas, mas talvez a falta delas.

Sob risco, pinturas que podem ter 40 mil anos

A região de caatinga do sertão do Piauí está inserida no semi-árido nordestino, ou seja, é seca em boa parte do ano. As chuvas que costumam cair de outubro a abril desaparecem nos outros meses. Sem grandes rios perenes, a população fica a mercê do que conseguiu plantar e colher quando havia água. Sem trabalho e precisando colocar comida na mesa, pais, mães e filhos acabam caindo nas mãos dos contratadores das caieiras.

A prática de fabricação de cal na região é antiga, mais antiga até que o próprio parque que nasceu em 1979. Grandes fornos são construídos para queimar os blocos de calcário até virarem pó. O processo leva uns dois dias e enquanto isso, to
neladas de madeira viram cinzas. Madeiras nobres, como o angico, servem muitas vezes como alimento ao fogo e são postas a baixo em um ritmo assustador. Como agora é proibido cortar madeira para o forno, os contratadores escapam da lei queimando a madeira de cercas. Novo forno, nova cerca.

As famílias que dependem desse serviço acabam se tornando escravas, no que se convencionou chamar de “escravidão branca”. Os contratadores fornecem lenha para a queima do calcário e vendem aos trabalhadores óleo, arroz e feijão – alimentação básica do sertanejo. Como estes nunca têm dinheiro, vão colocando na conta ao longo dos meses. Na hora do acerto final, o preço da cal vendido aos contratadores é sempre menor que o valor total da lenha somado ao dos mantimentos consumidos no período. As famílias terminam sempre endividadas e obrigadas a trabalhar mais para quitar o saldo – o que nunca acontece. É como uma bola de neve descendo a montanha, crescendo mais a cada dia.

Os contratadores não costumam ser os proprietários dessas terras, e sim atravessadores que arrendam do dono o direito de explorar a cal, pagando pouco por isso. Lucram verdadeiras fortunas e, no final das contas, o que fazem é tão deplorável quanto a escravidão convencional. Aqui o “servo” recebe como remuneração apenas comida e perde a sua liberdade devido a um contrato firmado.

O fogo dos fornos está consumindo tudo por ali. A floresta, as vidas e a História. Para cada 48 horas de queima ininterrupta de um forno são necessários sete caminhões de madeira, de acordo com o depoimento de Juscelino Vieira da Silva, trabalhador das caieiras, aos fiscais do Ministério do Trabalho que visitaram a região e constataram a situação inumana em que vivem essas pessoas.

Com o sol queimando a cabeça, arrebentam a rocha, carregam os pedaços com o carrinho de mão, contróem fornos e queimam a cal. Muitos morrem de doenças cardíacas, outros com o que chamam de “sangue cozinhando” – em razão da alta temperatura que devem suportar para manter o fogo aceso.

Juscelino perdeu a mão esquerda ao tentar utilizar um explosivo caseiro feito com pólvora preta e bucha de tecido numa pedreira no Serrote do Artur. Teve que se dedicar apenas ao roçado como forma de sustentar a família. Recentemente, o governo cortou a sua aposentadoria que havia adquirido por incapacidade de trabalhar.

De acordo com o depoimento de outro dos trabalhadores, um desses atravessadores, Valmir Silva Costa forneceu o explosivo que levou os dedos e os movimentos de sua mão direita. Valmir é o maior comprador e revendedor de cal da região e mora em São Raimundo Nonato. Raimundo Coelho e Aldemar Silva Costa também são nomes de contratadores, este último residindo em Coronel José Dias.

Esse município nasceu do desmembramento de São Raimundo Nonato em várias pequenas cidades. José Dias não passa de um punhado de ruas ao longo da BR-020, que liga Brasília a Fortaleza, rasgando o sertão. Novos municípios nasceram devido à necessidade de alocar o poder local em postos da administração pública. Ou seja, todo mundo quer ser vereador, quer ser autoridade, utilizar-se do poder instituído em proveito próprio. A ponto de um dos vereadores de Coronel José Dias ser pego roubando o cascalho que foi colocado na estrada de terra que leva à entrada do Parque Nacional. Segundo ele, por ser vereador, podia levar o bem público para a sua propriedade.

Questões se resolvem à bala e não é difícil ouvir histórias de desafetos políticos que apareceram mortos na caatinga. Os cientistas além de se preocuparem com suas pesquisas têm também que estar de olho bem aberto e nunca dar as costas para ninguém. Niède já foi ameaçada de morte um sem número de vezes, mas nunca arredou o pé.

Anos atrás, uma missão francesa veio à Serra da Capivara pesquisar o Serrote do Artur. Por lei, mesmo fora do parque e em propriedades particulares, todo o patrimônio arqueológico pertence à União. Portanto, o acesso com objetivos científicos deve ser livre. Porém, Artur, o dono das terras, não entendeu isso e proibiu a entrada, ameaçando Niède de morte. Ela foi até a rádio da cidade e divulgou que quem quisesse ver o seu assassinato que viesse ao Serrote naquele dia. Conseguiu entrar e fazer seu trabalho.

