O Engenho Resiste

No Brasil, a história da cana-de-açúcar confunde-se com a do país. Da fundação dos primeiros vilarejos até o desenvolvimento das tecnologias de ponta, a exploração da cana criou em torno de si relações que determinaram muito do que somos hoje. Mas enquanto a casa-grande evoluiu, a senzala se manteve.
Por Leonardo Sakamoto
 01/05/2001

 

Paisagem angolana, de onde partiram milhares de escravos para os engenhos

A história da cana de açúcar no país confunde-se com a própria história do Brasil. Presente desde a fundação das primeiras cidades até o desenvolvimento da tecnologia de automação, ela criou relações em torno de si que traçaram muito do que somos hoje.

Por conta de nossa colonização, tivemos nosso processo de modernização retardado. Talvez por isso, ainda hoje, podemos encontrar engenhos em diferentes etapas de desenvolvimento, convivendo ao mesmo tempo e com relações humanas muito parecidas com as das épocas as quais pertenceram.

Essa reportagem percorreu os Estados de Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e São Paulo para mostrar que, apesar da evolução da casa grande, as condições sociais da senzala continuam as mesmas de cinco séculos.

Erasmos, o início

Não há silêncio nas ruínas do Engenho de São Jorge dos Erasmos, no sopé do Morro da Caneleira, em Santos e de costas para o mar. Em suas paredes de pedra, erguidas em 1534, está registrado o barulho da cana sendo esmagada, do caldo cozido em tachos, resfriado, colocado nas fôrmas de cerâmica (os pães-de-açúcar que, pela semelhança, vieram a batizar o morro carioca), raspado e, então, pulverizado. Mas apesar do que dizem as paredes, o eco que hoje se ouve é de buzinas de automóveis e da gritaria das crianças dos condomínios ao lado. Uma irônica homenagem ao lugar que ajudou a ferver o desenvolvimento do país no início da colonização.

Martim Afonso de Sousa aportou em 1531 em terras tupiniquins e, em 1532, dava início à colonização portuguesa. As mudas de cana-de-açúcar que balançaram semanas nos porões dos navios indicavam uma das prioridades: implantar a lucrativa indústria açucareira.

Os primeiros engenhos foram construídos na recém-fundada vila de São Vicente, a primeira do país, por Martim Afonso. Em 1540, um deles, o de São Jorge, foi vendido ao flamengo Erasmos Schetz. Sua família, uma das maiores comerciantes da Europa, levou o negócio ao seu apogeu no final daquele século. Porém, continuou funcionando até o século 18, mesmo quando o foco de produção há muito já estava na Zona da Mata nordestina.

É o único que resta para contar história. Hoje, a preservação desse patrimônio está a cargo da Universidade de São Paulo, através de sua pró-Reitoria de Cultura e Extensão. “A idéia é transformar a região em uma área educacional para visitação”, afirma Margarida Andreatta, professora do Museu Paulista e coordenadora da pesquisa arqueológica.

Vista frontal da parte do Engenho que ainda está de pé

Os trabalhos de campo, que estavam parados há algum tempo, devem ser retomados agora com a promessa de liberação de recursos pela universidade. O dinheiro chegará em boa hora, pois uma das paredes do conjunto, que está precisando de reparos, corre o risco de desabar.

A mesma sorte não será compartilhada por 1,1 mil famílias de uma comunidade próxima ao engenho. Quando chove, os moradores não dormem à noite com medo de sua casa ou barraco serem derrubados do morro pelas águas.

“Em dezembro do ano passado, desmoronou uma casa com seis crianças dentro. Desta vez, todas saíram com vida dos escombros”, lembra Marta Ruas, presidente da Associação dos Moradores de Caneleira III. “Aqui as pessoas dormem com o perigo. Todos sabem que a área é perigosa, mas com vários filhos nas costas e sem dinheiro não há o que fazer.”

O córrego de São Jorge, que escoou a produção de açúcar do engenho, hoje transborda e inunda a favela. Quando chove, os moradores ficam cercados entre a lama do morro e a água do córrego. Falta também espaço dentro dos barracos. Há construções que chegam a medir míseros 3,40 por 2,40 metros. Marta pergunta como é possível pessoas viverem com tão pouco. Amontoados. Sem o suficiente nem para comer. Morrendo cedo.

