A libertadora de escravos

"A região de Eldorado dos Carajás é o pior local no Brasil para o trabalhador rural. Qualquer liderança é tida como ameaça e tem que ser exterminada"
Por Leonardo Sakamoto
 25/01/2003

Na década de 90, a pressão da sociedade civil e de organismos internacionais fez com que as autoridades corressem atrás de soluções para o trabalho escravo. Em 1995, o governo federal criou os grupos móveis de fiscalização com o objetivo de averiguar as condições a que estão expostos trabalhadores, principalmente em locais remotos. Quando encontram irregularidades, como superexploração ou trabalho escravo, aplicam autos de infração que geram multas, além de garantir que os direitos sejam pagos aos empregados. Funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego de diversos estados integram esses grupos, que possuem especialistas em várias áreas – da saúde à jurídica. Hoje, são seis equipes que rodam o país e respondem diretamente a Brasília.

Marinalva Cardoso Dantas, chefe de um dos grupos móveis de fiscalização, era uma das participantes do seminário “Trabalho escravo: uma chaga aberta”, encerrado há pouco na PUC-RS. Abaixo alguns trechos da entrevista exclusiva que ela concedeu a Repórter Brasil.

Repórter Brasil – Esse abril deste ano, o massacre dos trabalhadores rurais sem-terra em Eldorado dos Carajás fará sete anos. Os julgamentos dos policiais militares envolvidos na ação foi polêmico e a grande maioria foi inocentada. Como estão hoje a situação dos trabalhadores rurais da região?

Marinalva – Em minha opinião, o sudeste do Pará é o pior local no Brasil para o trabalhador rural. Eles são escravizados como em outras regiões. Só que lá qualquer liderança é tida como ameaça e tem que ser exterminada. Então, o extermínio de líderes sindicais lá é um absurdo. Nessa semana do Fórum, foi assassinado o líder dos garimpeiros de Serra Pelada. Foi líder lá, a pessoa está com os dias contados. Qualquer pessoa que faça acender na cabeça dos trabalhadores uma resistência ou uma reação a esse sistema de violência que tem lá é exterminada para servir de exemplo. Não é só dentro das fazendas que acontece isso. Dentro da própria sociedade há uma violência para que toda a violência continue, inclusive a do trabalho escravo. Aí lá vem o problema com os indígenas, os sem-terra. Qualquer grupo que ofenda esses latifúndios estão em risco de serem exterminados.

No ano passado, quantas pessoas forma libertadas pelos grupos móveis de fiscalização em todo o Brasil?

Mais de 2 mil trabalhadores com certeza, porque só minha equipe libertou quase 700 no Mato Grosso apenas até o mês de julho. Em 2001, o recordista de casos foi o Pará. Em 2002, não posso lhe dar o número certo, mas até o mês de julho o Mato Grosso estava sendo campeão. Aquela época coincidia com a safra de algodão, produto de exportação que, como a soja, é um grande utilizador de mão de obra escrava na região. Há o agrobusiness, as máquinas supermodernas, agrotóxicos, mas ao mesmo tempo tem a mão-de-obra escrava para o que a máquina não alcança. Escravo é máquina.

De todas essas libertações, qual a que mais te chocou?

A pior cena desse ano foi ver dois trabalhadores cavando um local onde possivelmente haveria um trabalhador assassinado durante uma ação de libertação. Realmente encontramos a ossada e a roupa desse trabalhador. Os dois que cavavamm acreditavam que não havia nada, que a história de uma pessoa enterrada ali era apenas uma lenda. O pior é que quando chegamos com essa ossada, os outros trabalhadores acharam que eram corpos que estavam em outros locais. “Ah, esse deve ser aquele que estava enterrado atrás do banheiro”, “ah, deve ter isso aquele que foi enterrado embaixo da pinguela”, “não, foi aquele que…” Eu vi que estava em um cemitério. E foi relatado nessa mesma fazenda linchamento, torturas, um local de horror mesmo.

No ano passado, quando acompanhei o grupo de vocês em uma libertação, vocês enfrentavam muitos entraves por falta de equipamentos adequados. Problemas com transporte, rádiocomunicadores, aparato de segurança. A situação melhorou?

Mudou agora, no fim desse governo e no início desse governo do PT. Conseguimos o Globalsat [telefone via satélite] e está sendo muito tranqüilo, pois de dentro da fazenda já se toma providências, entra-se em contatos com juízes que bloqueiam as contas dos fazendeiros que utilizam o trabalho escravo. Está bem mais rápido, mais ágil e a agilidade é que faz você conseguir os resultados. Além disso, contamos agora com a companhia da área itinerante da Justiça do Trabalho, procuradores do trabalho, fiscais da previdência. O grupo está maior e mais forte.
Hoje na fala de nosso novo Secretário de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, durante o Fórum, ele garantiu que vai ser facilitado o envio de helicópteros. O Ibama está sendo acionado e todos os outros órgãos que têm essas aeronaves para no cedê-las. Além disso, a Organização Internacional do Trabalho também vai ajudar em várias outras coisas, como um convênio para ajuda financeira.

Para saber mais sobre Trabalho Escravo: http://www.reporterbrasil.com.br/layers/escravos.htm

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