Gritos, choques elétricos, ameaças, violações aos direitos civis. Não se trata de um retorno aos porões da ditadura brasileira, nem de notícias sobre repressão em qualquer regime autoritário do mundo. Estamos falando dos Estados Unidos da América, terra onde liberdade e democracia, em tese, figuram acima de qualquer valor. No entanto, nas últimas semanas, denúncias de torturas no sistema prisional norte-americano chocaram a sociedade e mostraram um lado corrompido do sistema de Justiça. Tudo veio à tona quando o governador de Illinois, George Ryan, concedeu perdão a quatro prisioneiros condenados injustamente ao corredor da morte e comutou as setenças de morte de outros 167.
Aaron Patterson, Stanley Howard, Madison Hobley e Leroy Orange conquistaram a liberdade após quase 20 anos de injusto confinamento. Têm em comum a cor da pele – todos são negros –, a origem pobre e as marcas da tortura e do preconceito. Na década de oitenta, eles cairam nas mãos de Jon Burge, comandante da polícia de Chicago, e foram obrigados a confessar crimes que não cometeram. Acusado de mais de 40 casos de tortura contra homens negros, o buldogue Burge foi afastado do serviço em 1993 e hoje vive na Califórnia, com uma aposentadoria às custas dos contribuintes americanos.
O tempo passou, denúncias foram feitas, famílias reivindicaram, campanhas de protesto mobilizaram ativistas, mas os desmandos da polícia de Chicago passaram incólumes pela Justiça. “Casos de tortura não são isolados. O sistema judiciário encobre as denúncias de diversas formas”, disse Cliff Taylor, advogado de Aaron Patterson, se referindo a veredictos comprados, julgamentos parciais e arquivamento de processos. Os injustiçados, agora, lutam para resgatar os seus direitos e participam de uma campanha nacional pelo fim da pena de morte. Esses fatos reacenderam o debate pelo fim das execuções.
Dos EUA, em teleconferência com o Fórum Social Mundial, Aaron Patterson e seus advogados participaram da oficina “Vozes dos EUA contra a guerra e o imperialismo”, promovida pelo The Center for Economic Research and Social Change. “Quero poder falar sobre as injustiças que sofri e representar todos os inocentes presos”, disse Patterson. Em 1986, ele foi detido pela polícia de Chicago e se recusou a assinar papéis que o incriminariam de um assassinato que não cometeu. Por isso foi torturado. Era preciso achar um bode expiatório para um crime não esclarecido pela polícia.
Na transmissão, Patterson expôs aos espectadores o seu sofrimento. Mostrou o que eles chamam de “caixa-preta”, um equipamento aparentemente inofensivo, mas que, com um giro da manivela, descarrega altas cargas de energia elétrica no corpo da vítima. Outra invenção é o “submarino”, uma simples capa de máquina de escrever. “Com esse plástico, cobriram meu rosto e deram socos no meu peito e estômago”, lembrou. Sem ar e beirando um surto nervoso, Patterson caiu quando o comandante Burge colocou uma arma na cabeça de sua esposa e ameaçou matá-la na sua frente. Ele não pôde resistir e assinou a confissão. “A prisão é um armazém da morte. Foram anos de movimentos limitados, silêncio, solidão, vivendo num inferno vivo!”, exclamou.
De acordo com o The Center for Economic Research and Social Change, que promove a campanha pelo fim da pena de morte nos EUA (www.nodeathpenalty.org), o país já sofreu diversas condenações por violar direitos humanos em suas prisões. Todos os anos, o governo americano gasta US$ 400 milhões com a manutenção do seu sistema carcerário – o maior do mundo –, que abriga uma população de 2 milhões de pessoas. Em número de execuções, a “democracia” americana está em quarto lugar, atrás apenas de China, Irã e Arábia Saudita.
Luciano Máximo, para a Ciranda da Informação