Como os escravos que habitavam as senzalas dos Erasmos séculos atrás.

Escravos e quilombo

Como os índios resistiam à escravidão, intensificou-se o tráfico negreiro para obter mão-de-obra para o empreendimento do açúcar.

Moenda de cana de Barra e Bananal. A comunidade ainda produz rapadura e melaço de forma artesanal.

A máquina não podia parar. As condições de trabalho eram insalubres, sem descanso. Mas a máquina não podia parar. Para girar os pesados roletes de madeira que chupavam o caldo da cana nas moendas, era utilizada tração animal, rodas d’água (chamados de engenhos reais) ou mesmo força humana. Mas a máquina não podia parar. Um machado era deixado sempre ao lado como garantia. Se a mão ou o braço de algum negro era esmagado e ficava preso nos roletes, o machado cortava o braço e evitava que a moenda o puxasse por inteiro, atrapalhando a produção. Mas a máquina não podia parar…

Muitos negros conseguiam fugir dos maus tratos das fazendas de cana e foram se esconder na mata. Dessa forma, buscando a liberdade, é que surgiram quilombos do norte ao sul da colônia. O mais famoso deles, Palmares, no atual Estado de Alagoas, chegou a juntar dezenas de milhares de almas.

Atualmente, existem classificadas mais de 700 comunidades remanescentes de quilombos no país, totalizando mais de 2 milhões de pessoas, distribuídas em 30 milhões de hectares de terra. Desde 1998, o governo federal vem finalmente conferindo a essas comunidades títulos que atestam a descendência de antigos quilombos e passando para as mãos dos atuais moradores as terras em definitivo. Mas, até agora, apenas duas dezenas de comunidades receberam seus certificados de propriedade.

Uma delas é Barra e Bananal, em Rio de Contas, na Bahia. Lá ainda existe uma velha moenda de madeira – movida a tração manual ou por bois – para a produção de rapadura e melaço, que depois são comercializados. Ao cair da tarde, é possível ver senhoras mexendo o tacho com colher de pau enquanto
o fogo vai cozinhando lentamente o caldo. Misturam farinha de mandioca ao melaço criando uma pasta que, de tão doce, dá dor no dente. Atrás do gigante de madeira, uma pequena plantação de cana divide espaço com alguns pés de algodão, feijão, milho, mandioca e tudo o mais o que a agricultura de subsistência permite aos 740 habitantes.

Sabino Pinto de Souza, proprietário da Preciosa e Brinco de Prata, compara uma antiga moenda com uma que funciona a energia elétrica na sua destilaria de cachaça

Nos últimos 300 anos, a cana se manteve e boa parte dos casamentos ainda são realizados entre parentes. Porém, o quilombo foi passando por um lento, mas contínuo, processo de apagamento de sua cultura. Ora por influência do racismo externo e o bombardeamento de valores ocidentais, ora por uma autocensura que se tornou maior após a abolição da escravidão.

Em 1983, o Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS) construiu um açude público para abastecer as cidades e fazendas da região inundando 50% das terras férteis do quilombo. O próprio órgão do governo reconheceu que a barragem foi danosa à comunidade, mas até agora não tomou as devidas providências.

Carmo Joaquim da Silva, presidente da Associação de Desenvolvimento Comunitário Rural de Barra do Brumado, Bananal e Riacho das Pedras, diz que a comunidade ainda está ganhando consciência de sua raça e de seu valor. E com a ajuda de organizações de cultura negra em Salvador, tentando resgatar o que perderam. O que tem que ser feito rapidamente, pois os mais velhos, que ainda guardam em sua memória a cultura do lugar, estão morrendo. E com eles a própria história do quilombo.

Trabalhar por comida

Ironicamente, os negros que vinham trabalhar nas fazendas de cana podiam ser comprados com cachaça. Produzida em alambiques no Brasil e depois transportada pelo Atlântico, era moeda corrente no comércio de escravos na costa africana.

Antônia Moraes dos Santos mostra sua família en frente à sua casa no vilarejo de Riachinho, em Rubelita, próximo a Salinas. Seu marido viaja todos os anos para cortar cana em São Paulo.