A população custa a ver as melhorias que o parque trouxe para as cidades no seu entorno e o criticam, pois segundo eles, isso impede o seu trabalho. Mas as formas de exploração, como é o caso das caieiras, não trouxeram até hoje benefício algum para o povo mais sofrido. Apenas perpetua-se uma relação de escravidão anterior à Lei Áurea, maquiada pelos processos contemporâneos.

Cena retratada em toca de pedra na Serra da Capivara

O que é mais revoltante nessa história é que as rochas que estão sendo transformadas em pó pelo trabalho escravo contêm uma das principais chaves para se entender o passado da humanidade. Pedras com pinturas rupestres são queimadas dia após dia. A cada banana de dinamite que é colocada, 20, 30, 40 mil anos de história estão indo pelos ares. Ironicamente, os desenhos da pré-história se transformam na cal que vai pintar muros e cercas, fazendas e indústrias.

A Fundham não pode colocar guardas nas áreas que não pertencem ao parque, apesar de fazerem parte do entorno. Isso causa um problema sério, pois apesar do Ministério do Trabalho já ter concluído que é necessária uma fiscalização ativa na região em um laudo de 1997, nada foi feito.

Um despacho da Justiça Federal do Piauí de 28 de abril do ano passado foi emitido determinando a destruição das caieiras existentes em São Raimundo Nonato e Coronel José Dias, o envio de força policial para que a decisão judicial seja acatada, assegurada a integridade dos sítios arqueológicos e que seja instaurado inquérito para investigar proprietários de terra, atravessadores e trabalhadores envolvidos nessas práticas. A polícia vai, espanta e depois tudo vota ao normal.

Toda a exploração mineral só pode ser feita com autorização do governo brasileiro. E isso não existe lá. Dinamite não é coisa barata e nem bugiganga que se compra na esquina. O negócio da construção civil e do comércio de cal movimenta essa prática ilegal. Há muito dinheiro envolvido e junto com ele, políticos dos municípios da região e de todo o Estado. De acordo com Niède Guidon, alguns desses políticos tiveram a cara de pau de recorreram ao Ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, para obter a liberação da exploração na Área de Preservação Permanente no entorno do parque. Dizem que sem a extração da cal, os trabalhadores não sobrevive
riam e morreriam de fome. O ministro não liberou. Mas fica uma pergunta: e quando o calcário e as árvores da região acabarem?

Já há furos no Serrote da Bastiana para a colocação de dinamite. Rochas que protegiam como um telhado a gruta foram retiradas e, agora, a chuva escorre pelas pinturas que já estão riscadas e danificadas. A Fundham apresentou um projeto à SUDENE e ao Ministério da Cultura em que sugere uma alternativa à exploração de cal, garantindo ao mesmo tempo o fim do trabalho escravo na região e a conservação do patrimônio cultural. Com o nome de “Educação: Ferramenta para a mudança social e econômica”, o projeto quer mudar a cara daquela parte do sertão.

Comprariam-se as terras dos Serrotes, construindo infra-estrutura para a proteção das pinturas e abrindo o local para a visitação pública – gerando, assim, fundos para tornar o projeto auto-sustentável no futuro. Uma barragem seria criada no local, com capacidade para 6 milhões de litros de água a ser utilizada pela população no período da seca. Instalaria-se, em uma escola da prefeitura abandonada, cursos de alfabetização e conscientização da cidadania, além de aulas para a formação profissionalizante em apicultura, cultura hidropônica de legumes, plantas ornamentais e medicinais. E por fim, construção de apiários e de canteiros de hidroponia utilizando-se a água da barragem para o cultivo.

O projeto estava orçado em aproximadamente R$ 700 mil, irrisório se comprados com as centenas de milhões de dólares de projetos equivalentes em outros países. E talvez porque o governo brasileiro é uma espécie única entre os demais países, a resposta foi “não”, devido à insuficiência de verba.

O governo que tanto se esmera nas comemorações dos 500 anos de Brasil, mostrando ao mundo que preserva seu patrimônio, ignora que 400 séculos de história podem deixar de existir. Por insuficiência de verba.

Que patrimônio é esse que ele está preservando? O seu povo com certeza não é, uma vez que é fato as condições desumanas a que estão submetidos esses escravos das caieiras. Sua história, muito menos, considerando que em outros lugares do mundo sítios arqueológicos bem menos importantes que esses já estariam sob a guarda total do Estado. O caso em São Raimundo Nonato, no sudeste do Estado mais pobre da Federação, nos faz refletir sobre nossas prioridades, o nosso futuro, o que queremos ser.

Afinal de contas, que nação somos nós, que escravizamos nosso povo para destruir a nossa história?

