Embaixador conclama negros para cobrar dívida

Em Seminário no Fórum Social, Dudley Thompson defendeu uma compensação em dinheiro para a população negra dos países que utilizaram trabalho escravo
Por Ana Aranha
 25/01/2003

"Não adianta dizer para um gato que ele agora é um cão, é preciso mostrar-lhe o focinho, as orelhas e seu tamanho." O seminário Reparações reuniu na sexta-feira, dia 24, líderes de movimentos negros nacionais e internacionais para pensar a dívida que o mundo tem com essa população. Hoje, um outro encontro ocorreu, dessa vez, para debater o Combate à Intolerância e o Respeito à Diversidade. Foi no Cais do Porto da capital gaúcha que Dudley Thompson – importante pensador jamaicano – completou mais uma vez a metáfora do cão e do gato: "um homem não se torna livre apenas com palavras, quando avisado. Um homem livre tem terra, educação e participação no governo".

"A dívida não foi paga, vocês têm o dever de cobrá-la." Baseando-se na história do povo africano, o embaixador da Jamaica na Nigéria concluiu que os descendentes de todos que usaram o trabalho escravo para seu crescimento no passado têm uma dívida com a comunidade negra. Voltando ao período que antecedeu a Lei Áurea, lembrou da quantidade de cana-de-açúcar, ouro e café que os europeus só conseguiram levar do Brasil graças ao trabalho escravo. "Assim como hoje eles herdam os bens, herdam essa dívida."

Thompson fez um discurso muito parecido em ambos os eventos. O primeiro pretendia discutir maneiras de se recompensar o povo negro pela situação de extrema desvantagem que se encontram na sociedade atual. O segundo, a necessidade de incentivar a aceitação ao diferente, seja ela expressa através de raça, gênero ou opção sexual.

Embora o jamaicano defenda que o "estupro de avós e a morte de avôs nunca será compensado em dinheiro", sua proposta é que a população negra se organize para cobrar a dívida de seus antepassados, e que ela seja paga em espécie. "Os judeus conseguiram, assim como os esquimós do Canadá e os índios dos Estados Unidos", para ele as dívidas dos países negros deveriam ser canceladas, "ela é inferior ao valor que se gasta com guerras".

Algemas

"Os brancos precisam pensar no assunto e começar, antes de tudo, a agir diferentemente entre eles mesmos". Essa seria uma maneira de se alcançar uma relação mais igualitária entre raças para Osvaldo Castelo Branco, angolano que assistia atentamente ao seminário. Para o negro de nome português, os brancos deveriam se policiar quando conversam entre si, "sempre há uma carga negativa quando se referem a um negro, se começarem a mudar esse comportamento, talvez consigam encarar o outro de maneira mais justa".

Uma outra barreira é a dificuldade do povo de origem africana para reconhecer seus direitos. Thompson lembrou da forte pressão psicológica que sofrem simplesmente por serem negros, e das sérias complicações que essa pressão exerce sobre sua auto-confiança. "Não temos mais algemas nas mãos, elas agora estão na nossa mente".

A própria sede do Fórum é um exemplo do impacto desse racismo de que fala o embaixador. Segundo estudo feito pelo Dieese, os negros com cinco anos de experiência em certo cargo na cidade recebem apenas cerca de 30% do salário pago aos brancos com o mesmo tempo de experiência.

Brasil

Para Maria Olívia Santana, coordenadora nacional da Unegro (União de Negros pela Igualdade) e recém eleita vereadora de Salvador, a reparação deveria ser feita por meio de um programa nacional com políticas de educação e inclusão na universidade e no mercado. "Os EUA implantaram políticas afirmativas e a população negra conseguiu seu espaço no mercado, nas escolas e universidades." Sobre a realidade no Brasil, não se lembra de exemplos de ações efetivas do governo, "precisamos de uma forte campanha midiática para que a população se saiba e se reconheça negra, como ela é".

Para Castelo Branco, o governo brasileiro precisa se dar conta de sua potência, inclusive frente aos Estados Unidos, e incentivar o trabalho em conjunto de toda sua população. O angolano acha que as lideranças políticas, culturais e até "simbólicas" deveriam aproveitar o alcance de sua voz para reerguer a confiança dessa parcela majoritária da população brasileira. Para ele, em algum momento, o Brasil vai se dar conta de que a inclusão do negro é fundamental e, abaixando a voz como quem conta um segredo, "para sua própria sobrevivência e de sua nação".

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