E ainda hoje, cachaça continua tendo alto valor de troca. Pelo menos na cidade de Salinas, no Vale do Jequitinhonha, sertão de Minas Gerais. Devido a uma confluência de fatores – calor, boa água no lençol freático, solo – a região produz as melhores marcas do país. A mais famosa delas, a Anísio Santiago (ex-Havana), chega a custar R$ 130,00, a garrafa, em São Paulo. A ponto do pagamento dos funcionários que trabalham no corte de cana para a Anísio Santiago também ser feito em espécie: duas garrafas por semana.

Algumas vão refazer o caminho de suas antepassadas e cruzar novamente o Atlântico. “Já foram feitos contatos com a Alemanha e França para exportação”, afirma Ailton Fernandes Alves, proprietário da Paladar e Meia Lua. Para aumentar a produção, as moendas deixaram de ser manuais e passaram a ser elétricas, dobrando a extração de caldo. Segundo João Costa, historiador de Salinas, existem mais de mil engenhos produzindo cachaça de na região.

Porém, toda a fama tem seu preço. “Falou que é de Salinas, qualquer um compra. Então, muita gente está falsificando os rótulos e os selos de controle sanitário. Chegam a pegar nossas garrafas vazias e encher com produtos deles.” Sabino Pinto de Souza, proprietário da Preciosa e Brinco de Prata, não está conseguindo pagar as mensalidades do financiamento por conta da concorrência desleal das marcas de baixos preço e qualidade.

Apesar da falsificação e do alcoolismo – outra grave preocupação na cidade – o maior problema é continua sendo a seca. Sem água para plantar, o sertanejo do Vale do Jequitinhonha deixa sua casa indo trabalhar no corte de cana nas fazendas de São Paulo, Mato Grosso e Goiás. Com isso, as “viúvas de marido vivo” (esposas, mães e irmãs) ficam boa parte do ano tocando a vida por conta própria. Antônia Moraes dos Santos é uma delas. Mora à beira da estrada que vai para Montes Claros, em Riachinho, município de Rubelita, bem próximo a Salinas. A comunidade tem 150 pessoas. Ela, seis filhos. O mais velho não fala, nem ouve. Antônia passa meses sozinha quando o marido desce para São Paulo.

“Ninguém aluga ninguém para trabalhar aqui não. Olha só esse solão, a tempestade de Deus aqui pra gente”, lamenta Angelino Pereira dos Santos, que viaja para o corte de cana desde 1986. “A gente tem uma terrinha, mas a seca matou. Feijão, milho, acabou tudo.”

“Se o cara for bom para cortar cana, consegue tirar até R$ 600,00. Mas os ruizinhos, que nem nós, tiram no máximo R$ 200,00”, revela Angelino. Nas fazendas onde costuma trabalhar, R$ 50,00 são descontados todo mês para alojamento, comida e tudo mais. “Menos o sabão.” E quem é contratado pelos chamados “gatos” (atravessadores), tem um rombo maior no salário: R$ 100,00.

Angelino Pereira dos Santos (esquerda) e Betinho Gomes da Costa. "Ninguém aluga inguém pra trabalhar aqui não. Olha só esse solão, a tempestade de Deus aqui pra gente

“Agente de saúde não passa. Médico também não. Morre tudo pelo mato. Muita criança por diarréia, por pneumonia. Depois de 25 anos, é idade para se começar a morrer de doenças de Chagas”, lembra Betinho Gomes da Costa. “Mas morre-se mais de fraqueza e de doença”, como se citasse Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto (“de fraqueza e de doença é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida”).

Tanto Angelino quanto Betinho iam viajar em maio, se conseguissem arrumar uma vaga. Enquanto isso, a dívida com os comerciantes não parava de crescer. Antônia, como sempre, vai ficar.

