Terminal na Bahia pode colocar meio ambiente em risco

Denúncia da construção de um terminal de escoamento de eucalipto no sul da Bahia que poderá causar um gigantesco impacto no meio ambiente da região, na população de pescadores, podendo atingir até o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos.
Texto e fotos: Leonardo Sakamoto
 01/10/2000
Foz do rio Caravelas, onde será construído o terminal

A Aracruz Celulose, maior produtora mundial de celulose branqueada, pretende construir um terminal de barcaças na foz do rio Caravelas, sul da Bahia, para escoar pelo mar toras de eucaliptos com destino à sua fábrica no Espírito Santo. O projeto inteiro prevê investimentos de R$ 77,4 milhões. Ambientalistas e pesquisadores afirmam que o empreendimento possui um grande potencial de impacto ambiental e, se não forem tomados os devidos cuidados, pode-se colocar em risco uma enorme área de manguezais e recifes de corais, incluindo toda a fauna que esses ecossistemas sustentam. A preocupação se torna ainda maior devido à proximidade da região com o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos – um grande santuário ecológico escolhido pelas baleias jubarte como maternidade.

O Estudo de Impacto Ambiental e o conseqüente Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) já foram concluídos e estão sendo analisados pelo Centro de Recursos Ambientais do estado.

Para a operacionalização do terminal, será necessária a dragagem de um trecho com mais de um quilômetro de extensão próximo ao Canal do Tomba – uma passagem natural que existe no mangue entre o rio Caravelas e o oceano. A calha vai ser rebaixada até atingir cinco metros de calado (profundidade), permitindo assim a passagem das barcaças. Atualmente, essa região fica com meio metro na maré baixa o que impede o trânsito das embarcações previstas para o transporte da carga.

O processo irá retirar cerca de 700 mil m3 de sedimentos em um primeiro momento e mais 45 mil m3 a cada dois anos para a manutenção – uma vez que o fluxo de depósito é constante. A alteração no manguezal e a dragagem vão levantar uma “nuvem de poeira” subaquática que pode prejudicar todo o interligado ecossistema da região.

De acordo com o oceanógrafo Sérgio Fantini, administrador da Área de Preservação Ambiental da Ponta da Baleia-Abrolhos, “tanto a vegetação e a fauna do manguezal, quanto os corais próximos à costa, são ecossistemas frágeis, e fundamentais ao equilíbrio ambiental regional.”

“Ambos representam importantes recursos para o ecoturismo regional e principalmente para a pesca artesanal que sustenta mais de duas mil famílias de pescadores no extremo-sul baiano. Como é sabido, o manguezal funciona como um berçário para espécies marinhas de importância comercial, além de sustentar a sobrevivência de uma grande parte da população extrativista, que daí retira espécies residentes, como caranguejos e ostras, para o próprio sustento como também para comercialização e troca por outros produtos. Estes recursos podem sofrer impactos devido à suspensão causada pela dragagem.”

Segundo Henrique Horn, diretor do Parque Nacional dos Abrolhos, a nuvem de poeira pode atingir e prejudicar os bancos de corais costeiros, como o Parcel das Paredes – um dos maiores conjuntos coralíneos do mundo. “Seria alterado o regime hídrico do mangues, a entrada e saída de água. A fase juvenil [larva] de muitas espécies fica no mangue, o que deve ser considerado.”

A professora Yara Schaeffer-Novelli, do Instituto Oceanográfico da USP, vai mais longe e diz que, por mais que se tenha cuidado, a dragagem pode atingir os recifes de corais dos Abrolhos. “A conservação dos manguezais de Caravelas torna-se ainda mais imperiosa devido à sua associação com o Parque Nacional. No caso da perda da área de manguezal, haverá maior chegada de suspensão para as águas costeiras, comprometendo a sobrevivência dos organismos da fauna e flora formadores dos recifes de coral. O excesso de suspensão pode causar entupimento dos corais com efeitos letais para o ecossistema.”