O trabalho escravo no Brasil

Há lugares do Brasil em que a resolução do dia 13 de maio de 1888 ainda é desconhecida. Apesar de todo e qualquer tipo de trabalho escravo estar banido de nosso território e de o país assinar tratados e convenções internacionais contra essa prática, infelizmente ela ainda é uma realidade entre nossos trabalhadores.

A servidão que aparece com maior freqüência é aquela imposta por uma dívida crescente e impagável, como acontece com as famílias que extraem a cal no Piauí. Os empregados têm que comprar comida, objetos e ferramentas de trabalho no armazém dos seus próprios chefes, a preços exorbitantes. Em alguns casos, quando os peões são transportados de uma localidade distante para a lavoura, o valor da condução também é abatido do montante a que o trabalhador tem direito receber. Os contratos, quase sempre verbais ou que simplesmente “desaparecem” quando chega a fiscalização, impõe severas multas se empregado decidir abandonar o serviço antes do prazo.

De qualquer jeito, no final das contas os trabalhadores estão endividados até o pescoço com seus próprios patrões ou com capatazes deles. Dessa forma são obrigados a continuar trabalhando até quitar a dívida.

Se isso já não fosse suficiente, há casos em que pistoleiros ou seguranças armados impedem a saída ou mesmo a fuga de pessoas das fazendas ou estabelecimentos. E na maioria dos casos não existe condições mínimas de higiene, assistência médica, alimentação ou moradia.

Essa prática deplorável está espalhada por todo o país, nos campos e cidades. Na região norte de Minas Gerais e no Centro-Oeste, carvoarias funcionam a todo o vapor, utilizando-se de mão de obra escrava em verdadeiros campos de concentração. Como o trabalho do chefe da família é insuficiente para quitar a dívida, as crianças pegam no batente fazendo uma jornada tão longa quanto a de seus pais, às vezes com 18 horas de trabalho por dia. Nos canaviais e nas plantações de laranja no Estado de São Paulo funciona esquema parecido.

A Fundação Abrinq criou o selo “Empresa Amiga da Criança” que é estampado nos produtos que não utilizaram trabalho infantil e recomenda que não se compre de empresas notoriamente acusadas de colaborar com a prática.

Nas cidades grandes, há o exemplo de São Paulo onde imigrantes ilegais latino-americanos, principalmente bolivianos, estão em regime de semi-escravidão em confecções na região central. Trabalham para comer e ter um teto. São comuns as batidas policiais revelando verdadeiras quadrilhas que mantém essas pessoas em cativeiro. Porém, desaparecem em um lugar para logo em seguida surgir em outro.

De acordo com a Pastoral da Terra, da Igreja Católica, os processos criminais sobre o trabalho escravo (coberto pelo artigo 149 do Código Penal) são, muitas vezes, arquivados antes de chegar o julgamento. E isso quando há a possibilidade de se levar os responsáveis aos tribunais. As testemunhas têm muito medo de aparecerem, pois não há um programa eficaz de proteção.

Um dos Estados onde acontece maior incidência de trabalho escravo é o Pará. A própria polícia local reconhece que existe um cemitério clandestino de peões mortos em regime de trabalho escravo na fazenda Incoce, no município de Goianésia, em 1997. Ninguém foi responsabilizado.

Deputados federais e estaduais ligados a grandes latifundiários garantem que os projetos de lei que tornam mais severas as penas pelo crime de trabalho escravo não passem nas Assembléias ou na Câmara dos Deputados.

O primeiro homem das Américas

Escavações feitas no Boqueirão da Pedra Furada no Parque Nacional da Serra da Capivara pela equipe da arqueóloga Niède Guidon encontraram o que acredita-se ser restos de uma fogueira e pedras lascadas, ambas datadas em mais de 50 mil anos de idade. A comunidade científica internacional rachou sobre o tema. Alguns rechaçam
essas pesquisas, acreditando que a fogueira possa ser restos de madeira incinerada por um raio e que as rochas lascaram-se durante a queda de um bloco.

A briga formada sobre qual teria sido a porta de entrada do homem na América instalou-se. De um lado os que acreditam que a travessia do Estreito de Bering durante a última Glaciação tenha sido o único caminho adotado. Para quem não aceita essa teoria, outra porta de entrada do continente americano poderia ser a costa do Pacífico na América Latina, com viajantes vindos do Sudeste Asiático e das ilhas oceânicas. Ou seja, que a colonização aconteceu por povos diferentes em épocas diferentes.

A situação começou a tomar novos rumos com uma descoberta no ano passado na Toca do Garrincho. Dentes com 15 mil anos foram desenterrados e apresentados ao público. Com essa idade são os fósseis humanos mais antigos do continente. A datação em 40 mil anos das pinturas do Serrote da Bastiana também é uma grande evidência de que o homem pode ter vivido aqui bem antes do que na América do Norte.

Se aceito pela comunidade internacional, os dentes e desenhos – que não podem ser causados por raios ou quedas de blocos – encerrarão de vez a discussão sobre quem chegou primeiro aqui.

São Raimundo Nonato, Março de 2000

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