A marcha dos sons

Na marcha do 3o Fórum Social Mundial, a imagem de uma multidão em passeata é uma cena inesquecível. Pena que pouca gente se lembra de palavras, músicas e ritmos das manifestações
Thiago Guimarães
 24/01/2003

Nem só de imagens se fez a marcha de abertura do 3º Fórum Social Mundial. Palavras de ordem, discursos emocionados e protestos musicados foram marcantes para quem participou da passeata que parou o centro de Porto Alegre na tarde desta quinta-feira (23).

Militantes de esquerda estavam inspirados na campanha pela paz. As mesmas pessoas ora cantavam para os EUA, ora para o Iraque. "Chega de bomba, chega de ataque! Fora o imperialismo do Iraque!" E logo depois: "O Bush é um bom companheiro! Ninguém pode negar! Senão ele manda matar!".

Simpatizantes brasileiros do governo na Venezuela bradavam inúmeras vezes um verso pouco criativo: "Uh! Ah! Chavez não se vá!" De fato, no momento talvez fosse o melhor jeito de dar apoio ao presidente, que enfrenta uma longa greve geral e uma ferrenha oposição de empresários e dos meios de comunicação. Tambores, cornetas, bumbos, flautas, apitos formavam uma orquestra popular bem diversificada.

Do contagiante forró nordestino à tradicionalíssima música gaúcha, podia-se ouvir mais ritmos do que no dial de uma rádio FM. E tudo numa só sintonia. Mas o estilo democraticamente eleito pela marcha foi o samba, que fazia até as uruguaias arriscarem uns passinhos. A famosa marchinha de Lamartine Babo dos anos 30 também não passou batida. Era quase impossível não cantar junto com o povo "O teu cabelo não nega, mulata".

Geraldo Vandré foi lembrado pela multidão. "Vem, vamos embora, que esperar não é saber/Quem sabe faz a hora, não espera acontecer" é letra para deixar qualquer um arrepiado ainda nos dias de hoje. E, entre tantos sons e timbres, havia ainda um tipo poderoso de protesto: o silêncio, de quem só observava tímido e sentia. Isso era o mais importante.

Também não faltaram buzinas de carros, ônibus e caminhões engarrafados na avenida Borges de Medeiros. O securitário Luís Giacomangi estava com seu carro praticamente parado à frente da Secretaria Estadual dos Transportes. Seu rosto mostrava o desânimo de quem já tinha passado duas horas para andar dois quilômetros e ainda faltava muito para chegar em casa. Criticava a falta de orientação ao tráfego na região, mas compreendia e respeitava muito bem a vontade dos milhares que ocupavam a pista no sentido contrário.

Quando anoiteceu, o volume foi diminuindo, diminuindo… Alguns pediam: "Não à Alca, sim ao álcool!".

Nas ruas, não se via mais aquela massa de gente. O silêncio avançou devagar sobre Porto Alegre. Mas na memória de cada um, vozes, cantos e melodias ainda ressoam forte.

Thiago Guimarães

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