A usina substitui o engenho

Se as moendas de Barra e Bananal e Salinas pouco evoluíram ao longo do tempo, o mesmo não pode ser dito dos grandes engenhos do Nordeste. Do tapete verde da Zona da Mata, vão saltando dezenas de chaminés de tijolos lançando ao céu a fumaça da queima do bagaço de cana. Seguindo as lições da revolu&ccedi
l;ão industrial, bois, água e negros são trocados pelo vapor. Caldeiras aquecidas criam a pressão que impulsiona máquinas. Escravos são trocados por trabalhadores livres que recebem salários, que são gastos com produtos manufaturados. A produção explode. A área plantada também. Morre o engenho e nasce a usina.

Durante boa parte desse século, tudo era cana. Além do açúcar, o álcool tido como solução tupiniquim para a crise do petróleo na década de 70 ajudou a manter o status. Porém, com o fim do Proálcool, combinado com péssimas administrações familiares em um tempo de crescente profissionalização nos negócios, várias usinas fecharam as portas deixando para fora centenas de funcionários.

Restos da Usina Mussurepe, cujo maquinário foi vendido ou está penhorado para o Banco do Brasil.

A desejada reforma agrária nos latifúndios nordestinos avança a uma velocidade imperceptível. Isso sem falar no êxodo rural em direção às capitais ou ao sul maravilha. Os cortadores de cana talvez sejam os mais afetados nessa história. Trabalhadores sazonais e sem registro na carteira de trabalho, dependem da boa vontade das usinas ainda existentes e das flutuações do mercado para conseguirem comida na mesa.

“As usinas estão tudo fechando, falindo. E para piorar, os cabras estão botando máquina pra tudo: é máquina pra colher, máquina pra plantar, máquina pra adubar. Gente não é mais necessária”, reclama Nelson enquanto aguarda sua vez na mesa de dominó no vilarejo de Desterro. As usinas Petribu e São José, na cidade de Carpina, são as maiores ainda em funcionamento em toda a região, mas não dão conta de atender toda a massa de desempregados.

A antiga usina Mussurepe, que já foi engenho, hoje amarga teias de aranha no que restou de seu complexo industrial. Às margens do rio Capibaribe, chegou a empregar mais de 600 pessoas, criando uma vila em seu redor que quase ganhou a condição de município. Hoje, está quase vazia com moradores que vivem das histórias do passado.

Segundo Genésio Ribeiro da Silva, ex-escriturário da usina, a Mussurepe fechou por conta da má administração. A última moagem foi no dia 21 de dezembro de 1993, mas as dívidas com o INSS e os impostos atrasados e não pagos permanecem até hoje. “Parte da usina foi comprada por um pessoal de Araraquara. Dizem que renasceu lá, está bonita. Pelo menos continua viva em algum lugar, né?” Outra parte foi para o Ceará e está na fábrica de aguardente Ypioca.

Corte mecânico de cana na Companhia Energética Santa Elisa

O caldo que gera luz

A cana, plantada em extensas áreas, é prensada e moída até se extrair todo o caldo. De lá, o bagaço resultante do processo segue para ser queimado nas fornalhas das caldeiras e gerar vapor que então movimenta a própria moenda e todo o sistema. Parte dele, porém, é deslocado para uma central, produzindo energia elétrica suficiente para abastecer toda a usina e jogando para a rede o excedente. O caldo segue para se transformar em açúcar e em álcool combustível. As cinzas resultantes da queima do bagaço e a vinhaça, subproduto da destilação do caldo, vão adubar a plantação, fechando o ciclo.

Diz-se que do boi se pode aproveitar tudo, menos o mugido. O mesmo ditado vale para a cana nas usinas do interior de São Paulo, que souberam modernizar-se. O setor sucroalcooleiro agora também produz energia elétrica, que é vendida às concessionárias. A Usina Santa Elisa, fundada em 1936, em Sertãozinho, até mudou de nome. Agora é Companhia Energética Santa Elisa, pois, como gostam de ressaltar, tudo o que produzem é energia. A companhia, com a capacidade hoje instalada, tem potencial de geração de 30 MW, dos quais pode jogar até 10 MW para a rede da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL).