Outro problema é o bota-fora dos sedimentos retirados do fundo do canal. Ele não pode ser feito em qualquer lugar, uma vez que a região está rodeada por delicadas estruturas que não suportariam o despejo de 700 mil m3 de lama pesada. Muito menos poderiam ser jogadas em alto mar – lembrando que os Abrolhos ocupam uma área de 910 km2 de oceano próximo à costa.

De acordo com Alberto Carvalho, responsável da Aracruz pelo projeto, os manguezais não serão afetados e a suspensão não irá atingir os bancos de corais. “E vamos programar a dragagem nos meses em que não há pesca de camarão para não atrapalhar os pescadores”, afirma. “O bota-fora será feito no mar, um quilômetro ao sul do ponto de dragagem não trazendo risco para a região.”

Baleias jubarte procuram Abrolhos para se reproduzir

Trânsito de baleias

Para os ambientalistas, o trânsito das barcaças também requer atenção, pois a rota de navegação – que ficará a cargo de outra empresa, a Norsul – passa por área de incidência de baleias. Uma embarcação sozinha transporta 6,5 mil m3 de toras de madeira – o que corresponde a 105 carretas. De acordo com Ana Freitas, coordenadora do Projeto Baleia Jubarte, existe o perigo de colisão com grupos de mães e filhotes, considerados bem sensíveis, que se aproximam da costa para buscar abrigo.

“Temos amostragem de incidência desses grupos a apenas 5 milhas do continente. Além disso, desde 1991, baleias franca também têm freqüentado a área. Já avistamos algumas até na entrada da Barra [de Caravelas], a 500 metros da costa.” A Aracruz informou que o tráfego seria de duas balsas por dia.

Há a preocupação da reprodução das baleias jubarte ser afetada, se o barulho das embarcações for grande. Um ruído alto pode atrapalhar o canto dos machos, que faz parte do ritual de acasalamento dessa espécie. A Norsul se comprometeu a realizar um estudo de rotas entre julho e dezembro, época de incidência desses animais.

Outros cetáceos também estão ameaçados com o projeto. No rio Caravelas, vivem botos ainda desconhecidos da maioria das pessoas. “Não há nada de estudos feitos na região sobre eles. E vamos estar mexendo no habitat de um grupo que não conhecemos”, lamenta Ana Freitas. Prova disso é que, há algumas semanas, alguns desses animais foram vistos próximos à área em que será construído o trapiche da Aracruz.

Mudanças no mangue

Em terra, o projeto prevê um empreendimento com cerca de 60 mil m2, onde seriam construídos prédios da administração, pátios de estacionamento, via
s e ponte de acesso e cais de atracação para barcaças e rebocadores. A área fica na margem esquerda do rio Caravelas, em região de manguezais. Ou seja, parte do mangue terá que ser derrubado para dar lugar à infra-estrutura do terminal de carga.

Segundo Alberto Carvalho, da Aracruz, o abastecimento das embarcações será feito apenas no Espírito Santo – excluindo a possibilidade de um derramamento de óleo. Porém, todo cuidado é pouco. “Não há porto no mundo em que não acontecem derramamentos”, alerta Henrique Horn. Segundo Ana Freitas, um derramamento que aconteça no trajeto das barcaças poderia até matar baleias.

Além do impacto ambiental, há a preocupação sócio-econômica com os moradores da região. “O vilarejo de Ponta de Areia [que fica próximo à área projetada para a construção] precisa ser preparado para isso. O terminal vai trazer um fluxo muito grande que pode levar a uma pequena vila de pescadores as complicações de uma cidade portuária”, alerta Guilherme Fraga, coordenador do Projeto Abrolhos 2000 da Conservation International do Brasil.

O porto será todo automatizado, não dando tantas chances a falhas humanas. Quando o terminal estiver funcionando, serão gerados 18 empregos diretos e 214 indiretos pela Aracruz, desde operadores a faxineiros. Se considerarmos que esses empregos irão precisar de outros, em setores como alimentação e hospedagem, teremos uma significativa queda no desemprego local. Isso dependendo de como a região se adaptará a essa nova realidade – realidade que normalmente foge às projeções.

