Entrevista: João Suassuna

 01/06/2001

Encontrando as próprias saídas

O engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, João Suassuna é considerado um dos maiores especialistas em água no país. Já coordenou junto ao CNPq o subprograma de geração e adaptação de tecnologias para o produtor de baixa renda e possui diversos estudos publicados sobre a transposição do rio São Francisco e as condições hidrológicas do Semi-árido nordestino. Segundo ele, o desenvolvimento sustentável do Nordeste passa necessariamente pela criação de tecnologias adaptadas à nossa realidade.

1) É possível criar condições para o desenvolvimento sustentável no Nordeste ou regiões como o Semi-árido dependerão para sempre da ajuda do poder público a cada estiagem?

As características climáticas podem e devem ser encaradas como um desafio e, nunca, como um problema. Por exemplo, temos o desenvolvimento da pecuária de dupla aptidão (carne e leite), com pequenos e grandes ruminantes, usando raças adaptadas às regiões secas. A irrigação deve ser realizada, mas em locais bem específicos (cerca de 2% da região), devido às características dos solos e, principalmente, à quantidade e qualidade de suas águas. Finalmente, são fundamentais ações que assegurem o acesso à água potável para a população, principalmente aquela oriunda de represas, poços escavados no sedimentário (terreno que possui maiores volumes e com água de boa qualidade) e nas cisternas rurais. Com uma política agrícola que dê suporte a essas ações (incluindo crédito rural subsidiado), certamente o Nordeste Semi-árido não dependerá da ajuda do poder público a cada seca.

2) Alguns países realizaram grandes mudanças em suas regiões desérticas, como Israel e o Oeste dos EUA, abrindo-as ao desenvolvimento. Esses exemplos poderiam ser implantados no Brasil?

Não é apropriado compararmos ou tentarmos adaptar as ações que deram certo em países com características ambientais extremamente diferentes das nossas. Jerusalém tem uma latitude de 32° norte, com outro clima e geologia. Neva em Israel e lá não existe o escudo cristalino, que tão bem caracteriza a geologia da zona semi-árida nordestina, onde os solos são rasos e pedregosos. Essa análise também é válida para o Oeste dos EUA. Temos é que capacitar nossas universidades e centros de pesquisa para o desenvolvimento de nossa tecnologia para adaptá-la à nossa realidade.

3) O que é melhor: transformar a região ou adaptar-se a ela?

Adaptar as ações ao ambiente. Um bom exemplo é a irrigação praticada no vale do São Francisco, com um potencial de 1 milhão de hectares. Para se ter idéia do que isso significa, o Chile, com apenas 200 mil ha irrigados, produz anualmente cerca de 1,5 bilhão de dólares em frutas. Portanto, se adotarmos a tecnologia de irrigação adequada ao nosso Semi-árido, certamente teremos, nas margens do Velho Chico, cinco vezes mais capacidade de produção do que o Chile.

4) E existe água suficiente para isso?

A região cristalina nordestina tem cerca de 70 mil açudes, os quais represam algo em torno de 30 bilhões de m³ de água. É o maior volume de água represada em regiões semi-áridas do mundo. Os 28 maiores açudes do Nordeste têm capacidade de represar 12,75 bilhões de m³ de água, sendo que 30% desse volume são utilizados na irrigação e no abastecimento das populações. Os 70% restantes se evaporam. Além disso, a descarga dos rios nordestinos nos aqüíferos subterrâneos é da ordem de 58 bilhões de m³/ano, o que significa dizer que a extração de apenas um terço dessas reservas representaria potenciais suficientes para abastecer os 47 milhões de pessoas da população nordestina atual e irrigar mais de 2 milhões de hectares. Nós utilizamos muito mal as águas dos nossos açudes.

5) Se há tantos projetos, por que a situação permanece igual?

Essas questões passam pela falta de seriedade com que foram conduzidas as políticas de implantação da maioria dos projetos na região. Certamente, a corrupção e o clientelismo prevaleceram em meio à demanda de projetos aprovados. A Sudene, como principal órgão desenvolvimentista da região, talvez tenha sido a principal responsável pela situação lamentável de falência em que se encontra boa parte dos projetos. Já estaria em tempo de ser elencado o que deu certo na região, como forma de se divulgar os seus resultados e mostrar que existem exemplos de sucesso. Sobre essas questões, também mereceria atenção do governo federal, através da criação de programas específicos, a participação do pequeno produtor, o qual sempre ficou à margem do processo produtivo, sufocado que foi pela força dos mais abonados e detentores de prestígio no meio político e governamental.

 

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