Maurílio Biagi Filho, presidente da Santa Elisa e do Conselho Superior de Meio Ambiente e Infra-Estrutura da Fiesp, diz que a eletricidade ainda responde por muito pouco do faturamento total da empresa – 0,4% no ano passado, com previsão de 0,8% neste ano. Mas poderia ser mais. Segundo ele, as usinas de cana-de-açúcar de todo o Brasil poderiam ajudar a solucionar a crise de energia se fossem adotadas políticas adequadas e liberados investimentos. "Se a planta energética do país fosse reestruturada, de modo que a produção através de biomassa tivesse mais espaço, em seis anos forneceríamos 10 mil MW para o sistema nacional."

Segundo Biagi, as usinas do interior paulista podem, juntas, cogerar mais 6 mil MW, sendo que um terço disso poderia ser colocado em operação até o ano que vem, ajudando na solução da crise energética. A energia obtida a partir da biomassa polui menos se comparada com as termelétricas, que se utilizam da queima de derivados de petróleo.

Vista geral do parque industrial da Companhia Energética Santa Elisa

A Santa Elisa foi classificada pela revista Exame como uma das 100 melhores empresas para se trabalhar no Brasil, sendo uma exceção. Conta com mais de 4 mil funcionários, dos quais 3 mil trabalham no setor agrícola – uma vez que o complexo industrial é totalmente automatizado. Atualmente, cerca de 50% do corte é feito manualmente. Porém, a tendência é de diminuição gradativa para todas as empresas do setor, ou seja, também aqui os bóias-frias perderão o serviço.

Na tola esperança de encontrar o marido de Antônia, ou mesmo Angelino e Betinho – haja visto que já havia se passado algumas semanas desde que eu deixara Salinas – fui até a cidade de Guariba, onde disseram que havia muitos mineiros do vale.

Caras meio fechadas me receberam. Porém, bastou falar do Jequitinhonha que os sorrisos se fizeram e a conversa veio junto. Petronilo Luís Ferreira, 54 anos, mora entre Araçuaí e Virgem da Lapa. Como desce para São Paulo desce 1973, já se tornou encarregado. “No começo, dormíamos no chão. Mas agora melhorou, dão colchão, beliche, não é mais chão de terra.”

A queima da cana está proibida pelo governo do estado, por razões que vão da poluiç&a
tilde;o até a falta de visibilidade nas estradas. Mas é só dar uma volta por qualquer estrada para ver que caminhões carregando canas tingidas de preto continuam a circular. Pôr fogo na plantação antes do corte facilita a vida dos bóias-frias, pois elimina folhas e mato, deixando só os roletes.

Lourival Máximo da Fonseca, 27, de Botumirim, próximo a Salinas, é considerado um bom colhedor pelos companheiros. Corta 18 toneladas de cana queimada ou 8 de cana crua por dia. A fazenda para o qual trabalha paga R$ 1,60 a tonelada.

Lourival Máximo da Fonseca, 27, considerado um bom colhedor pelos companheiros. Corta 18 toneladas de cana queimada ou 8 de cana crua por dia.

“A folha da cana é afiada, corta o rosto, cega muita gente”, diz o encarregado enquanto mostra uma cicatriz no olho. “Se machucar aqui, tá lascado. Como ninguém tem carteira assinada, morreu não tem essas coisas de aposentar a viúva, não. Mas, os fazendeiros ajudam a enterrar.”

Não encontrei nenhum dos três que procurava. “Ah, mas essas terras estão cheias de gente do Jequitinhonha. E se chovesse por lá, não tinha gente para trabalhar aqui nem por R$ 500,00 por dia”, sorri Petronilo.

Da pequena moenda no morro de Santos até as companhias energéticas do interior paulista a produção saltou de algumas centenas de caixas para 400 mil toneladas de açúcar, fora 200 milhões de litros de álcool por ano – isso só no caso da Santa Elisa. E será que Martim Afonso de Sousa imaginaria que as mesmas mudinhas trazidas nos porões de seu navio um dia iriam gerar um troço chamado eletricidade? Porém, apenas uma pequena parcela da sociedade se desenvolveu junto com a tecnologia. A grande massa permanece como há séculos: vivendo em locais precários, sofrendo preconceitos, tendo que simplesmente aceitar as coisas. Isso sem contar os casos de trabalho escravo de crianças e adultos.

O engenho ainda existe. A casa grande e a senzala também. As relações humanas só ganharam uma roupagem mais nobre.

Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e São Paulo, 2001

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