O projeto vai trazer outros benefícios. A BR-101, precária em vários trechos entre o Espírito Santo e a Bahia, torna-se ainda mais perigosa com o intenso tráfego de carretas que transportam toras de madeira. O escoamento por uma outra via – que não fosse a rodoviária – aliviaria a estrada, pelo menos entre o sul da Bahia e a cidade de Aracruz, no Espírito Santo, diminuindo assim o índice de acidentes.

Caminhões transportam toras de eucalipto na BR-101

O projeto em análise

Dos R$ 77,4 milhões que o projeto vai consumir na sua totalidade, R$ 23 milhões serão de investimentos em Caravelas. Esses valores não incluem as condicionantes ambientais que são expedidas após a emissão da licença e têm como objetivo minimizar os impactos da obra e dar uma contrapartida à região. O terminal será de cara e descarga, uma vez que, além de escoar a produção de eucalipto, vai também receber toras do Espírito Santo para as serrarias da empresa no sul da Bahia.

Segundo Alberto Carvalho, a empresa se comprometeu a cumprir mais exigências do que foram efetivamente pedidas pelo Centro de Recursos Ambientais (CRA). O EIA/RIMA está sendo analisado pelo CRA, que é ligado à Secretaria de Planejamento e Tecnologia da Bahia. Depois vão ser convocadas audiências públicas para debater o projeto entre o governo, a Aracruz e a sociedade civil. A última palavra fica com o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cepram).

Renato Cunha, da ONG Grupo Ambientalista da Bahia, faz parte do conselho e explica a composição: “são cinco membros do poder público, cinco de entidades ambientalistas e cinco da sociedade civil (empresários e sindicatos de trabalhadores, por exemplo). Na votação vence-se por maioria simples”. Na sua opinião, a chance maior é do projeto acabar sendo aprovado.

Se tudo correr conforme o planejado pela empresa, em março será emitida a licença de localização. A partir daí, mais oito meses para construção do terminal e infra-estrutura de embarque e desembarque.

Agora CRA, Cepram, sociedade civil e principalmente os moradores do lugar devem sentar para discutir e colocar na balança custos e benefícios. Pensar se tudo isso está enquadrado em um conceito de desenvolvimento realmente sustentável, que garanta a sobrevivência do meio ambiente (e do próprio homem) para as próximas gerações. Refletir se vai haver lucro efetivo para pequena Caravelas e para o patrimônio do país.

Aracruz Celulose

Com sede na cidade do Rio de Janeiro, a empresa é a maior produtora mundial de celulose branqueada de eucalipto, respondendo por 20% do mercado mundial desse produto. Detém todo o processo, da plantação de florestas de eucalipto ao acabamento final de celulose, exportando 95% de sua produção.

Possui licença do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Cepram) da Bahia para o plantio efetivo de 49.213 hectares em uma área de 84.156 ha até julho de 2001 – após essa data deverá obter a renovação junto ao órgão. Possui uma série de outros pedidos de licenciamento de áreas para plantio de eucalipto.

O controle acionário da empresa é exercido pelos Grupos Lorentzen, Mondi Minorco Paper, pelo Banco Safra e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). As ações da empresa estão entre as que mais subiram no ano passado (233%, para as preferenciais PNB). No primeiro trimestre desse ano, o lucro líquido foi de R$ 96,9 milhões.

“A Aracruz não tem procurado ONGs para desenvolver trabalhos de preservação ambiental além daqueles que eles já são obrigados a participar”, informa Guilherme Fraga, coordenador do Projeto Abrolhos 2000 da Conservation International. Uma empresa, quando realiza uma obra que vai alterar consideravelmente o meio ambiente, é obrigada a dar uma contrapartida, normalmente investindo em projetos de proteção à natureza ou em ações para garantir o ecossistema.

Segundo sua administração, a Aracruz não possui passivo ambiental, ou seja, está livre de multas e compensações por danos ao meio ambiente.

Em outubro de 1999, a companhia obteve o ISO 14001 para as operações florestais, industriais e comerciais. A certificação informa que ela realiza avaliações sistemáticas de sua gestão ambiental e possui uma política interna formalizada para o meio ambiente.

“Mas essa certificação não vale muita coisa, pois a empresa recebe o ISO 14001 se ela cumprir o que ela mesmo prometeu”, rebate José Augusto Tosato, coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes). Agora, a Aracruz está buscando o atestado do Forest Stuartship Council (FSC) de que as suas atividades de manejo florestal não agridem o meio ambiente. O FSC é reconhecido no mundo inteiro e para recebê-lo é necessário cumprir princípios e critérios internacionais. Um conjunto de entidades ambientais, incluindo o Cepedes foi a campo fazer um levantamento para avaliar se a empresa está em condições de obter esse selo
.

“Quanto ao cumprimento do código florestal, a Aracruz deixa a desejar. Encontramos eucaliptos plantados dentro das mais variadas áreas de preservação ambiental, em mangues e falésias. Em alguns casos, ignora-se até o limite de 30 metros de distância dos mananciais. Isso é inaceitável, pois o desrespeito é muito básico”, alerta Tosato.

A Aracruz junto com a Bahia Sul revezam uma cadeira no Conselho da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, no sul da Bahia. O conselho, que discute o desenvolvimento sustentável e a preservação dessa região, reúne ONGs, governo e o setor privado marítimo e terrestre. As duas empresas entram como representantes dessa última categoria.

Turismo é responsável por US$ 1,25 bi/ano na Bahia

De acordo com Márcia Flaire, professora de economia do turismo da PUC-SP, esse setor responde por 5% do PIB baiano – algo em torno de 1,25 bilhão de dólares – considerando-se empregos diretos e indiretos. A média de gastos do turista é de 80 dólares per capita, sendo a Bahia o destino escolhido por 15% dos brasileiros.

De acordo com dados da Empresa de Turismo da Bahia S.A. (Bahiatursa), em 1999, 3,9 milhões de turistas visitaram o estado, sendo 468 mil estrangeiros. Um crescimento de 6,5% com relação ao ano de 1998 e de 97% se comparado a 1991.

O governo baiano trabalha com uma estimativa de 667 mil novos postos de trabalho a serem criados por esse setor até 2005 – 121 mil empregos diretos e 546 mil indiretos. Com essa perspectiva, quase 267 mil famílias (ou 1,33 milhão de pessoas) dependerão economicamente do turismo em cinco anos. De acordo com o IBGE, a Bahia contava com 12,7 milhões de habitantes em 1997.

Diversas aves, como os atobás, fazem das ilhas do arquipélago um berçário

Parque Nacional Marinho dos Abrolhos

O primeiro parque nacional marinho do país surgiu em 1983 para proteger uma filial do paraíso localizada a aproximadamente 70 quilômetros do litoral sul da Bahia. Com uma área de 91 mil hectares, engloba quatro ilhas do Arquipélago dos Abrolhos (a quinta, Santa Bárbara, pertence à Marinha), o Parcel dos Abrolhos e o Recife das Timbebas.

Colunas de coral em forma de cogumelo atingem a superfície do mar com mais de 25 metros de altura, colônias de corais-fogo chegam a medir três metros de diâmetro. A visibilidade da água ultrapassa os 30 metros no verão. Isso fora o absurdo de cores de peixes, esponjas, moluscos. A região foi escolhida como berçário para aves, répteis e mamíferos. Atobás, fragatas, beneditos fazem seus ninhos dividindo espaço com tartarugas marinhas que vem calmamente desovar nas ilhas. Entre julho e novembro, baleias jubarte vem namorar ou ter seus filhotes nas águas quentes do parque nacional, atraindo turistas de todo o mundo. Como as baleias estão protegidas pelo decreto-lei 7643 de 1987, a região se transformou em um verdadeiro santuário.

Caravelas, Outubro de 2000

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